Velha-guarda da Portela desrespeitada é história do samba esquecida

 

"Quando o passado deixa de iluminar o futuro, a humanidade se perde e caminha para a treva"

Luis Carlos Magalhães

          Chocante as cenas televisadas conseqüentes à ordem do Comandante Nilo Figueiredo, Presidente da Portela, para que os portões do Sambódromo fossem fechados para salvar números, como ele afirmou ao ser entrevistado.
          Sabíamos nós e sabia ele das poucas chances de classificação de um desfile precário. Um enredo que afinal se prendia muito mais a fazer propaganda do atual “status” político.
          Mais um carro quebrado, o último onde posicionaram a velha-guarda.
          Descendo do carro devagarinho, lógico, pois, qualquer jovem velho ou novo de idade cronológica faria de tal forma, mesmo com a carinhosa ajuda dos do Apoio.
          Dirigiram-se para desfilar de pé no chão, foram barrados, expurgados.
          Chocaram-se eles e nós, principalmente os do outro lado da telinha que tiveram a visão total do que se passava.
          As lágrimas explodiram - as imagens mostraram, os portelenses, os mangueirenses, os da Imperatriz e demais amantes do Carnaval.
          Nosso pranto foi pela agressão à História do Samba no Rio de Janeiro.
          Nossas lágrimas caíram pelo desrespeito aos seres humanos atores desta história.

São a História ambulante

          Acabaram entrando. O garbo mesmo com as lágrimas e saindo do atendimento médico para se juntarem no comovente e ovacionado desfile. O mais belo e histórico da Sapucaí.
          Mas, por tudo o noticiado o “incidente do Sambódromo” é bem anterior ao Carnaval e antecede ao incêndio das vésperas.
          Lembramos o veto ao voto dos integrantes da velha-guarda, no recente processo eleitoral. Dois candidatos disputaram a presidência até 2006. Marcos Aurélio, 29 ª que seria o mais novo presidente da escola, teve o apoio oficial da velha-guarda. A eleição deu-lhe a vitória, mas foi anulada por medida judicial.
          A velha-guarda da Portela tem sido discriminada, tal como os de baixo poder aquisitivo num Carnaval que entrou numa engrenagem fortemente competitiva, mercantilista e dolarizada.
          A prática desrespeitosa na Portela com o que se tem de melhor no Samba é um indicador, entre outros, que o Carnaval do “ter” ($, pontuação, competição e gastos de dinheiro público) tem que ser fortemente avaliado deflagrando movimentos de “corações e mentes” que levem ao retorno da ideologia do “ser”: da solidariedade, do respeito ao outro, da espontaneidade da brincadeira com a democratização de acesso para participar ou assistir etc.

Marlise Maria Gomes Medeiros
Socióloga, Professora da UFF, Foliâ mangueirense do valente conjunto de tamborins solidários dos blocos que brincam no carnaval carioca
(Publicado originalmente na Agência Carta Maior)

 

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