Além do capital e da mídia. É possível?

 

          Falar do carnaval 2007, é antes de qualquer coisa tocar no Reino Nilopolitano, na força da torcida Salgueirense e tentar “achar Paulo Barros no meio da multidão”. Desfiles, apuração e apresentação das campeãs... As idéias ainda pipocam em nossas cabeças e levamos um tempo para digerir tudo que se processou na Marquês de Sapucaí. Num carnaval de tantas Áfricas e de hegemonia Azul e Branca, parte da imprensa contesta as narrativas apresentadas a respeito do continente africano. Enquanto isso a campeã, com ar de repetitividade, saboreia o gosto da vitória e não se esquece de que carnaval ainda é tempo de alegria. Deste carnaval ficaram dois pontos mais evidentes que merecem reforço: o legítimo título da Beija-Flor, que inegavelmente respondeu à aclamações públicas e veio mais leve visualmente, e a indignação em relação à colocação da Vermelho e Branco Tijucana, que fez um desfile memorável e emocionou gente de todas as bandeiras.
          Lamentos de várias partes, em destaque também a respeito da descensão do Império Serrano, que além de se encontrar fora do seleto grupo, está sem barracão, sem carnavalesco e conseqüentemente com menor verba. Mais uma vez ironia do destino? “Ser diferente é normal...”, soa agora como utopia e a realidade mostra que no Grupo Especial quem venceu mesmo foram os iguais. Afinal, não houve qualquer novo nome no sábado das campeãs que diferencie o ano passado deste ano. Ficam muitas interrogações a respeito de questões profundas. Questiono se as críticas que a Grande Rio vem sofrendo, por causa de seu contingente de celebridades e seu modo de fazer carnaval, são mesmo justas. Aliás, é preciso ater ao fato de que essa escola não faz nada além de seguir as orientações para que alcance o tão desejado título. Talvez seja hoje, a que mais sintetiza tudo o que representa o carnaval atual, de como se comporta ou deve comportar uma escola de samba do século XXI. E digo mais, fez uma apresentação na altura de seu povo, só faltou um grande samba. Existem mesmo culpados? Ou acaso seria mais adequado terminar como quem se preocupa mais em ser escola de samba – íntegra da expressão, como a Serrinha - consistente, adorada, recordada e rebaixada?
          O desfile de Paulo Barros foi aclamado campeão! Embora não concorde com esta exaltação, foram as arquibancadas que internalizaram o dito da Liga a respeito do impacto e da inovação. Mas, não tiveram a mesma visão sobre os detalhes e os quesitos mais técnicos que fizeram a diferença, daí algumas reivindicações sem fundamentos.
          As apresentações eram verdadeiros confrontos, onde se via de um lado Quitéria Chagas e outras anônimas e, de outro a trupe Preta Gil, Grazzi, Galisteu... Num momento eram os agogôs e noutro a alegoria com toda uma bateria em cima. Na batalha entre o tradicional e o inovador, venceu a segunda opção. Perguntamos antecipadamente se o inédito e as coreografias ficariam mais com Paulo Barros ou com a Unidos da Tijuca? Mas os fatos demonstram que essas tendências estiveram em quase todas agremiações. Portanto, não pertence nem a escola, nem ao carnavalesco e sim a todo Grupo Especial. Popularmente Barros tem grande aceitação, mas terá que se submeter ao sistema se quiser mesmo ser campeão. Num tempo em que um carnavalesco e uma escola de samba continuam ganhando visibilidade com suas fórmulas, Alexandre Louzada é diferencial validado pelos julgadores e imprime de forma mensurável o que faz - independente da escola que defenda. Acareação por todos os lados!
          De toda forma, é o desconforto que esses resultados geram que acabam por revelar de modo indireto que ainda há participação popular. E é isto que faz o carnaval ter a magia que tem, que manifesta algo maior que o capital e a mídia... Pelo menos é onde percebo um vínculo mais forte e onde consigo acreditar no que chamamos de essência da festa, já que repercute num meio onde há pessoas que fazem de tudo isto suas vidas. De forma apaixonada ou não, temos que esperar pelas justificativas das notas – se é que elas justificarão mesmo algo -  e de toda forma nada agora mudará o resultado oficial. Mas, pelo menos há probabilidade de serem mais sensatas do que as que de praxe encontramos. É torcer para que seja assim! O que vale agora é que temos boas imagens na memória e ainda conseguimos extrair muito prazer de tudo isto.
          No final de cada época momesca, tenho a estranha sensação de que somos tomados de um misto de revolta, alegria, indignação e esperança. Termino assim, com a impressão de que neste carnaval os valores ficaram mais evidentes, embora dubiamente ainda seja marcado por mais perguntas do que respostas.
          Presidente da Liga em destaque - O presidente da Liga das Escolas de Samba, merece destaque, segundo repercute o Sr. Guimarães em último discurso para as agremiações, frisou a importância da unidade nos grêmios, pregando o respeito da valorização da equipe, em detrimento da terrível dança de cadeiras que assola não só os carnavalescos. Aplausos!
          Pensando em democracia – Todos dizem e é fato, abrir desfile é sempre uma complicação sem tamanho. Fizeram mudanças em 2005 e 2006, quando respectivamente Mocidade e Salgueiro desempenharam a difícil tarefa. Este ano, voltamos ao critério antigo – com a campeã do acesso sendo a primeira a desfilar no Especial. Se a questão é o público ou a estrutura da nova integrante que chega à elite ou as canetadas que facilmente receberá dos julgadores, por que então não colocar a campeã pra desempenhar tal papel? Daí teríamos a dificuldade enfrentada por quem realmente tem força necessária para tal função. Ao mesmo tempo, o público faria questão de lotar bem cedo todo o espaço da avenida. Não adianta maquiarmos, a tarefa mais árdua estigmatiza e coloca em desvantagem quem acaba de entrar na disputa – ou melhor quem quer ao menos se manter no Grupo Especial!
          “Sangue de rei, comunidade” – As escolas de samba que desejam realmente ocupar o primeiro degrau do podium devem seguir o exemplo da Beija-Flor. É o momento maior de dar mais espaço para participação das comunidades nos desfiles. Mangueira e Grande Rio sabem bem do que se trata. Entretanto, a Imperatriz que possui o maior número de alas comerciais, se não estou enganado são quase trinta, terá que dar mão à palmatória. São Clemente já chega na elite prometendo 1.800 integrantes da comunidade em seu próximo desfile. O caminho é este, parabéns!
          Grupo A - Após assistir os desfiles do Grupo A e os do Grupo Especial, uma interrogação foi latente e quero dividi-la com os leitores: A distância entre os dois grupos está aumentando cada ano mais? Não me refiro exclusivamente à plástica, pois a Estácio de Sá e a Rocinha apresentaram alegorias e fantasias muito bem elaboradas e no nível das campeãs do Especial . Os quesitos de natureza mais técnica e especialmente as condições que as agremiações do Acesso vêm desenvolvendo seus desfiles, são aspectos que exigem atenção e tratamento prioritário, tanto por parte dos órgãos públicos quanto pela entidade representativa dessas escolas.
Será que é possível a elaboração de um projeto consistente e sustentável, que objetive a aquisição maior de recursos e o desenvolvimento do potencial dos Grupos de Base?
          Mais uma – Será que depois dos resultados do “O ti-ti-ti do Sapoti” e de “Passarinho, Passarola Quero Ver Voar!”, cogitarão ainda a questão das reedições? Pelo visto o assunto não deve render mais.

Alessandro Ostelino
(
Alessandro Ostelino é relações públicas, pesquisador de carnaval e pós-graduando em educação superior)

 

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