G.R.E.S. Portela
Lendas e Mistérios da Amazônia

 

O Enredo no Samba: Estrutura discursiva

          O samba-enredo apresenta as tradicionais lendas que povoam o imaginário amazônico. Embora tenha de seguir a narrativa do antigo samba, o carnavalesco acrescentou, na releitura do enredo (arquivado na LIESA), lendas amazônicas que não aparecem na letra da composição. Tal fato deve-se à estrutura do carnaval da época em que a Escola apresentou o enredo pela primeira vez ser outra, e o número de desfilantes e, principalmente, de carros alegóricos (de quatro passaram a oito) ter aumentado consideravelmente. O enredo segue a linha temática explorada nos anos 60 e 70: o enfoque do folclore nacional.
          O samba inicia-se com o formato típico do texto épico, a proposição, em que a agremiação anuncia o tema do que será cantado e mostrado em seu desfile: “Lendas e Mistérios da Amazônia / Cantamos neste samba original”. Este samba de 1970 exemplifica perfeitamente a tendência por que passava o samba-enredo, substituindo a temática nacionalista-ufanista dos sambas de lençol pelo folclore, encurtando-se e já apresentando o refrão.

O Samba no Enredo: Estrutura lingüística

          São apresentadas, no samba, quatro lendas populares amazônicas: o amor impossível entre o sol e a lua, que originou o Rio Solimões; o amor proibido de Jaçanã, que a transforma na vitória-régia; as longas noites de amor das amazonas com índios de tribos escolhidas para perpetuar a própria raça com o nascimento das filhas e o saci-pererê ou curupira.
          Os compositores deram a feição de lenda às histórias narradas ao empregarem o verbo DIZER com sujeito indeterminado: “Dizem que os astros se amaram” e “E dizem mais, Jaçanã, bela como uma flor”. São tradições exclusivamente orais da região, pois não se sabe quem disse tais histórias ou quem as inventou e, mesmo assim, elas são transmitidas oralmente de geração a geração.
          A composição apresenta vocabulário farto (havia, pranto, ira, ambiente, raiar, etc), métrica perfeita com versos ritmados  e letra com extremo lirismo.       
          Os autores utilizaram-se de primorosos e melódicos apostos para caracterizar:

  • “E dizem mais, Jaçanã, bela como uma flor

  • “Quando chegava a primavera, a estação das flores

  • “Era a tradição das amazonas / Mulheres, guerreiras...

          O primeiro verso do refrão traz uma onomatopéia bastante apropriada, imitando o som dos instrumentos da bateria: “Ô esquindô, lá, lá, esquindô lê, lê”
          Predomina, na letra, o tempo verbal próprio da narrativa: o passado. Porém, há intenções discursivas dos compositores ao empregarem o pretérito perfeito e o pretérito imperfeito. O primeiro, indicando ação totalmente concluída, serve para mostrar fatos já acorridos (dizem, chorou, nasceu, viu, se apaixonou, foi, transformou)  e o segundo, indicando ação inconclusa, serve para mostrar, habilidosamente, a duração das noites de amor das amazonas (chegava, havia, terminava).
          Interessante notar também que a ocorrência dos fatos a que o samba se refere, mesmo sendo folclóricos, são localizados por circunstanciais temporais indeterminados que reiteram o aspecto de lenda da narrativa

  • Certa manhã viu ser proibido o seu amor”

  • Quando chegava a primavera, a estação das flores”

  • Era a tradição das amazonas”

  • “E terminava ao raiar do dia

Bibliografia:

  1. “Enredos – Rio Carnaval 2004” , da LIESA.
  2. “Carnaval – Seis Milęnios de História”, Hiram Araújo.
  3. “Para Tudo Não Se Acabar Na Quarta-Feira – A Linguagem do Samba-Enredo” – Julio Cesar Farias

Julio Cesar Farias
(Publicado em 02/12/2003)

 

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