A mais correta não empolga

 

            Durante anos, devido a minha ocupação como produtor de concursos de beleza, convivi com a escolha de “mulheres mais bonitas”. É igual a escola de samba: o cabelo mais bonito, o melhor par de seios, o cabelo mais bem penteado, a mais elegante em vestido chique, os olhos mais expressivos, o andar mais sedutor e etc. etc. Se julgados em quesitos separados, a somatória de pontuação pode eleger a mais correta sem, entretanto, eleger a mais “tcham”: o tal do conjunto que uma mulher não “certinha” pode ter. Além disso, às vezes nos deparamos com jurados preconceituosos que insistem que a miss Brasil não pode ter cabelo sarará e sim reproduzir o padrão grego. É igual a escola de samba: talvez o jurado deva na sua ficha ponderar os dez quesitos e votar na primeira, segunda e terceira colocadas, sendo a cada colocação atribuída 10, 07 e 04 para que o geral se sobreponha às facções: assim, mesmo que a escola não passasse bem no quesito alegoria, mas arrasasse nos outros nove, um só erro não comprometeria o desfile. Aliás, alegorias custam uma fortuna e valem o mesmo que quesitos que não custam nada. Obrigando o jurado a votar no conjunto, seria bom votar no grupo mais alegre, base da festa carnavalesca. Acabar com essa chatice de parada militar e voltar ao tempo de desfiles alegres e soltos; como show visual, a questão de fantasias e, alegorias é importante, mas o que define é o “tesão” que a escola tem em cair no samba. Acho que o trabalho do carnavalesco não deve ser superestimado, ele é parte do conjunto, mas se antes as escolas sobreviviam sem carnavalescos estelares temos que repensar a relação desfile/concepção. E o tal do conjunto ganha quando tudo é conversado e ensaiado; o elo componente/diretoria/carnavalesco.
            Escola de samba tem que ser julgada por pessoas que conheçam os primórdios do samba e estejam antenadas com as dificuldades de tentativas de preservação das raízes que desenvolvemos hoje. As originalidades e riscos devem ser punidos para que haja luz no fim do túnel: se continuar o “ar refrigerado” destes últimos anos devemos ter em mente que corremos os riscos de que neste concurso de miss só vai ganhar a loura de olhos azuis. Dá uma chance pra neguinha vai!
            Sempre peço à grande nação nilopolitana da Beija-Flor que passe alegria de viver no momento do desfile, esqueçam todo o resto e sejam felizes. Assim, a que passa mais feliz leva a multidão atrás de si e fica na memória, se ela não ganha, vaia no júri do dia do desfile das campeãs e.protestos em geral. Os mendigos de João Trinta/Beija-Flor foram a “miss” mais bonita daquele ano. Ela não ganhou, mas a vingança histórica é que ninguém se lembra da primeira colocada e a memória conduz a preterida ao posto de “eterna” (Viva Marta Rocha!)
            E por falar em eleição de miss feia e falta de tesão...

 

Milton Cunha
Publicado no Jornal O Globo em 17/02/1996
(Milton Cunha é carnavalesco da Beija-flor)

 

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