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A
frase - já ouvida por mim como insulto pessoal - foi-me jogada na cara
pelo crioulão enorme relações públicas da Beija-flor de Nilópolis, num
acalorado debate radiofônico no Rio há dez anos. Discutíamos, já se vê,
sobre os novos rumos que o carnaval do Brasil assumia e configurava naquele
dezembro de 1985, ano-chave da redemocratização e também ano-estratégico
da consolidação do carnaval baiano, da confirmação do carnaval pernambucano
e, sobretudo, do início do apogeu das escolas de samba do Rio. E foi ali
- exatamente ao ser quase insultado pelo meu interlocutor, um surpreendente
arauto da modernidade, que resolvi fazer a revisão de certos conceitos.
Ou melhor, de certos preconceitos a que me habituara. Por comodismo, e
até por modismo, para ficar apenas nos ismos mais ameno. Hoje, vejo as
coisas do carnaval, a evolução dos costumes - e até da ética e da moral
- com olhos mais aguçados. Eu diria até mais gulosos.
Nesses
dez anos o carnaval do Brasil apresentou muitas novidades, além dos fortíssimos
festejos de Salvador e Recife/Olinda: os sambódromos (ô palavrinha miserável,
já infelizmente de uso obrigatório) de São Paulo e Manaus, para citar
os dois maiores, que deram configuração nacional ao modelo carioca.
Sambódromo
- Mas o que é o modelo do sambódromo, tal como foi criado no Rio? Nada
mais que um estádio disposto em forma de rua e não na forma arredondada
convencional. É uma passarela, que foi criada pelas cabeças fervilhantes
do louco Darcy Ribeiro e do gênio Oscar Niemeyer.
E
era mesmo necessária, para que o Rio se livrasse do abominável monta-desmonta
de arquibancada que a cada ano infernizava o centro carioca e enriquecia
os bolos dos funcionários da Secretaria de Turismo. A asséptica passarela
de concreto trouxe, de imediato, as premissas daquilo que ocorreria agora
em 1996, dez anos depois de inaugurada. O primeiro resultado - e inegável
- foi a profissionalização do desfile, com todos os riscos de perdas e
de ganhos que isso produz. Os ganhos foram maiores, começando pelo apogeu
nacional e internacional da forma da escola de samba como espetáculo e
terminando pela dinheirama (para mais de US$ 100 milhões) envolvida só
no sambódromo - custos das escolas mais ingressos, serviços, concessões,
marketing, etc. E as perdas? Uma decorrência direta da transformação do
evento num superdesfile de luxo e de altíssimo custo, objeto de sedução
e desejo da alta classe média do Brasil inteiro. Daí decorre - para mim
- a principal e mais dramática perda: a platéia do espetáculo. Que antes
era de calorosos torcedores da escola em disputa. E agora é constituída
de turistas, estrangeiros e brasileiros, tão quentes e solidários às agremiações
desfilantes com um bloco de gelo. O que esfria todo o desfile a um nível
perfeitamente compatível (enfim!) com a elegância e a sofisticação silenciosa
das formas do conjunto de concreto. O que é péssimo. As outras perdas
são menos traumáticas e mais inseridas no contexto da evolução natural
do desfile. E do mundo que não pára de evoluir. São, digamos, uma tantas
perdinhas, mais nostálgicas para velhos observadores como eu. Entre elas
estão, é claro, o tempo espremido em que cada escola deve cumprir seu
desfile. A conseqüência disso é a aceleração do samba-enredo, hoje samba-marcha,
bem mais direto, curto e sintético.
Outro
lado - que nem sei se posso ou devo considerar perda - é a tirania dos
carnavalescos, verdadeiros doges renascentistas, sempre novidadeiros na
busca das soluções mais originais e mais intelectualizadas, correndo por
vezes o risco da minha pretensão para a outra água-benta. Tanto o intelectualismo
dos neogênios que armam as escolas como o alto custo das fantasias trazem
uma outra decorrência: o gradual afastamento das comunidades das escolas
por simpatizantes e turistas que pagam, sem pestanejar, os altos custos
das roupas e das alas.
Mas
tudo bem, superespetáculo é superespetáculo, e ponto final.
O
que não está nada bem para o espetáculo de hoje e de amanhã é a falta
de organização na montagem da infraestrutura do sambódromo. Além da falta
de talento em relação aos jurados.
A
desorganização a que me refiro ficou a cargo da parceria Riotur com a
Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa). E começa com um gravíssimo
risco: se chover torrencialmente - como em 1988, ocasião em que o desfile
das campeãs foi suspenso - o espetáculo pode ser feito a bordo de barcaças,
e não mais de carros alegóricos. Explico: pouca gente sabe que um rio
- o Papa-Couves - corre embaixo da Marquês de Sapucaí. Acontece
que a imprevidência da Riotur permitiu que o Hollywood Rock terminasse
ao mesmo tempo em que as cadeiras de pista e frisas estavam sendo montadas.
Resultado: esqueceram (!!!) de remover as toneladas de lixo acumuladas
pelos roqueiros em todos os canais onde se assentam as frisas. Possível
conseqüência: chover muito, rio entupir impossibilitando, é claro, o desfile,
pelos dejetos dos fossos. E transbordará. E a passarela virará um lago
fétido.
É
de pasmar que um espetáculo desse porte - afinal de US$ 100 milhões não
são uma brincadeira - seja administrado por pequenos burocratas irresponsáveis.
Outro
problema pode ser o corpo de jurados da liga, tão insosso e desconhecido
que mais parece um grupo de personalidade formada pelo, digamos, Sindicato
dos Lixeiros Anônimos. Ironia à parte, um júri assim sem credibilidade
- e aí a culpa é exclusivamente da liga - poderá mediocrizar o resultado
final da disputa, repetindo-se a estatística que só aponta os campeões
entre as escolas que desfilam na segunda-feira. Ou seja: júri medíocre
têm olhos para os últimos que passam, não preservando na memória da retina
os primeiros, mesmo se forem esses os merecedores da vitória.
Quem,
finalmente, pode ganhar o campeonato?
Olé
- A julgar pelas pesquisas de especialistas, a Mocidade Independente de
Padre Miguel pode dar um olé. Só que desfila hoje, o que lhe será desvantajoso.
Amanhã,
cotadíssima está a campeã Imperatriz Leopoldinense, tanto pelo enredo
em homenagem a princesa Leopoldina quanto pelo talento da artista plástica
Rosa Magalhães, a nova rainha dos carnavalescos.
Por
fora corre a grande injustiçada do ano passado, a Portela, cujo samba,
contudo, nem chega aos pés do anterior. A registrar-se ainda os sambas
de enredo - excelentes - da Estácio de Sá e da Império Serrano.
O
que pode fazê-las crescer. Mesmo com a platéia glacial, plantada na passarela.
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