Teatralização apaga tradições

            Os mais de R$ 45 milhões gastos no Carnaval mais caro da história não resultaram em melhora de qualidade, em mais bom gosto e em menos carros quebrados.
          O desfile é hoje um grande e caro espetáculo teatral. Assim sendo, os efeitos criados pelo carnavalesco Paulo Barros, da Unidos da Tijuca, são o que de mais interessante surgiu nos últimos anos.
Suas imagens são criadas com pessoas, não com neons e outros recursos que contribuem para a cafonália predominante nas alegorias. Como a União da Ilha nos anos 70, a inventividade da Tijuca não foi premiada com um título.
          A Beija-Flor, com outro enredo feito para buscar patrocínio de um Estado (desta vez, o Rio Grande do Sul), ganhou de novo com um desfile confuso, em que o excesso de alas (50) dificultava a evolução e causava poluição visual. Para convencer os jurados de que deve perder, terá que se esforçar mais. Apenas seis julgadores tiveram coragem de tirar pontos da poderosa escola.
          Na Imperatriz Leopoldinense, paradigma das escolas técnicas, pelo menos louve-se o excepcional cuidado de Rosa Magalhães com o aspecto visual, a leveza das fantasias e o samba eficiente.
          O choro da Velha Guarda da Portela por não poder entrar na avenida e as águias quebradas não são apenas as imagens mais dramáticas do Carnaval 2005, mas também as mais simbólicas. Há muito poucos vestígios das tradições das escolas de samba nos atuais desfiles.
          Os sambas, aceleradíssimos para que os componentes jovens (os velhos são barrados) possam atravessar correndo a avenida, quase não são sambas.
          Uma das maiores criações dos descendentes de africanos no Brasil, escola de samba hoje é algo que brancos comandam, em que brancos desfilam e a que brancos assistem. Negros, só em alas inevitáveis como a das baianas, em parte da bateria e empurrando alegorias -na Mangueira, que preferiu jovens brancas, nem isso. Em breve haverá cotas raciais no Carnaval carioca.
          Como é impossível levantar uma platéia formada em sua enorme maioria por turistas, as grandes escolas não se preocupam com emoção, mas com os critérios técnicos estabelecidos pela Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba).
          E a Liga deixa a pista ficar entulhada de políticos, mulheres sem profissão definida e gente como o ex-jogador Edmundo, Fernando Vannucci e Sérgio Mallandro, que se esforçavam para atrapalhar as escolas. Se eles são os donos da avenida, não há mesmo lugar para a Velha Guarda da Portela.
          A criatividade de Paulo Barros e as lágrimas dos portelenses valem mais do que os milhões de patrocínio. Elas poderiam ser o ponto de partida para grandes mudanças. Mas alguém acredita nisso?

Luiz Fernando Vianna
(Publicado originalmente no Jornal Folha de São Paulo em 10 de fevereiro de 2005)

 

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