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Capítulo 7
A apoteose do bicho
Vila Isabel e Beija-Flor
entram para a história.
Contravenção investe pesado no samba.
O desfile do carnaval de 1980 foi um dos mais disputados de todos os tempos.
Os julgadores concederam a nota máxima em todos os quesitos A Beija-Flor,
Portela e Imperatriz Leopoldinense - em sua estréia na galeria das campeãs.
Em segundo lugar, também empatadas, ficaram União da Ilha, Mocidade Independente
e Vila Isabel. Com tantos vencedores, o Rio de Janeiro era uma festa só.
No inicio da década
de 80, algumas escolas de samba eram financiadas por patronos. Castor
de Andrade protegia a Mocidade Independente. Luizinho Drumond começava
a injetar dinheiro na Imperatriz Leopoldinense. Anísio Abraão David não
media esforços para ver a Beija-Flor mais luxuosa. A Portela passava por
transição. Saia das mãos de Natal para as de Carlinhos Maracanã. Miro
Garcia era a sustentação da Vila Isabel.
Com a presença
dos patronos, os desfiles passam por novo processo de transformação. É
a época do visual. Os carros alegóricos crescem cada vez mais, ao passo
que as fantasias ficam cada vez mais ricas e desconfortáveis -, fazendo
do figurante um cabide das invenções dos carnavalescos. O chamado samba
no pé vai ficando em segundo plano. A classe média invade todos os setores
da escola de samba, não se contentando mais em ser apenas observadora
do espetáculo. Desfilar na avenida passa a ser um charme e injeção de
vaidade no ego de cada um.
Na mesma medida
em que o espetáculo vai ficando grandioso, as exigências dos patronos
aumentam. Se, de um lado, eles gastavam cada vez mais, de outro a falta
de empenho do estado e do município para dar novo tratamento ao desfile
era flagrante. Os banqueiros de bicho investiam muito e não viam nenhum
retomo. Nem na venda de ingressos que, segundo o município, dava sempre
prejuízo. Cresce a área de atrito entre as escolas de samba e o poder
público.
No carnaval de
1981, a Imperatriz é campeã sozinha, seguida pela Beija-Flor e a Portela.
Em 1982, a Imperatriz só não foi tri porque seu presidente de honra, Luizinho
Drumond, resolveu desafiar o regulamento, que proibia a colocação de figuras
vivas sobre os carros alegóricos. Mandou o carnavalesco Arlindo Rodrigues
construir carro que mais parecia um rinque de patinação e sobre ele colocou
diversos destaques. O prefeito Marcos Tamoyo aceitou o desafio e puniu
a escola com a perda de cinco pontos, o suficiente para que ela deixasse
a vitória nas mãos do Império Serrano. A cidade festejou, cantando o Bumbum,
baticumbum, prugurundum, de Beto Sem Braço e Aloísio Machado.
As tensões pioraram
em 1983. A subvenção do município não dava para cobrir metade das despesas
que as escolas tinham para manter o desfile cada vez mais grandioso. O
monta-desmonta das arquibancadas de madeira envolvia uma fábula de recursos.
Paralelamente, aumentava o interesse das emissoras de televisão e dos
turistas, que vinham em grande número para assistir ao maior espetáculo
da Terra. Naquele ano, a Beija-Flor foi a campeã. E demoraria mais 15
anos para subiu novamente ao degrau mais alto do pódio.
Os patronos decidiram
criar nova entidade para defender os interesses das agremiações, já que
a Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro mostrava-se
impotente, Surgiu a Liga Independente das Escolas de Samba, presidida
por Castor de Andrade, patrono da Mocidade.
O carnaval de 1984
foi marcado por mudanças radicais. O recém eleito governador Leonel Brizola
decidiu criar espaço definitivo para o samba, construindo o Sambódromo.
Só que, em vez de ouvir os sambistas, entregou a empreitada ao arquiteto
Oscar Niemeyer e ao sociólogo Darcy Ribeiro, que inventou a Praça da Apoteose
com finalidade desconhecida até hoje. Darcy imaginava que ao final da
pista de desfile, cada escola fizesse grande espetáculo para o público.
Mas não sabia como. Muito menos os sambistas. A obra foi feita em tempo
recorde. Durante os três meses de construção, falava-se que o estádio
ia desabar. Qual nada. A construção é sólida mas, com diversos erros de
concepção.
O desfile de inauguração
do Sambódromo ocupou dois dias, domingo e segunda-feira. A Mangueira,
última a desfilar, foi a única que soube aproveitar a tal Praça da Apoteose.
Enquanto as outras agremiações colocavam alas e alegorias naquela área,
a verde e rosa a usou para contornar e voltar A pista de desfile. Até
hoje, foi a única escola a desfilar nos dois sentidos. A Portela sagrou-se
vencedora do domingo, a Estação Primeira ganhou o desfile do dia seguinte.
Houve tira-teima no sábado seguinte e o título foi para a Mangueira, que
deu nova volta olímpica. As escolas protestaram contra a malandragem verde
e rosa .A volta ,olímpica foi proibida.
Fernando Pinto
deu show de criatividade com o Ziriguidum 2001 e a Mocidade conquistou
seu segundo título em 1985. Nos dois anos seguintes, 1986 e 1987, a Estação
Primeira faturou o bicampeonato.
O ano de 1988 marcava
o Centenário da Abolição da Escravatura. Três escolas preparam-se com
afinco para brigar pelo título: Mangueira, que lutava pelo tri, Beija-Flor
e Vila Isabel. Todas dedicaram seus enredos à luta dos negros pela liberdade.
Foi o ano da Vila.
A apresentação dos sambistas do Morro dos Macacos foi considerada por
colegiado de 50 críticos, ouvido pela TV Globo, a mais perfeita de todos
os tempos. Por um ponto de diferença, a Vila tirou o tricampeonato da
Mangueira e conquistou o primeiro título de sua história. Foi exibição
única, pois não houve desfile no Sábado das Campeãs. Chuva torrencial
desabou sobre a cidade, matando dezenas de pessoas.
Enquanto a Vila
provava o sabor da glória, a Imperatriz Leopolinense despencava para o
14° lugar. No ano seguinte, antes de a escola entrar na área de desfile,
o patrono Luizinho Drumond pegou o microfone e passou nos componentes
o maior sabão que os alto-falantes do Sambódromo já transmitiram. Confessou-se
humilhado com a vergonha do ano passado. Jurou que deixaria a escola se
fato semelhante se repetisse.
O desfile da Imperatriz,
que apresentou Liberdade, liberdade, foi tão perfeito que conseguiu
maior número de pontos do que o genial Ratos e Urubus, larguem a minha
fantasia, da Beija-Flor. O carnaval dos mendigos foi fantástico e
permanecerá para sempre na memória do povo. O abre-alas mostrando o Cristo
coberto, proibido pela Igreja, será símbolo da emoção que contagiou todos
que lá estavam. O luxo misturou-se ao lixo e vice-versa. Mas, como existem
razões que nem os próprios jurados conhecem, deu Imperatriz. A Beija-Flor
ficou em segundo.
Os dois anos seguintes
pertencem à Mocidade Independente, com o Vira, virou e Chuê,
chuá, dando inicio à fase high tech da escola de Padre Miguel. Com
sua Paulicéia Desvairada, a Estácio surpreendeu no carnaval de
1992 e conquistou seu primeiro título. Depois de 18, anos de abstinência,
o Salgueiro quebrou o jejum e conquistou o campeonato de 1993. Os dois
carnavais seguintes pertenceram à Imperatriz Leopoldinense, com Catarina
de Médicis na corte dos Tupinambás e Mais vale um jegue que me
carregue, que um camelo que me derrube. Em 1996, deu Mocidade novamente,
com Criador e Criatura. Em 1997 a Unidos do Viradouro conquista
seu primeiro campeonato no Grupo especial do Rio de Janeiro. Em 1998 a
Beija-Flor quebra seu jejum de vitórias no Sambódromo e juntamente com
a Estação Primeira de Mangueira conquista o Campeonato empatada. Os dois
Carnavais seguintes pertencem novamente à Imperatriz Leopoldinense.
Desde 1989, com
a passagem do último mendigo, nunca mais as arquibancadas gritaram o "já
ganhou!". Tomara que o desfile deste ano mostre menos luxo e mais
emoção. É o que pedem, carentes de alegria, nossos corações.
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