G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio
Vamos vestir a camisinha, meu amor!

 

O Enredo no Samba: Estrutura discursiva

          A Grande Rio é a agremiação que apresenta a mais breve e objetiva sinopse de enredo para o carnaval: a história do preservativo, a popular camisinha. A composição, de caráter descritivo, segue a linha cronológica traçada no enredo, ainda que misture os tempos verbais ao longo da letra. Com um tema bastante atual, educativo e politicamente correto, o enredo vai dos primórdios da humanidade, com a criação do primeiro homem, aos dias atuais, de avanço da contaminação da Aids.
          Convém ressaltar a qualidade textual do samba, visto que, por se tratar de um assunto extremamente delicado, em que estão envolvidos valores morais, os compositores não apelaram para a linguagem vulgar, optando pela simplicidade e reprodução dos pontos principais sugeridos no enredo, sem dar margem para outras interpretações:

  • “Mata essa vontade louca” e “coisa de pele” = tesão

  • “prazer carnal” = sexo

  • “mal” = Aids

          Os compositores, com muita destreza, conseguiram transferir para a letra do samba os elementos essenciais da apropriada mensagem abordada no enredo; a conscientização do uso da camisinha para preservar a vida humana através de cuidados com o próprio corpo.

O Samba no Enredo: Estrutura lingüística

          Grande parte do vocabulário foi extraído  da sinopse diretamente para a letra do samba, visto que há palavras e expressões inteiras grifadas na explanação do carnavalesco, sugerindo, assim, os vocábulos e termos primordiais do enredo que gostaria de ter no texto final dos compositores.
          Palavras e expressões destacadas na sinopse empregadas no samba-enredo: homem, paraíso, mulher, Oriente, Éden, ONGs, fique sabendo, GLS, saúde, vigor, Grande Rio, Velho Guerreiro, Bota a camisinha bota meu amor.
          Palavras e expressões não destacadas na sinopse também empregadas: Jardim, delícias, lições de amor, serpente, adolescente, melhor idade, liberdade, milagre da vida.
          Essa quase obrigatoriedade de citar palavras e expressões da sinopse limitam, em parte, a criatividade dos compositores. Eis o motivo deste samba ser predominantemente descritivo e não interpretativo. Porém, os compositores não se limitaram em seguir apenas o vocabulário sugerido, colocaram, principalmente nos refrões em 1a. pessoa, uma visão pessoal sobre o assunto abordado.
          Embora houvesse preocupação com o vocabulário imposto pela sinopse para que não incorressem pelo caminho do mau gosto, os autores imprimiram o tom coloquial necessário às composições populares, com construções frasais e vocábulos próprios da linguagem oral, facilitando a memorização e o canto:

  • “me beija na boca” = emprego do pronome oblíquo em início de frase.

  • “curtir” e “se o assunto é coisa de pele” = gírias.

  • Num grito de liberdade”, quero ter pra ver” e “eu ” = reduções vocabulares.

          A letra é marcada pela intertextualidade, característica discursiva marcante dos sambas-enredo, uma vez que os compositores extraíram literalmente palavras e expressões da sinopse do carnavalesco, além de referências a outros textos bastante conhecidos:

  • “Fique sabendo” = a expressão é slogan de campanha veiculada pela televisão para que as pessoas façam   gratuitamente o teste de Aids.

  • “bota a camisinha, bota, meu amor” = citação da marchinha “Bota a camisinha”, de João Roberto Kelly, Leleco e Chacrinha.

  • “Velho Guerreiro” = codinome artístico de Chacrinha.

          Outro aspecto importante a ressaltar: o emprego intensivo da forma nominal do verbo, o infinitivo, com intenções discursivas diversas. A primeira intenção foi aproximar as frases dos versos do ritmo peculiar da fala, para auxiliar a pronúncia. Por isso utilizou-se o futuro imediato, representado pela locução com o verbo  IR +  verbo principal no infinitivo:

  • vai surgir” em vez de surgirá.

  • vou brincar, curtir, vou sacudir essa cidade” em vez de brincarei, curtirei, sacudirei

          A segunda intenção discursiva é atemporalizar as ações verbais, indicando conceitos universais e imutáveis, além de, em uma leitura mais profunda associada ao tema do enredo, representarem outras idéias:

  • “É bom se proteger do mal” = o uso do preservativo contra a Aids.

  • preservar é viver” = o prolongamento da própria vida com a proteção da camisinha.

  • amar é  cuidar” = o cuidado com a vida do outro.

  • “o milagre da vida acontecer” = a gravidez e o nascimento.

          Por fim, as locuções verbais formadas pelo verbo auxiliar querer + verbo principal no infinitivo, marcando a subjetividade do samba, pois são declarações de vontade, desejo do emissor/narrador:

  • “Mas se quiser me ver e ter  prazer carnal”

  • “Saúde e vigor, quero ter pra ver

Bibliografia:

  1. “Enredos – Rio Carnaval 2004” , da LIESA.
  2. “Para Tudo Não Se Acabar Na Quarta-Feira – A Linguagem do Samba-Enredo” – Julio Cesar Farias

Julio Cesar Farias
(Publicado em 08/12/2003)

 

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