O Início

 

          Um bloco carnavalesco de uma região pobre no início da década de 20 era sinônimo de violência, baderna e arruaça. Toda a manifestação cultural oriunda dos morros ou dos subúrbios distantes incorporava, inevitavelmente, o estigma que o negro e o pobre enfrentavam numa sociedade marcada por mais de 400 anos de colonização, escravidão e dependência cultural. Enquanto as grandes sociedades, os ranchos e os corsos brilhavam no carnaval, a maior parte da população simplesmente virava as costas para os blocos que germinavam a semente das escolas de samba. 
          Apesar das adversidades, o jovem Conjunto de Oswaldo Cruz saiu vitorioso da árdua batalha contra o preconceito e pelo reconhecimento.  O que tinha esse grupo de negros vindos de um subúrbio distante de especial? A figura digna e serena de Paulo foi fundamental para essa dura conquista. Sob sua indiscutível liderança, os sambistas da estrada do Portela demonstravam claramente que a única intenção do grupo era brincar o carnaval. Ciente dos preconceitos que teria que enfrentar, Paulo da Portela obrigava seus comandas a usarem ternos, gravatas e sapatos. Até anéis com as iniciais dos principais fundadores foi por ele encomendado. O objetivo era enfrentar as adversidades com dignidade. Mostrar que o subúrbio era lugar de gente honesta e decente. Um lugar de gente capaz, ao contrário do que a elite da época acreditava. Antes das apresentações do Conjunto, Paulo passava na casa de cada moça da comunidade e se responsabilizava junto aos pais pela integridade das filhas. Quem mais teria credibilidade para isso?
          Não demorou muito para que o Conjunto de Oswaldo Cruz fosse reconhecido como um bloco diferente. Segundo Hiram Araújo e Amaury Jório em seu livro "Escola de samba em desfile, vida, paixão e sorte", o pessoal da Deixa Falar, considerada por todos a primeira escola de samba do Brasil, se inspirou na organização do bloco de Paulo e seus amigos como exemplo a ser seguido. Assim, podemos concluir que a Portela não foi a primeira escola de samba, foi mais do que isso, serviu de fonte de inspiração para a pioneira.
          Pelos anos de 1928 e 1929, Paulo era visto freqüentemente na praça XI promovendo seu grupo. Foi assim que tornou-se amigo de Heitor dos Prazeres e o convidou para ingressar no Conjunto de Oswaldo Cruz. Heitor já era conhecido na ocasião e respeitado entre os bons sambistas. Sua ida para Oswaldo Cruz representou ao mesmo tempo vitórias e problemas para o bloco que tentava se afirmar.
          Exatamente no dia 20 de Janeiro de 1929, dia de São Sebastião, padrinho, e Oxossi, Orixá guia da Portela, o pai de santo Zé Espinguela, figura respeitada no samba e na religião, organizou em seu terreiro na atual rua Adolfo Bergamine, no Engenho de Dentro, o primeiro concurso de samba da história. Esta primeira disputa contou com a participação de sambistas dos principais núcleos de samba da cidade: Oswaldo Cruz, Mangueira e Estácio. O pessoal do Conjunto de Oswaldo Cruz participou com o samba " A tristeza me persegue", de Heitor dos Prazeres, e "O sabiá", um belo samba de Antônio Caetano que possuía segunda parte, uma ousadia para a época. No fim, o pessoal de Oswaldo Cruz saiu vitorioso com o samba de Heitor.
          Se a vitória encheu os "portelenses" de orgulho, os problemas resultaram do aumento do prestígio de Heitor, considerado por muitos um estrangeiro dentro do grupo. Com total consentimento de Paulo, diga-se de passagem, Heitor alterou o nome do bloco para Quem nos faz é o capricho e criou a sua primeira bandeira: Que trazia um sol acoplado a uma meia lua em apenas uma parte, o que a assemelhava mais a um estandarte. Sob uma intermitente chuva, a Quem nos faz é o Capricho apresentou suas novidades durante o carnaval de 1929. E em 1930 a escola desfilou pelos subúrbios e pela antiga praça XI.
          Entretanto, os dias de Heitor como líder do então Quem nos faz é o Capricho estava com os dias contados. Um desentendimentos com Antônio Rufino e com Manuel Bam Bam Bam, o valentão da turma, motivou a saída de Heitor dos Prazeres da jovem escola de Oswaldo Cruz. Paulo, fiel ao amigo Heitor, chegou a se afastar por algum tempo, mas logo retornaria para o convívio de seus verdadeiros amigos.
          Com a saída do polêmico Heitor, coube ao Artista da Marinha Antônio Caetano criar o novo símbolo da Escola, este definitivo. Disse ele para as pesquisadoras Marília T. Barboza e Lígia Santos, que criou a bandeira da Portela inspirada no sol nascente e no bravo povo da ilha japonesa. As cores azul e branco, ainda segundo Caetano, foi uma homenagem ao manto de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da escola. A nossa Águia, símbolo mais famoso do carnaval carioca, também foi idealizado por Caetano, que acreditava ser essa a ave que voa mais alto na natureza. Segundo Antônio Candeia Filho e Isnard Araújo, "Escola de samba - Árvore que esqueceu a raíz", Caetano teria desenhado inicialmente um Condor, ciente de ser essa a ave que alça os mais altos vôos. Todavia, o que importa é que nossos primeiros componentes eternizaram nosso símbolo máximo como sendo uma Águia, e assim ele foi ao longo dos anos cortejado, admirado, amado e respeitado.
          Para o carnaval de 1931, o pessoal de Oswaldo Cruz passava por tantas dificuldades que Manuel Bam Bam Bam teria dito: " Vamos colocar Vai Como Pode uma vez que só temos problemas". Assim, a escola trocaria mais uma vez nome e passaria a se chamar Vai Como Pode, nome pelo qual começaria a freqüentar as páginas de jornais e se tornaria conhecida no restante da cidade. Nesse ano estreava a bela bandeira idealizada por Caetano.
          O tema, nome mais apropriado para o enredo na época, foi "Sua majestade o Samba", e um componente chamado Eurico representava os instrumentos musicais. Seu corpo era uma grande barrica, a cabeça um tamborim, braços e pernas vaquetas, uma idéia que só poderia ter surgido deste fantástico Antônio Caetano.
          Segundo Rufino, este ano a Vai Como Pode desfilou da Central até a praça Mauá e de lá até a Praça XI, retornando em seguida para Oswaldo Cruz. Os tempos de Glória da escola estavam por começar.

Fábio Pavão
(Publicado originalmente no site não oficial da Portela [www.gresportela.com])

 

Artigo-139
Artigos