Velha discussão |
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Como o carnaval continua hoje à noite, com
o desfile das campeãs, peço licença para participar de uma discussão que
há anos ocorre nessa época para saber se as escolas se descaracterizaram,
perderam a identidade e deixaram de ser manifestações culturais para se
transformarem em entretenimento para turistas — se enfim o carnaval “autêntico”
acabou.
Não pertenço ao bloco dos que têm nostalgia de confete, serpentina, pierrô e colombina, se é que ainda se sabe o que é isso; nem à ala dos puristas, para quem qualquer inovação significa uma ameaça; não concordo que carnaval bom foi aquele que passou. Não sinto saudades dos velhos desfiles sem hora para acabar, em que se chegava no começo da tarde de um dia e só se saía no fim da manhã do dia seguinte. É bem verdade que não há mais obras-primas como “Aquarela brasileira” ou “Bumbum paticumbum” (para só citar a minha escola), já que o samba virou marcha. Mas, em compensação, nada se compara à riqueza e ao bom gosto das fantasias atuais, ao virtuosismo das baterias, à inventividade das alegorias e a inovações como o carro do DNA de 2004 e o pavão abre-alas deste ano, ambos do Império da Tijuca. Quando alguém afirma que “o carnaval carioca acabou”, muitas vezes ocorre que o que acabou foi a disposição de curti-lo. Mesmo sendo folião passivo, voyeur de desfiles, ouso dizer que nunca a folia foi tão animada quanto agora, considerando o número de blocos que saem às ruas, as oportunidades que se tem de brincar, a pluralidade de desfiles nos grupos de acesso. Há para todo gosto. Um amigo prefere assistir aos “ensaios técnicos”, que atraem até 40 mil pessoas, pois acha que é melhor do que a apresentação oficial, desfila-se mais à vontade. Outro só vai ver os segundos grupos e há quem não perca o Bola Preta e o Boitatá, que conseguiram inclusive revitalizar o Centro da cidade nesses dias. Entretanto, não faz muito tempo se dizia que o carnaval de rua tinha morrido. Hoje, em cada bairro parece existir um bloco ou uma banda (o que falta às vezes é a presença da prefeitura). Quando a classe média descobriu as escolas e passou a desfilar, houve um certo pânico: “tem branco no samba!”. Temia-se que fosse o começo de uma devastação cultural. Pois as escolas absorveram antropofagicamente a novidade e ensinaram os intrusos a sambar, até as Lumas de Oliveira. Por isso provocou tanta tristeza o que foi feito com a Velha Guarda da Portela. A Marquês de Sapucaí, que não discrimina os “brancos” e permite os bicões, fechou o portão para aqueles baluartes do samba. Ainda bem que houve o desagravo do público, que aplaudiu de pé quando eles finalmente passaram. |
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Zuenir
Ventura |
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