G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro
Microcosmo: o que os olhos não vêem o coração sente

 

O Enredo no Samba: Estrutura discursiva

          A escola traz para 2006 um samba-enredo constituído pela fusão de dois sambas finalistas, prática comum no passado, iniciada pelo próprio Salgueiro na década de 70, e que foi retomada recentemente pelas agremiações na tentativa de melhorar a qualidade literária das composições, objetivo alcançado pela agremiação vermelho e branco tijucana.
          Com um dos melhores enredos do ano, “Microcosmos: o que os olhos não vêem, o coração sente”, que aborda os microorganismos existentes no universo, a escola, na sinopse e na letra do samba, trata o tema pelo viés de um raciocínio filosófico, isto é, por meio da busca da compreensão da realidade (“O que sou nesse Universo?), do sentido de toda forma de vida invisível aos olhos humanos e do sentido da nossa própria existência e do ciclo da vida em relação ao tempo. A proposta do enredo é tornar visível, perceptível, a vida não percebida presente no Microcosmos.
          Para conseguir tal intento, os compositores, com muita propriedade, utilizaram-se das palavras “eu”, “homem” e “nos”, isto é, estenderam o raciocínio do particular para o geral, com o intento de mostrar a importância de se pensar o tema por cada indivíduo e por toda a humanidade. Aponta, assim, a busca do coletivo em detrimento do individualismo humano: a percepção da vida que nos rodeia, mesmo que imperceptível, mas tão importante para a nossa existência e a do mundo em que vivemos.

O Samba no Enredo: Estrutura lingüística

          A primeira parte do samba introduz o enredo de forma intimista e termina com a proposição característica do texto épico, de exaltação: a proposição, ou seja, a anunciação do que será cantado na avenida pela escola:

“Viaja Salgueiro
Em cada pequenina imensidão”

          Os compositores utilizaram criativas antíteses (figura de linguagem que salienta a oposição existente entre palavras, expressões ou idéias) para passar a mensagem de forma resumida, porém bastante clara. Temos a expressão “grão de areia” integrando e ao mesmo tempo se opondo à imensidão da palavra “deserto”, o mesmo ocorrendo com a expressão “gota d´água” e a palavra “oceano”:

“Grão de areia no deserto
Gota d´água no oceano”

          Há outras antíteses vocabulares em toda a primeira estrofe, em que se contrapõem: “Universo” a “ser humano”
 “minúscula partícula” a “grandiosidade”
          Há também a interessantíssima antítese e/ou paradoxo vocabular, com o uso de um adjetivo (com valor diminutivo) que naturalmente se opõe ao substantivo (com valor aumentativo) ao qual qualifica, ou seja, o significado de um é excludente do significado do outro, o que não ocorre, pois os compositores conseguiram criar uma belíssima imagem com a expressão “pequenina imensidão”.
          A abundância de substantivos abstratos no samba tem a intenção de realçar o sentimento, a qualidade, o estado do ser a que se referem, exprimindo o tom intimista, de reflexão: Criação, grandiosidade, perfeição, vida, imensidão, sinfonia, dom, valor, equilíbrio, magia, inspiração, mente, toque, ousadia, tempo, batida, mistérios, emoção, canto.
          Os verbos sabiamente empregados no infinitivo imprimem uma certa duração e permanência às referidas ações, relacionando-as ao ciclo de toda forma de vida do planeta, mais especificamente às microvidas abordadas no enredo, e de como o homem as trata: sonhar, renovar, delirar, observar, guiar.
          Apresentado o enredo, a partir do primeiro refrão temos uma resumida explanação sobre onde se encontra a vida microcósmica, a sua importância, a crença universal da interferência divina que a renova na natureza e o papel do homem a observá-la na tentativa de desvendar os mistérios que nela se encerram.
          O samba termina com uma inteligente e sugestiva metonímia, figura de linguagem em que uma palavra passa a ser usada com outro significado, no caso específico, a parte pelo todo: “coração” está diretamente relacionada à palavra “vida”, a vida microscópica que se pretende mostrar no desfile.
          O samba tem a cara do Salgueiro, bastante cadenciado, com letra de fácil memorização sem implicar na qualidade da mesma, visto que consegue transmitir de forma clara e objetiva o enredo abordado.

Julio Cesar Farias
Julio é professor, escritor, pesquisador da linguagem na cultura popular, colaborador do Centro de Memórias do Carnaval da LIESA e membro do conselho Consultivo do Instituto do Carnaval da Universidade Estácio de Sá.

 

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