Liberdade para os sambas-enredo:
realidade ou ilusão?

 

          Nesta edição da Coluna Olhar Externo, optei por me enveredar num campo onde não costumo atuar muito: o samba-enredo. Acredito que apenas quem compõe sabe da dificuldade que é tirar uma música de uma sinopse, e eu estou começando nisso apenas, e mesmo assim, consegui perceber que é preciso mais do que a inspiração para que uma composição sua possa entrar numa disputa.
          Porém, mesmo não sendo compositor de ofício, sou um ouvinte assíduo deste gênero musical particular. Portanto, posso achar um samba bom ou ruim e argumentar sobre isso. O que me motivou a dissertar sobre as canções que embalam as escolas de samba em seus desfiles foi exatamente um momento de audição dos hinos oficiais dos últimos anos, sobretudo no grupo especial do Rio de Janeiro.
          É incrível como, nitidamente, a maioria das agremiações carnavalescas se valem de uma mesma fórmula para emplacar o samba na passarela. O caso mais latente disso foi o Salgueiro no pós-Ita, que tentou por anos repetir a dose, sem nenhum sucesso. O problema é que cada vez mais os sambas das escolas se assemelham, ou mesmo sambas de anos diferentes se parecem muito na questão da melodia. O caso mais comentado do carnaval passado foi a composição vencedora na Beija-Flor de Nilópolis, ganha pela parceria de Cláudio Russo. Ao ouvir o samba de 2008, notava-se que algumas passagens em muito se pareciam com de outro samba, justamente o de 2007, justamente um samba da parceria do mesmo Cláudio Russo. Esse inusitado fato fora chamado popularmente de “auto-plágio”, mesmo depois que o próprio provou por “A mais B” de que não teria havido qualquer forma de cópia, muita gente continuou comentando sobre este samba...
          Uma situação como essa só reforça o que parece ser consenso entra as escolas: em time que está ganhando não se mexe. E não se mexe mesmo, haja vista a sucessão de bi e tricampeonatos que parcerias já conhecidas conseguiram em suas agremiações nos concursos de sambas-enredo. Isso só ajuda àqueles que insistem em dizer que samba-enredo é tudo a mesma coisa, são do mesmo jeito sempre, que só muda a letra (às vezes nem isso...). Mas para aqueles que acompanham carnaval há algum tempo sabem que isso é apenas uma impressão.
          Na verdade, nem precisamos acessar nossos bancos de dados ou alfarrábios carnavalescos para encontrarmos exemplos claros de que o samba pode ter variações melódicas, letras bem trabalhadas e interessantes. Se nos voltarmos ao carnaval paulistano, nos defrontaremos com composições envolventes, de melodias ousadas sem que percam características inerentes ao samba, letras bem elaboradas e até um sabor de ineditismo, que faz com que audição deles se tornem bem interessantes. Um exemplo claro é o samba da Águia de Ouro, do grupo especial de São Paulo, em 2007, feito com uma melodia sublime. Assim como ela, as demais agremiações também buscam essa relação no carnaval paulistano. No Rio, por enquanto, apenas algumas escolas se fazem notar pela qualidade impar de seus hinos, pois as diferenças melódicas são menos acentuadas entre as agremiações cariocas.
          Isso se confirma pelas grandes sensações do carnaval 2008 no questio samba-enredo na Marques de Sapucaí: Mocidade e Imperatriz, as duas mostraram esse ano melodias diferenciadas, e com isso, ganharam destaque na avenida. Aliás devemos salientar que a Imperatriz Leopoldinense é a única escola que vem seguindo uma tendência alheia a dos sambas contemporâneos, sempre optando por obras com mais ousadia melodicamente falando, se afastando da “normalidade”, se é que podemos dizer nestes termos. A escola vem sendo o diferencial da avenida desde 2003, quando montou praticamente um baile com o samba sobre pirataria até este ano, quando um samba de rica melodia e coerência textual cronológica encantou os ouvidos dos que apreciam samba como se fossem vinhos...
          Com tudo que analisei até agora, não sei se me animo ou se me assusto para a nova temporada de concurso de sambas para 2009...lembrando que a culpa disso não pode ser fadada aos compositores, que apenas reproduzem a vontade das escolas de samba, que predeterminam essa fórmula, e dos jurados, que referendam este estilo. Paciência...

Victor Raphael
(Publicado Originalmente na Coluna Olhar Externo)

 

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