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Capítulo 6
Olha a Beija-Flor aí, gente!
A azul e branca de Nilópolis desbancou
as quatro grandes no desfile de 1976
A professora Maria Augusta Rodrigues costume ensinar aos alunos da Escola
de Belas Artes que o carnaval deve ser feito por pessoas alegres. Elas
devem passar esse espírito na organização da festa e, principalmente,
nos trabalhos propostos para os grupos de desfiles. Sem esse clima, o
espetáculo perde sua razão de ser.
A carnavalesca
Maria Augusta aprendeu isso na prática, quando passou a integrar a equipe
de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, na academia do Salgueiro, ao
lado de Rosa Magalhães, Joãosinho Trinta e outros talentos que nortearam
os rumos dos desfiles das escolas de samba dos anos 70.
Antes de entrar
nessa década coroada pela euforia de um tricampeonato mundial de futebol,
retornemos a 1966, quando a Portela ganha o carnaval com Memórias de
um sargento de milícias, o único samba-enredo composto até hoje por
Paulinho da Viola Para sua escola. O desfile de 1967 é vencido pela Mangueira,
com O mundo encantado de Monteiro Lobato, clássico na história
dos sambas-enredo. Um dos autores, o inspirado Darcy da Mangueira, conta
que fizera e refizera o samba mais de 30 vezes sem que ele e os parceiros
sentissem firmeza na abertura. Faltava impacto.
Motorista de praça,
Darcy viajava no ônibus que o trazia de Vila Kennedy ao Centro, onde pegaria
o táxi para trabalhar na bandeira dois. O ônibus passava pela Avenida
Brasil e o compositor estava distraído, maravilhado com o pôr-do-sol.
Foi quando teve o estalo e o verso veio-lhe à cabeça: Quando uma
luz divinal iluminou a imaginação de um escritor genial... - era
tudo do que precisava. Pegou o táxi e, em vez de trabalhar, foi para o
Buraco Quente. Virou a madrugada com os parceiros até o samba ficar redondo.
Em 1968, deu Mangueira
novamente, com Samba, festa de um povo. O Salgueiro conquistou
o título de 1969, com Bahia de todos os deuses, e a Portela faturou
mais uma vez em 1970, com um dos mais belos sambas de sua história: Lendas
e mistérios da Amazônia. Em 1971 deu Salgueiro de novo: Festa para
um rei negro (Tengo, Tengo). O desfile de 1972 marcou a estréia vitoriosa
de Fernando Pinto, autor de A1ô, alô, Taí, Carmem Miranda, enredo
do Império Serrano. A Mangueira voltou a vencer com Lendas do Abaeté,
em 1973. O desfile se mudou da Candelária para a Avenida Presidente Antônio
Carlos, e o Salgueiro faturou um bicampeonato; em 1974, com O Rei de
França na ilha da Assombração, e em 1975, com O segredo das minas
do Rei Salomão.
Estas conquistas
estabelecem novo divisor de águas na história dos desfiles. Marcam a estréia
de Joãosinho Trinta como carnavalesco, assinando sozinho a criação dos
carnavais da vermelho e branco e dando uma guinada na concepção dos enredos,
até então um espelho daquilo que os livros documentavam.
João começa a brincar
com o imaginário, com a ficção. No enredo Rei de França, pega história
vivida por um menino e ele mesmo se transporta para a Ilha de São Luís,
onde nasceu. Na verdade, o trabalho mostra as fantasias e temores de João
quando garoto, as histórias que ouvia as tias contarem. Com o Rei Salomão
ele brinca, bulindo com aqueles que não admitiam a possibilidade de um
enredo com ares estrangeiros. Mostrou que o Brasil estava na rota para
se chegar às riquezas do rei. Isso criou bochicho danado na época e o
carnavalesco mostrou suas armas, afirmando que, além de inovar, chegara
para polemizar também.
Mas, até então,
os degraus do pódio eram propriedade exclusiva da Portela, Mangueira,
Império Serrano e Salgueiro. E a próxima meta de João seria derrubar o
império das Quatro Grandes.
Em 1976 o desfile
voltou à Avenida Presidente Vargas, agora na altura do Mangue. Os comentários
sobre a Beija-Flor eram muitos, mas ninguém imaginava que a escola de
Nilópolis podia se atrever a enfrentar as donas do carnaval carioca. Nos
dois anos anteriores, recém-chegada do Segundo Grupo, mostrou que tinha
bom chão, mas despertou a antipatia da intelectualidade por causa dos
enredos extremamente reacionários.
Naquela manhã de
1° de março, quando os primeiros raios de sol iluminavam os arranha-céus
do Centro, a escola entrou na avenida. Estava totalmente diferente. As
fantasias eram mais leves e criativas. As alegorias eram bem maiores e
mais altas. O enredo falava na mais popular das fontes de renda: o jogo
do bicho. Sonhar com rei dá leão.
O público vibrou
quando reconheceu cada um dos grupos do jogo nas alas que passavam à sua
frente. Lá estavam a águia, o avestruz, o burro, a borboleta e por aí
afora. A alegoria principal mostrava um casal proletário dormindo, sonhando
com os 25 bichos da aposta. Para coroar o belíssimo desfile, um arco-íris
surgiu no céu; indicando que a partir daquele momento nova escola de samba
passava pelos portais da glória. O resultado não mostrou nada diferente
do que o público esperava. Apesar de certo descrédito em relação à quebra
do tabu das Quatro Grandes, a agremiação de Nilópolis fora a melhor,
disparadamente. Depois da leitura do resultado oficial, a pequena cidade
da Baixada Fluminense conheceu uma das maiores festas de todos os tempos.
E, pela primeira vez, o desfile das escolas de samba do Rio tinha campeã
de fora da cidade.
Enquanto a Beija-Flor
se armava para brigar pelo bicampeonato, Portela, Mangueira, Salgueiro
e Império Serrano prometiam contra-ofensiva. Distante da guerra entre
as Cinco Grandes, agremiação recém-promovida ao grupo de elite
fazia da simplicidade sua maior arma para tentar alguma coisa na avenida.
Quando apresentou o enredo Domingo, contando as banalidades de
um fim de semana carioca, com muitas pranchas de isopor, bolas coloridas,
barracas de praia, pipas no céu, bandeiras dos clubes de futebol e aquela
cervejinha gelada, a União da ilha do Governador foi calorosamente recebida.
Com menos de 15 minutos de desfile, ao melhor estilo dos blocos de rua,
ela fazia as arquibancadas tremerem. Não demorou para ouvir o "já
ganhou!", "já ganhou!", "já ganhou!". Superou
até a Beija-Flor, que voltou a antigos carnavais com Vovó e o Rei da
Saturnália na Corte Egipciana.
O resultado revelado
nas abertura dos envelopes não foi tão correto com a Ilha como fora com
a Beija-Flor um ano antes. A escola de Nilópolis faturou o bi, superando
a Ilha por apenas um ponto. Aconteceu outra festa monumental em Nilópolis,
onde o comércio e a família Abraão David prolongaram o carnaval por alguns
dias.
Com as vitórias
sucessivas da Beija-Flor e a ascensão meteórica de outras forças, como
a União da Ilha e a Mocidade Independente, que vinha conquistando espaço
nas primeiras posições, a era das Quatro Grandes parecia estar
chegando ao fim, definitivamente. O desfile ficava cada vez mais emocionante
e surpreendente.
O desfile de 1978
- o primeiro na Marquês de Sapucaí - prometia emoções maiores ainda. A
Mangueira contaria a história de seu cinqüentenário e tentaria impedir
o tricampeonato da Beija-Flor. Depois do Domingo, a Ilha falaria
sobre O Amanhã. Reforçada pelo talento de Arlindo Rodrigues e o
financiamento de Castor de Andrade, a Mocidade continuaria perseguindo
o título sonhado, querendo fazer parte do fechado clube dos campeões do
carnaval.
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