G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel - Soy loco por ti, América: A Vila canta a Latinidade

 

O Enredo no Samba: Estrutura discursiva

          A Vila Isabel faz uma exaltação aos povos da América latina, tendo como ponto de partida fatos da história dessas nações, citados de forma sutil e implícita (“dourados frutos da ambição”, “fez brotar a miscigenação”, “apagando fronteiras”) e suas manifestações culturais (“louco por teus sabores”, “do sombrero e chimarrão”). No samba bastante cadenciado, a Vila é a personagem que conduz os fatos do enredo, da história política à cultura, da natureza exuberante à peculiar musicalidade dos países latino-americanos.
          Convém lembrar que a América Latina compreende todos os países do continente americano, num total de 33 países, que tem como línguas oficiais o espanhol, o português ou o francês.

O Samba no Enredo: Estrutura lingüística

          Do enredo, o samba destaca dois ícones de movimentos revolucionários da América latina: Simon Bolívar e Che Guevara. Bolívar, citado na sinopse, é considerado o responsável pela libertação de países sul-americanos do domínio espanhol, além de promover a integração continental ao convocar o Congresso do Panamá, em 1826. Guevara foi um guerrilheiro que lutou incansavelmente contra o imperialismo e o neocolonialismo na América Latina.
          Uma das características marcantes do samba está na intertextualidade, isto é, na referência a outros textos bastante conhecidos do grande público, como nomes de canções e frases célebres:

Nomes de canções latinas Frase célebre
“Soy loco por tí América”, de Gilberto Gil e Capinan Sendo firme, “sin perder la ternura”, de Che Guevara (Há que endurecer, sem perder a ternura jamais)
“La Bamba”, de autor desconhecido, gravada por Ritchie Valens

          As palavras e as expressões espanholas não dificultam em nada o entendimento dos versos devido à proximidade fonética existente entre o português brasileiro e o espanhol e só confirma a malemolência do linguajar latino-americano: “caliente”, “soy loco por ti”, “sin perder la ternura”, “arriba”, “mi corazon”
          O samba-enredo apresenta novamente – no ano passado: “o azul retoma seu lugar” – uma apropriada exaltação da vaidade e do amor-próprio da escola, asseverando a séria reestruturação por que passou nos anos em que se manteve no grupo de acesso:

“Arriba, Vila!
Forte e unida”

          A cadência do samba é coincidente e curiosamente caracterizada pela predominância de palavras contendo as consoantes R e S (e letras com som de s) e pela recorrência de vogais nasalizadas. A repetição de fonemas (sons da língua) é um recurso expressivo valioso que, neste caso, imprime ao samba um tom embalador, um certo tempero típico da sonoridade das músicas latinas de ritmo afro-caribenhos, em geral, com compasso binário e ritmo bastante sincopado e, como o mambo, o merengue, a rumba e a salsa.

Som de S:  sangue, sol, semeia, sua, buscar,  imensidão,  ambição, fez, miscigenação,  soy, sabores, mestiça, integração, cores, densas, florestas, sombrero, sendo, sin, este, límpidas,   águas,   construir,   fronteiras,   sonho,   essência,  luzsamba,  som, compasso, felicidade, pulsar
Som de R: corre, Império, portunhol, dourados, frutos, tropical, natureza, brotar, América, sabores, fartura, impera,  terra,  integração, cores, florestas, cultura, sombrero, chimarrão, firme, perder,    ternura,  amor,  por,  clareza,   liberdade,  construir,  fronteiras,  arriba,   forte, libertador, Bolívar, cair, americano, irá, pulsar, corazon
Vogais nasais: sangue, caliente, Império, imensidão, ambição, miscigenação, impera, mãe, integração, densas, sombrero, chimarrão,  sendo,  sin,  chão,  em,  límpidas, construir,    apagando,   fronteiras,   desenhando,   essência,  num,   bamba, samba, som, compasso, corazon

          O ritmo dos versos, portanto, é marcado pela regularidade fonética comum das línguas latinas, por meio da distribuição destas palavras ao longo da letra do samba que lhe imprimem um gostoso suingue latino.

Julio Cesar Farias
Julio é professor, escritor, pesquisador da linguagem na cultura popular, colaborador do Centro de Memórias do Carnaval da LIESA e membro do conselho Consultivo do Instituto do Carnaval da Universidade Estácio de Sá.

 

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