Salgueiro Academia do Samba

 

           Em dos mais ricos acervos e estimados bens culturais cariocas é o samba-de-enredo, gênero nascido e criado nas escolas de samba, hoje expressão artística que galvaniza milhares de pessoas e que é o momento maior para o compositor popular. Com uma notável capacidade de renovação, adequação aos novos tempos e às novas exigências ditadas pelas mudanças sofridas pelos desfiles, o samba-enredo continua sendo um dos mais fortes núcleos na vida de uma Escola. Sua função, básica e insubstituível, de fornecer a trilha sonora sobre a qual as alegorias, os passistas, as alas e a bateria materializam o enredo, cada vez mais densa e perfeita, e isso se deve à figura que, na maioria das vezes, beira o anonimato: O COMPOSITOR.
           Mesmo os mais ferrenhos e intransigentes adversários do SALGUEIRO nunca negaram a sua condição de VERDADEIRA ACADEMIA. Isso porque desde os tempos das escolas Azul e Branco, Unidos do Salgueiro e Depois eu Digo, e dos inúmeros blocos que faziam a alegria das batalhas de confetes da rua Dona Zulmira, os compositors do morro do Salgueiro sempre souberam se fazer respeitar unicamente pela força do seu talento. Partideiros eméritos como Antenor Gargalhada e Neca da Baiana, autores inspirados como Geraldo Babão e Noel Rosa de Oliveira, enriqueceram o samba carioca e legaram ao Salgueiro uma obra representativa e original.
           Com a fusão das três escolas nasceu a Acadêmicos do Salgueiro, que revolucionou o conceito e a forma de desfile, introduzindo enredos inesperados e criativos. Na poesia e nas músicas dos compositores salgueirenses muito da história não-oficial do Brasil foi cantada e cantada com prioridade e emoção. Pela primeira vez personagens populares e lances históricos em que o povo foi o protagonista apareceram como enredos de uma escola de samba. Dos escaninhos esquecidos na memória nacional saltaram Chica da Silva, Chico Rei, Dona Beija, os Quilombos e manifestações do nosso folclore diretamente para a inspiração dos nossos compositores. Reescrevendo a História do Brasil a partir do seu ângulo, eles deram uma consistente contribuição que ainda não foi adequadamente avaliada. Uma das características do Salgueiro através dos seus enredos dos seus sambas, foi sempre buscar e traçar o nosso perfil de povo através de episódios e figuras que ficaram à margem da torrente histórica.
           Nesta busca, revelando tanta coisa desconhecida para tantos, os compositores salgueirenses vêm, ao longo dos anos, exercendo um papel fundamental no âmbito geral da cultura carioca com reflexos no resto do país. É uma incrível vitalidade que impulsiona o samba-enredo. Só em pensar que para cada enredo, a cada ano, surgem em cada Escola pelo menos vinte sambas, já dá para termos uma idéia de extraordinária riqueza deste folião.
           É uma tarefa difícil apontar apenas dez sambas antológicos em toda a existência da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro. Como de resto deve acontecer em todas as escolas. Esta deliciosa dificuldade que FERNANDO PAMPLONA e eu enfrentamos nos levou a uma retrospectiva que mexeu com as nossas lembranças e a nossa sensibilidade. Viajamos de volta aos desfiles da avenida Presidente Vargas - onde o Salgueiro se firmou - e onde o próprio Fernando e o sempre lembrado Arlindo Rodrigues deslumbraram a cidade e o país com seus enredos que refletiam a ansiedade do morro e que os sambas tão bem vocalizavam.
           Os sambas que aqui estão nós consideramos que são indispensáveis. Claro que outros tantos mereciam entrar nesta seleção, mas dez é o limite. De todas as maneiras, acreditamos que eles dão a exata medida da capacidade criativa dos integrantes da ala de compositores do Salgueiro e da sua consciente disposição e responsabilidade em se engajar numa luta pela reabilitação de fatos e gente. O que vale dizer: preservar a nossa nacionalidade ".

 
Haroldo Costa
(Jurado do Estandarte de Ouro, Ator e Autor de Livros sobre o Carnaval Carioca)

 

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