O fim da Quarta-feira |
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Um
dos efeitos da revolução nos costumes dos últimos anos é que não existem
mais boas histórias de Quarta-feira de cinzas. A industrialização do carnaval
e a profissionalização das grandes escolas acabou com cenas tradicionais
que davam boas crônicas, como as de carnavalescos voltando para sua dura
vida real largando pedaços de fantasia no caminho, contínuos se apresentando
no batente com o adereço de Rei Sol ainda na cabeça, e exigindo reverência,
para estender só mais um pouquinho a sua glória, fadas de acrílico, legionários
de papelão e santos barrocos de mentira estendidos num gramado, dormindo
com o impiedoso sol de fim de festa na cara... E dê-lhe literatura. As
velhas cenas foram substituídas pela de turistas no aeroporto tentando
embarcar com suas fantasias sem pagar excesso. O que, pensando bem, também
não deixa de ter sua poesia triste. A mudança de costumes acabou também com as histórias de maridos que sumiam durante o carnaval e só reapareciam na Quarta-feira. Voltavam, vestindo ou não a camisa amarela do samba do Ary Barroso, com desculpas fantásticas que podiam incluir até o seqüestro por alienígenas, e elaboradas explicações para o confete no bolso e o batom na nuca. Mesmo quando aparecia numa fotografia da “Cruzeiro”, edição especial de carnaval, lambendo cerveja de uma coxa, o marido sumido tinha a explicação. “Me doparam dentro do disco voador, não me lembro de nada.” — Argeu, você quer que eu acredite que... —- Acredite se quiser. E a mulher aceitava as explicações, porque, como no samba do Ary Barroso, gostava dele assim, ou porque não tinha alternativa. Hoje o marido some para um lado e a mulher some para o outro e quando se encontram na Quarta-feira é para comparar o que fizeram, e com quem. Ou o marido nem começa a explicar o que houve antes de ser atirado por uma janela pela mulher, que faz musculação. E não há mais a “Cruzeiro” e ninguém mais se chama Argeu. |
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Luis
Fernando Verissimo |
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