Meu Carnaval

 

           O Carnaval deste ano chegou ao seu final. A maior festa popular do mundo deveria ser realizada mensalmente, pois já sinto saudades do que aguardo a cada ano há mais de vinte. O mês de fevereiro é tempo de cantar, sorrir, sambar. Mas... será que o Carnaval manteria o seu glamour, charme e riqueza cultural de sempre? É uma pergunta que, levada à prática, no fundo, jamais mudará a essência e o amor dos carnavalescos que, a cada ano, provindos de décadas e décadas de samba, suor e swing, perpetuaram este momento na história. Uma história singular que começou há mais de seis séculos na Grécia Antiga e que eu demorei muito, mas muito tempo até conhecê-la. Os primeiros cordões, blocos onde os foliões cantavam alegremente aquelas inesquecíveis marchinhas – "Ô abre-alas que eu quero passar..." e outras tantas – ao sabor do tempo, tornaram-se emergentes escolas de samba. O mundo aprendeu a te amar, Carnaval! Esta paixão começou pela televisão, com meus olhos fitos na telinha nas duas noites e madrugadas dos desfiles. Às vezes batia com as mãos no vidro pois, se pudesse, adentraria, como numa máquina do tempo, e cairia no âmago daquela gente, pois esta festa é do povo.
           A distância nunca, jamais me separou deste momento sagrado. Obrigado, tecnologia trazida por Assis Chateaubriand, na qual fragmentos pontilhados e matizados encantam aos olhos. A febre, todavia, alastrou-se pelos vinis e mais tarde CD's, que ouvia aos montes. Cada samba-enredo era saboreado letra a letra, melodia a melodia, batuque a batuque. Neguinho da Beija-Flor, da escola amada; Tobias, da Vai-Vai; Jamelão, da Estação Primeira; sempre foram os tenores que mais me encantaram, não somente pela indescritível qualidade de suas respectivas vozes, mas, sobretudo, pelo amor dedicado à escola.
           Com o tempo, entendimento do contexto e conjuntura do Carnaval, pude perceber que este momento não proporciona somente o entretenimento, mas, também, denota fatos correlacionados à História, seja ela imemorial, antiga ou contemporânea. Carnaval, minha gente brasileira, também é cultura! Não basta ser apaixonado pela festa do garrido sem presenciá-la "in loco".
           Faltava sentir o calor e o clima das pessoas envolvidas na comunidade, o gingado das mulatas, a notoriedade da Velha Guarda, o limiar de tudo e, claro, o estrondo da bateria. Os ensaios são mágicos. Não há, não há mesmo, nada mais sublime do que cantar por horas o samba da escola. Fui deliciosamente apresentado à Vai-Vai, encravada no seio do Bexiga, bairro tradicional da capital paulistana. Lá vem o Bexiga, com muita alegria, devoção e muito mais... O desfile é o paroxismo, o clímax, o supra-sumo de todo um ritual de ensaios e preparativos anteriores. O cansaço, as noites em claro, as dores, as lágrimas, em nada superam o prazer incomensurável em ver tudo reverberar-se aos olhos. Não são pessoas que desfilam com suas fantasias. São suas almas, que saíram do corpo e foram à passarela. Algo além da nossa limítrofe imaginação, certamente. Eu não chego a duvidar que, os sambistas de outrora, moradores lá no céu, desçam à terra para participar da festa.
           A minha experiência no desfile fora emocionante, por excelência. A Beija-Flor, no meu tempo infante, causava-me furor, deflagrações súbitas de felicidade, enfim, a escola escolhida por meu coração. Anos mais tarde, tivera o prazer de conhecer os projetos sociais e a comunidade na qual estava envolta a mesma. A paixão e o sonho em desfilar nela aumentaram, assim como as batidas do coração pela amada... Beijos, nega.
           Então, desfilei! Ufa, que loucura visceral! Sinceramente, não me lembro de detalhes do desfile, pois como mencionei acima, fora a minh'alma que desfilou, de fato. Meu corpo, mortal, transitou pelos 700 metros da Marquês e, ao final, dei-me conta do que representara aquele momento. Chorei, então. Chorei muito. As cortinas, destarte, fecharam-se mais uma vez. O show mágico acabou aos holofotes do mundo... As passarelas ainda guardam os passos marcados dos sambistas no chão do templo sagrado. Os confetes matizados com as cores das agremiações confeccionaram sublime tapete, cuja beleza é eminente. Ouvem-se, ainda, por todos os cantos os sambas-enredo, regidos outrora pelos intérpretes com profusão, do coração, da alma. E a bateria: um show à parte, com seus tamborins, bumbos e cordas, dita o ritmo. Um só coração, uma só emoção! Ainda bem que daqui alguns dias começa tudo novamente. Viva o Carnaval!!!

Willians Donizete Ribeiro
Willians Donizete Ribeiro é Jornalista
(Publicado originalmente no site Comunique-se)

 

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