Carukango
Antigamente, os orixás eram homens. Homens que se tornaram orixás por causa de seus poderes, de sua sabedoria, sua força e suas virtudes. Em cada vila, um culto se estabeleceu sobre a lembrança de um ancestral de prestígio. E, lendas foram transmitidas de geração em geração para render-lhes homenagem.
No Òrun, o universo, e no Àyié, a terra, a luta dos negros contra as injustiças contou com corajosos guerreiros. E na nossa história, se destaca Carukango, o guerreiro feiticeiro que virou rio. Sua odisséia dá-se a partir de Moçambique,
Em anos de intensa exploração Africana por Portugal, os dioulas africanos não paravam de trazer negros capturados no interior. Entre eles, estava um líder político, militar e espiritual de sua tribo: Carukango, chefe e feiticeiro, que fora emboscado, aprisionado, e vendido como escravo á traficantes que os trouxeram da África ao Brasil. O tumbeiro aportou na Ilha de Sant'anna para a quarentena. Nela, além dos cativos do Estrela de Macahé, muitos outros negros trazidos por outros tumbeiros, para serem vendidos em terras brasileira. Embora fosse coxo e meio corcunda, era um líder, um chefe e feiticeiro, e poderia agir como escravo, e servir de interlocutor entre seus donos e os demais cativos. Porém, Carukango não atendeu às expectativas de seu novo dono, sequer aprendeu a "Língua Portuguesa", não abandonou suas crenças, estabeleceu liderança sobre os outros escravos da fazenda, resistiu ao trabalho com sabotagens e negligências, não havia castigos que o fizessem mudar.
Carukango incentivou questionamentos, inconformismo e rebeliões, culminando em sua fuga e de outras dezenas de escravos. Os fugitivos evadiram-se para o cume das montanhas da Serra do Deitado, hoje, parte dos municípios de Macaé e Conceição de Macabu, em altitudes superiores a 600 metros, lá encontraram um platô suficientemente grande para abrigar uma comunidade. Organizados em um trabalho coletivo, cooperativo, democrático e social; criaram um abrigo coletivo, implementaram plantações diversas, e aproveitaram a caça e a coleta local.
O assentamento criou fama, outras fugas em massa ocorreram em diversas fazendas, os atritos entre proprietários e feitores contra os fugitivos, tornava-se cada vez mais intenso. Os ataques propiciaram grande número de fugas e saques, tornando o “quilombo” maior e cada vez mais forte; sendo Carukango identificado como líder.
A localização e a engenhosa proteção de Carukango tornou este quilombo o maior da região, talvez do Rio de Janeiro, e quem sabe, um dos maiores do Brasil.
Deu-se inicio a fortificação do Quilombo de Carukango.
Percebendo as fraquezas militares de Cabo Frio, Macaé e arredores, acorreram em auxílio ao chefe do Distrito Militar da Capitania do Espírito Santo, o Coronel Antônio Coelho Antão, que partiu em socorro ao vilarejo de Macahé.
Às milícias do Espírito Santo, juntaram-se as polícias de Campos, Macaé e Cabo Frio, além de populares de toda a região. Com ataques frustrados; As milícias, armadas a ferro e fogo, foram sucessivamente repelidas nos confrontos dentro das florestas e nas montanhas, especialmente por desconhecerem o terreno e não conseguirem surpreender os quilombolas.
Todas as trilhas foram bloqueadas, as milícias fizeram sucessivos ataques com uso constante de armas de fogo, até que finalmente, atingiram o platô onde se localizava o quilombo. A batalha foi desproporcional, as milícias, bem armadas e numerosas, já iniciavam o massacre dos quilombolas, quando Carukango surgiu do interior da construção paralisando o confronto, sacou uma pistola de dois canos, disparando e matando o filho mais moço de Francisco Pinto, o seu comprador e escravizador no Brasil. Carukango foi linchado, massacrado e mais tarde esquartejado pelas tropas, e, os quilombolas que não foram massacrados, suicidaram-se atirando-se dos penhascos e furnas da região.
A cabeça e partes do corpo de Carukango ficaram espetadas em estacas pelas estradas que se aproximavam da região, até que se decompusesse.
Seu corpo a céu aberto, permitiu a liberdade que o guerreiro tanto desejava; onde a mãe natureza, utilizando-se dos poderes de Iansã a rainha dos ventos, soprou e derramou os seus restos, nas águas do rio que passava as margens da estrada onde ficou sua exposição. Foi nas águas do rio que a liberdade alcançou, indo ao mar para os braços carinhosos de Iemanjá, que o leva em suas “correntes”, de volta à mãe áfrica.
O rio tranqüilo que desce da serra á caminho do mar, que me leva pra África, vou te nomear: Carukango é teu nome, guerreiro valente! Que virou orixá.
Oswaldo Luiz (Deco) e
Carlos André Wendos
Fundamentado no projeto do professor Marcelo Abreu Gomes – INSG Castelo (Macaé-RJ) Agradecimentos a Luciano de Freitas e Wilton Médici |