Sobre o Oscar e, ainda, as escolas de samba

 

          Pra começo de conversa, é preciso expor um traço relevante da minha personalidade: modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila. Não, não nasci no bairro de Noel. Mas torço, desde pequenininho, pela escola de samba Unidos de Vila Isabel.
          Não foi fácil crescer torcendo pela azul-e-branco. Era um estranho no ninho. Olhava em volta e todo o mundo era Salgueiro, Mangueira, Portela ou Império. Ninguém era Beija-Flor ou Grande Rio (bem, acho que até hoje ninguém é Grande Rio, a não ser a Susana Vieira, é claro). E muito menos Vila Isabel. Tornei-me Vila por causa de um samba. Um dos mais lindos sambas-enredos já compostos para o carnaval carioca: “Iaiá do Cais Dourado”, do então jovem Martinho da Vila. No primeiro carnaval em que prestei atenção no desfile, dei de cara com um samba antológico. Sou capaz de cantar o samba inteirinho até hoje (alguém aí do outro lado ainda se lembra da letra que a bem-sucedida Grande Rio cantou na semana passada? Pois é). A “Iaiá” do Martinho ultrapassou o tríduo momesco e foi cantada no meio do ano. Naquele tempo era assim, o tempo não se dividia entre estações do ano. Ou era carnaval ou era meio do ano. E “Iaiá do Cais Dourado”, um samba de carnaval, continuou fazendo sucesso no meio do ano.
          Ouvido hoje, parece um lamento e transmite uma pálida idéia do que era o desfile das escolas na década de 60. Nada do samba apressado de agora.
          Gosto tanto da Vila que, quando a escola foi rebaixada para o Segundo Grupo (lembrem-se, estou falando do tempo do samba-enredo bonito; o desfile era dividido em primeiro e segundo grupos; todas as escolas passavam no domingo), fui solidário e acompanhei sua apresentação no sábado de carnaval. Foi um dos desfiles mais bonitos da história da escola. O enredo homenageava Carlos Machado e a Vila foi campeã. Sou testemunha ocular.
          Isso tudo é para dizer que não deu para ficar arrasado com o resultado do carnaval de 2006. Como é que eu vou reclamar de um ano em que a Vila foi campeã no Grupo Especial? Mas que garfaram a Unidos da Tijuca pela terceira vez consecutiva, ah, garfaram. Se a gente esquecesse as justificativas dos jurados para as notas baixas que a escola de Paulo Barros ganhou, daria para interpretar que o carnaval carioca ainda não está pronto para receber as inovações do carnavalesco. Mas, quando um jurado diz que tirou pontos da escola em alegoria porque, naquele carro com chupetas, as chupetas deveriam ser iluminadas, ou na alegoria que reproduzia uma cena do filme “E.T.”, os ETs deveriam aparecer pulando, é despreparo mesmo. A Unidos da Tijuca foi garfada pela incompetência.
          Júri sempre foi um problema em desfile de escolas de samba. Naquele tempo da “Iaiá do Cais Dourado” ficou famosa a foto em que Chico Buarque foi flagrado dormindo enquanto uma escola desfilava. Chico era jurado de enredo! Depois, já na era do Sambódromo, criou-se uma equipe fixa de julgadores e um curso para que cada quesito fosse realmente conhecido por quem decidiria quem desfilou bem ou quem desfilou mal.
          Pelo que se viu este ano, o curso não está sendo posto em prática. Ou também está sendo muito mal ministrado. O carnaval inovador de Paulo Barros não merece uma turma tão incompetente.
          E já que a temporada começou com um favorito perdendo, passemos ao resultado do Oscar. Há muito tempo não se via uma zebra tão grande. A derrota de “O segredo de Brokeback Mountain” para “Crash — No limite” foi mais do que uma surpresa. Foi um espanto. Se era para não dar para “Brokeback”, por que o Oscar não foi para “Boa noite e boa sorte”? Ou para “Capote”? (“Munique”, convenhamos, nem pensar).
          Há uma teoria de que o Oscar de “Crash” foi a vitória da cientologia. Como todo o mundo sabem, cientologia é a religião esquisita de gente como John Travolta e Tom Cruise. Mas Travolta e Cruise são apenas os nomes mais famosos de uma crença que, pelo jeito, domina Hollywood. Paul Haggis, o diretor de “Crash”, também é um de seus adeptos. E a votação em massa no seu filme mostra que há mais cientologistas em Hollywood do que a gente imaginava. Pode ser.
          A diferença entre a zebra de “Crash” e a zebra da Vila Isabel é que a vitória do filme que, até 15 dias atrás, era o patinho feio dos indicados faz bem ao Oscar. Uma entrega de prêmios que só prestigia os favoritos acaba se tornando monótona. O show de domingo passado estava assim. Até ser anunciado o principal Oscar da noite. “Crash” na cabeça revigorou uma fórmula que parecia moribunda. O Oscar que parecia ser o mais chato de todos os tempos acabou entrando para a História. Já a derrota da Unidos da Tijuca faz mal para o carnaval carioca. Um carnavalesco que, há três anos, vem trazendo algo de novo para um desfile que se mostra repetitivo a cada ano acaba ficando desestimulado a continuar com tantas derrotas consecutivas.

Artur Xexéo
(Publicado originalmente no jornal O Globo em 08/03/2006)

 

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