Coisas que os mais jovens não sabem

            Assim como a Bahia é o estado mais cantado do Brasil até por compositores que jamais pisaram a Bahia, a Mangueira é a escola de samba mais cantada até por compositores que jamais pisaram lá.
Em 1959, quando entrei para o Salgueiro e fiz o enredo Zumbi dos Palmares, soube que a velha Manga, além de Ter sido nossa madrinha, exigiu na Associação que desfilássemos "de cara" entre as grandes. E o samba Nzambi, de Nescarzinho e Noel Rosa de Oliveira fora composto nos fundos da fábrica de cerâmica do avõ do garoto Roberto Paulino, então presidente da Manga, sendo acompanhado pelo pessoal de lá. Havia naquele tempo solidariedade e integração.
          Em 1965, quando o Sal foi campeão do IV Centenário, houve protesto de muita gente da imprensa ( o Império estava lindo!). Solidariamente Roberto Paulino, durante a nossa comemoração, subiu o morro com uma pá de mangueirense, mestre-sala, porta-bandeira de bandeira e tudo e comandou nossa festa até de madrugada.
Em 1967, endividadíssimo depois do carnaval, organizamos uma festa no café-concerto Casa Grande para ajudar a pagar as dividas. A Manga, sem cobrar nada, mandou dois ônibus com alas, baianas, todo mundo fantasiado, para cruzar sua bandeira com a do Salgueiro através dos respectivos mestres-sala e portas-bandeira, numa união só comandada pelo mestre Xangô. Até lanche próprio eles levaram.
          O mundo se lembra quando  num desfile, ao meio-dia, Gigi da Mangueira, tirou suas sandálias e deu para a nossa Narcisa dançar, pois ela estava descalça.
          Em 68 trabalhamos lado a lado no Pavilhão de São Cristóvão e o então presidente da Manga, Juvenal Lopes (o Juju das candongas) nos ajudou a todas as formas. Djalma Preto dirigindo a Manga, trabalhando novamente lado a lado, nos deu chance de colaborar. O último carro deles estava mais alto que o portão e não havia jeito de o carro sair do pavilhão. Juntei o pessoal do Salgueiro, seguramos o carro no braço, tiramos as rodas que eram de carroça, passamos com o carro e já na rua recolocamos as rodas e a alegoria se mandou...
          - Estamos devendo uma - disse o Djalma.
          - Foi paga com antecedência - respondi.
          Ninguém acredita, mas uma vez o samba do Salgueiro foi julgado por cinco mangueirenses: Amaury Monteiro, Haroldo Barbosa, Luís Reis e o Gussi do Leblon. E o Salgueiro acatou o julgamento.
          Se eu for contar tudo, digo como o Monarco: "Hoje não vou terminar".
          Por tudo isso resolvemos em 71, Arlindo e eu, fazer como enredo Minha madrinha, Mangueira querida. Após três assembléias as tias e a Velha Guarda, que sabiam das coisas, comandaram a aprovação do enredo, contra a opinião da garotada que ignora as coisas. Lá viria o Sal todo de vermelho e branco cantando "Tengo-tengo, Santo Antônio, Chalé" com a comissão de frente inteiramente vestida de verde e rosa. Foi dificil, mas a ala (antigamente era uma ala) aceitou. Osmar Valença, eternamente sacana, foi dizer para a minha amiga Neuma que eu só colocaria bicha na comissão de frente. Claro, ela me xingou de todos os palavrões usuais e mais os que inventara na hora.
Uma escola de samba só existe se tiver uma boa ala de compositores. Não vou falar da Portela, Império, Sal ou Imperatriz, mas vocês imaginam uma escola que teve tem compositores como Geraldo pereira, Zé da Zilda, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito, Geraldo das Neves, Nelson Sargento, zagaia, Babaú, Pelado, Leléo, Carlos Cachaça, Darcy, Preto Rico, Leci Brandão, Padeirinho, Hélio Turco, Ivo Meireles, Batista e muito mais?
          Foi com muito orgulho que na festa de inauguração da nova quadra, presentes os ex-presidentes Roberto Paulino, Bira, Djalma Branco e Ed Miranda, além do Ivo Meireles, recebi das mãos de Jamelão uma grande placa de prata e uma belíssima flâmula. Grande homenagem!
          Foi uma emoção só. E vou repetir o que já escrevi: "Lá em Mangueira ficou um pedaço do meu coração vermelho e branco".
 
Fernando Pamlpona
(Jurado do Estandarte de Ouro, Autor de Enredos e ex-carnavalesco)

 

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