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Capítulo 2
As Escolas pedem passagem
O Samba
consolida seu espaço na cidade. Mangueira e Portela mostram sua força
A política é capaz de verdadeiros milagres como, por exemplo, antecipar
o carnaval. Foi o que aconteceu em 1934. Para homenagear o prefeito Pedro
Ernesto, grande admirador do samba, o desfile das escolas foi realizado
no dia de São Sebastião, 20 de janeiro, no Campo de Santana. A festa foi
promovida pelo jornal O Paiz e teve a coordenação de Lourival Fontes,
chefe do gabinete do prefeito. Pela primeira vez foram cobrados ingressos.
No livro As
Escolas de Samba do Rio de Janeiro, o jornalista Sérgio Cabral lembra
que, apesar do prestigio crescente, o samba ainda era visto de forma preconceituosa
pelas autoridades. Na destinação de verbas para o carnaval daquele ano,
as grandes sociedades ficaram com a maior fatia: 35%. Em seguida vinham
os ranchos, com 30%, os blocos carnavalescos, com 25%; e, finalmente,
as escolas de samba, com parcos 7%. Os 3% restantes couberam ao Andaraí
Clube Carnavalesco.
Para animar a festa
houve exibição do Cordão da Bola Preta, baile infantil e luta de boxe.
A chuva e o preço dos ingressos (dois mil réis por cabeça) não atrapalharam.
Muita gente foi ao Campo de Santana assistir à exibição de 16 escolas
de samba. Um júri composto pelos jornalistas Francisco Neto, Floriano
Rosa Faria, Jota Efegê, Venerando Graça e Antônio Veloso mais uma vez
deu a vitória à Mangueira, ficando a Vai Como Pode em segundo e a Deixa
Malhar, em terceiro. As demais não tiveram classificação.
As escolas de samba
começavam a crescer. Ao comprar 90 passagens de trem para os componentes
da Vai Como Pode se deslocarem de Oswaldo Cruz à Central do Brasil, o
tesoureiro Sebastião Rufino dos Reis queixou-se, espantado: "Meu
Deus! Isso não é mais uma escola de samba, é um rancho. Nunca vi tanta
gente numa escola de samba!" O que diria o velho Rufino se visse,
décadas depois, a sua azul e branco carregar um contingente de seis mil
pessoas para a avenida?
Chegou o carnaval
e com ele um impasse. O desfile seria no Estádio Brasil, na Rua do Riachuelo,
numa promoção do jornal A Hora. E com uma novidade: em vez de comissão
julgadora, quem indicaria a vencedora seria o voto popular. Saturnino
Gonçalves, presidente da Mangueira discordou. Argumentava que a vitória
seria de quem levasse a maior torcida ao estádio e não queria se arriscar.
Afinal, além de bicampeã, a Verde e Rosa vencera o desfile em homenagem
a Pedro Ernesto. Os dirigentes da Vai Como Pode pensaram da mesma forma
e as duas se apresentaram na Praça Onze, ao passo em que as demais concorreram
no desfile promovido pelo jornal. Venceu a Recreio de Ramos, ficando a
Unidos da Tijuca em segundo e a Unidos da Saúde em terceiro. No final
do espetáculo houve briga entre os integrantes da Azul e Branco, do Morro
do Salgueiro, e da Vizinha Faladeira, do Santo Cristo.
Outro fato marcante
em 1934 foi o primeiro movimento de organização das agremiações, com a
fundação da União das Escolas de Samba, dia 12 de outubro. Ao todo, 26
escolas participaram da solenidade, elegendo Flávio de Paula Costa (da
União da Floresta, depois Deixa Malhar) para a presidência; Saturnino
Gonçalves (Mangueira) para a vice-presidência; Getúlio Marinho da Silva,
o Getúlio Amor (Fale Quem Quiser), para a primeira secretaria; Jorge de
Oliveira (Depois Eu Explico), para a segunda; Reinaldo Barbosa (Deixa
Falar), para a primeira procuradoria e Pedro Barcelos (Príncipe da Floresta)
para a segunda; Paulo da Portela, para a primeira tesouraria e José Belisário
(Prazer da Serrinha) para a segunda.
A primeira reivindicação
da UES foi solicitar à prefeitura do então Distrito Federal a oficialização
do desfile das escolas de samba, garantindo subvenção oficial equivalente
às destinadas às grandes sociedades, ranchos e blocos carnavalescos. A
prefeitura acatou o pedido, liberando a subvenção de dois contos e quinhentos
a serem divididos entre as 25 concorrentes. O concurso foi promovido pelo
jornal A Nação, sendo estabelecido o primeiro regulamento. Seriam
julgados os quesitos originalidade, versadores, harmonia, bateria e letra
dos versos, com notas de 1 a 10.
O primeiro concurso
oficial foi realizado dia 3 de março de 1935, na Praça Onze. O desfile
estava marcado para começar às 20h e terminar às 2h da manhã, impreterivelmente.
Cada agremiação teria 15 minutos para se apresentar. Formaram o júri Reinaldo
Barbosa, Nicornélio Batista, Doutor B. Luz, Ismael Silva e Zé Espinguela.
A campeã foi a Vai Como Pode, com 158 pontos. Em segundo lugar ficou a
Mangueira, com 148, em terceiro o Prazer da Serrinha, em quarto a Vizinha
Faladeira.
Os dirigentes da
Vai Como Pode espantaram-se quando o delegado Dulcídio Gonçalves afirmou
que não renovaria a licença da escola se não mudassem aquele nome, por
ele considerado "vulgar". Foi no dia 1° de maio de 1935. Paulo
da Portela, com sua diplomacia, argumentou com Dulcídio que o nome fora
sugerido pela polícia. O delegado se manteve irredutível: "Se não
mudar o nome, não renovo a licença. E sem licença vocês não podem desfilar".
Pânico. Ninguém
estava preparado para trocar o nome da escola. Não havia uma idéia, uma
única sugestão. Sem tempo a perder, o Dulcídio tomou a iniciativa: "Os
senhores são de onde?"
Paulo respondeu:
"Da Estrada do Portela".
"Pronto. Agora,
passa a se chamar Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela".
Descendente do
Conjunto Oswaldo Cruz, da Quem Nos Faz É O Capricho e da Vai Como Pode,
a Portela nasceu naquela data. A partir de então, as escolas de samba
ganharam a sigla G.R.E.S. antes do nome.
Em 1936, o desfile
também foi na Praça Onze. Ganhou a Unidos da Tijuca, vindo depois a Mangueira
e a Portela (com o novo nome) em terceiro. No carnaval de l937, o número
de inscritas subiu para 32. E houve uma confusão dos diabos. O delegado
Dulcídio Gonçalves ficou irritado com a demora da passagem das escolas
e mandou desligar a iluminação da Praça Onze no meio do desfile. Determinou
também que fosse tirado o cordão de isolamento, o que permitiu a invasão
do público. Apenas metade das candidatas foi julgada, ficando de fora
sérias concorrentes como a Mangueira, o Prazer da Serrinha e a Unidos
da Tijuca. No livro Memória do Carnaval, editado pela Riotur, o
pesquisador Hiran Araújo considera o resultado das primeiras 16
desfilantes, apontando a Vizinha Faladeira como vencedora, a Portela como
vice e a Depois Eu Digo em terceiro.
O regulamento do
desfile mudou no carnaval de 1938. Os quesitos em julgamento passaram
a ser samba, harmonia, bandeira, enredo, indumentária, comissão de frente,
fantasia de mestre-sala e porta-bandeira e iluminação do préstito. É imposta
a obrigatoriedade de temas nacionais no enredo. No domingo, 27 de fevereiro,
desabou um temporal. Mesmo assim, 26 escolas se apresentaram, mas o júri
não compareceu. Em 1939 o julgamento se limita a cinco quesitos: harmonia,
bateria, bandeira, samba e enredo. Vinte e cinco agremiações participaram
do desfile, dia 19 de fevereiro, na Praça Onze. A Portela (com este nome)
faturou a primeira vitória. A Mangueira ficou em segundo e a vizinha Unidos
do Tuiuti, em terceiro. A Vizinha Faladeira foi desclassificada por ter
apresentado tema estrangeiro: Branca de Neve e os Sete Anões.
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