Atrás
do trio elétrico
“A
praça é do povo como o céu é do condor”
Castro Alves
Sinopse:
O maior
de todos os poetas baianos morreu jovem, sem conhecer a louca euforia
que é, hoje, o carnaval de sua terra.
Mas, com a predestinação própria dos grandes poetas, certamente imaginou
seu povo sofrido feliz reunido na praça que levaria o seu nome para
escrever o verso famoso.
De fato, em nenhum outro momento a Praça Castro Alves e todas as praças,
ruas e avenidas pertencem verdadeiramente ao povo quanto durante o
carnaval em Salvador.
Sem repressão nem permissão, durante quatro loucos dias, o baiano
invade as ruas e domina toda a cidade; numa explosão de alegria e
movimento, o baiano faz seu alucinante carnaval da liberdade em que
todos são participantes.
A magia de Dodô e de Osmar
No meio da descontração contagiante, exibindo sua policromia e esparramando
um som eletrizante sobre um mar de “mortalhas” multicores, o “Trio
Elétrico” é o carro-de-combate desse povo sofrido, mas alegre e descontraído.
Armado com guitarras e instrumentos de percussão, o “Trio Elétrico”
aniquila com a tristeza, faz esquecer todas as amarguras e esmaga
qualquer sofrimento. Sua música, no mais alto volume, a todos hipnotiza
— ricos e pobres, soberanos e vassalos — irmanando-os durante os breves
dias de folia.
E, corpos unidos ladeira abaixo, horas e horas em transe contínuo,
o baiano se entrega ao mais animado e descontraído carnaval de rua
do país. Sem cordão de isolamento, sem horário nem regulamentos —
mente aberta e liberta do mundo, alma lavada em suor e cerveja — seja
o que Deus quiser...
Atrás do “Trio Elétrico” segue um imenso bloco do prazer.
“Todo mundo na praça, muita gente sem graça no salão”
Caetano Veloso
Atrás do “Trio
Elétrico” ninguém pode vacilar... A entrega tem que ser total, peito aberto
para todas as emoções traduzidas na louca euforia do carnaval. Um riso
largo e franco no rosto suada e voltado para o alto, a movimentação frenética
e o êxtase coletivo.
Na Praça Castro Alves, que alguém definiu como “o universo transcendental
dos espíritos carnavalescos’, a loucura contagiante atinge seu nível
máximo. Centro do carnaval baiano, para lá se dirige o povo que a
toma de assalto, logo cedo, à espera dos “trios”.
Quando Dodô e Osmar desfilaram no primeiro “Trio Elétrico”, em 1950,
eles também se dirigiram à Praça Castro Alves.
No começo, apenas uma dupla elétrica
Somente em 1951, com a inclusão de um terceiro músico – Temístocles
de Aragão – foi formado o TRIO ELÉTRICO (violão tenor, guitarra e
cavaquinho) que, atualmente, reúne dezenas de músicos e cantores.
Interessados em eletrônica, Dodô – Adolfo Nascimento, rádio-técnico
e músico – e Osmar Alves Macedo – inventor e músico – criaram, na
década de 40, o violão elétrico de madeira maciça que eliminava a
dissonância e a microfonia. Assim, surgia a guitarra baiana, precursora
da guitarra elétrica americana. Infelizmente, Dodô e Osmar não registraram
seu invento e não puderam reclamar depois, para si, a patente.
Mas, tiveram a feliz idéia de ligar seu invento com dois alto-falantes
à bateria de um velho Ford 1929 e sair às ruas para brincar e animar
o carnaval, tocando os frevos lançados pelo ‘Vassourinhas”, de Recife.
Após o sucesso inicial e sob o patrocínio de firmas locais, Dodô e
Osmar montaram o trio elétrico sobre um caminhão. A partir daí, houve
uma incrível mudança no carnaval da Bahia até transformar-se no que
é atualmente.
Em 1960, já existiam inúmeros trios elétricos – Tapajós, Camaleão,
Novos Bárbaros, Monstro Havaiano, Marajá, Final, Novos Baianos – e,
atualmente, circulam cerca de 60 “trios” em Salvador.
Em 1963, quando Dodô e Osmar, cansados, não desfilavam há três anos,
saiu o primeiro trio formado apenas com crianças, destacando-se Armandinho
no bandolim, filho de Osmar, que tinha somente 12 anos de idade.
Na década de 70 – após o “Trio Elétrico” tomar-se nacionalmente conhecido
através do frevo “Atrás do trio elétrico”, de Caetano Veloso – os
filhos de Dodô e Osmar conseguiram motivá-los a voltar ao carnaval.
A música do trio elétrico
Pode ser um samba antigo, uma nova marchinha, jingles publicitários,
Mozart, Bethoven ou Roberto Carlos... mas, quando o trio toca,a música
vira frevo, o frevo baiano!
Na definição de Caetano, o trio elétrico criou um novo ritmo que é
“uma mistura de frevo pernambucano e marchinha carioca, uma coisa
bem baiana”.
Ritmo acelerado, som metálico e estridente; o jeito de tocar, rápido;
cavaquinho endiabrado em improvisos mirabolantes; somente em 1976
a voz humana juntou-se ao “trio” para maior delírio da multidão.
Moraes Moreira foi o primeiro a colocar voz no “trio elétrico”, cantando
‘Pombo Correio”, uma composição de Dodô e Osmar para a qual fez a
letra. Autor de inúmeros sucessos como “Festa do Interior” e “Bloco
do Prazer”, Moraes Moreira acrescentou um estilo próprio ao frevo
baiano, unindo-o ao ijexá que é o batuque característico dos afoxés:
a música pioneira foi “Assim pintou Moçambique” e, logo após, “Grito
de Guerra” e “Zanzibar”.
Unindo o frevo ao ijexá – o elétrico do trio e o espiritual dos afoxés
– Moraes Moreira reinventou a música de carnaval e todos os “trios”
passaram a executá-la.
Fenômeno baiano, sucesso internacional
Atualmente, permanece o nome, continua elétrico, porém, a bordo dos
gigantescos coretos ambulantes, não mais se vê um trio, mas dezenas
de pessoas fazendo a multidão delirar até mesmo na Itália, onde há
pouco se apresentou com enorme sucesso.
Grupos famosos como os “Novos Baianos”, a “Banda Salamandra”, o “Chiclete
com Banana”, “A Cor do Som”, artistas consagrados como Caetano, Gil,
Cal, Bethânia, Moraes Moreira, Baby Consuelo, Pepeu Gomes e muitos
outros apresentam-se nos “trios”, durante o carnaval, exclusivamente
pelo prazer de participar.
Hoje, o “Trio Elétrico” é sofisticado e caro. Milhões de cruzeiros
são investidos em sua ornamentação e material eletrônico. Sobre uma
estrutura metálica, beleza e técnica são traduzidas em 5.000 watts
de som e 10.000 watts de luz.
Com a morte de Dodô, Osmar mantém a tradição, junto com seus filhos,
animando o carnaval conto “Trio Dodô e Osmar”, eletrizando a multidão
e arrastando toda a Bahia atrás de si.
“Atrás do trio elètrico só não vai quem já morreu”
Caetano Veloso
Atrás do “Trio Elétrico”, a dança é quase uma luta, perigosa,
imprevisível: é a própria vida. Ou se entrega totalmente ou se escapa
enquanto há tempo. Ninguém pode vacilar. Ficar parado é ser engolido
pela multidão em delírio, frenética e sensual.
“Caretas”, “mortalhas” coloridas, índios – Os “Apaches” vermelho e
branco, tantas vezes campeão – o frevo, maracatu, torcedores de futebol,
morcegos, clóvis, pierrôs, colombinas e arlequins confundem-se atrás
do “Trio Elétrico”.
E, até, os Orixás estão presentes para abençoar festa tão espontânea
e comovente, através dos grupos de afoxé que são a manifestação carnavalesca
de toda a tradição cultural afro-baiana.
Quem conhece o romance de Jorge Amado – “A Tenda dos Milagres” – sabe
das perseguições sofridas pelos afoxés quando tentavam impor sua presença
hoje imprescindível no carnaval baiano inicialmente, considerados
uma afronta à cultura e à religiosidade, os afoxés foram reprimidos
pelas autoridades e deixaram de desfilar. Mas, em 1975, reconhecendo
ser os afoxés manifestação pura e autêntica de nossas raízes africanas,
Gilberto Gil decidiu trazê-los de volta ao carnaval e desfilou
à frente dos “Filhos de Gandhi”, o mais famoso e tradicional afoxé
da Bahia. Desde então, os afoxés não mais foram vistos como um atentado
à cultura e, atualmente, muitos grupos – “Filhos de Keto”, “Filhos
de Ode”, “Rei das Matas” e outros – participam do carnaval.
Com sua coreografia característica, lenta e fechada, o afoxé destoa
da irreverência dos blocos e do eletrizante dos “trios”. Mas, para
Gil, “é o lado espiritual do carnaval... é como se todos os orixás
ali estivessem, no meio do povo... é um equilíbrio estético ao lado
do eletrônico-carnal do “trio elétrico”.
“Omulu, Ogum, Oxum, Oxumaré
Todo O pessoal
Manda descer pra ver
Filhos de Gandhi.
Iansã, Iemanjá, chama Xangô
Oxossi também
Manda descer pra ver
Filhos de Gandhi”
Gilberto Gil
Vem povão!... Cai na folia...
Violento para alguns, mágico ou sensual para outros, o “Trio Elétrico”
democratizou o carnaval baiano e o transformou no maior carnaval de
rua do país, superando até o carnaval carioca.
O desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro é a mais bela e espetacular
demonstração de arte popular no mundo inteiro. Mas, o carnaval carioca
não deve nem pode restringir-se a esse espetáculo grandioso, fantástico
e indescritível do qual apenas uma minoria pode participar.
A UNIDOS DE BANGU, fiel as suas tradições de Escola de Samba, quer,
com seu enredo, conclamar o povo, autoridades, imprensa, emissoras
de rádio e TV, artistas, anunciantes e agências de publicidade a novamente
cair na folia. A folia contagiante, perturbadora, sensual que se via
nas ruas do Rio e é cada vez mais frenética em Salvador.
O povo carioca, também sofrido, a partir de hoje estará feliz reunido
ansiando por extravasar suas amarguras. Mas, onde estarão os blocos
sem cordão de isolamento para fazê-lo esquecer do ano que passou,
da carestia, de suas dificuldades?
E preciso levar de novo às ruas do Rio o verdadeiro carnaval carioca,
participante e abrangente, que a todos contagia. E preciso que as
bandas – que já deram um novo estímulo, ao carnaval de rua
– desfilem todos os dias, e não apenas na sexta, ou no sábado, ou...
É preciso que as emissoras de rádio e, principalmente, as de TV esqueçam
sua programação normal, suas novelas, e apóiem o carnaval como anteriormente.
E preciso que os artistas cariocas sigam o exemplo de seus colegas
baianos. E preciso que agências e anunciantes vejam o carnaval como
fonte de lucros e prestígio para seus clientes e produtos. E preciso
que as autoridades garantam a segurança pública para que o verdadeiro
folião volte às ruas e para a eternização do carnaval carioca.
E, se preciso for, que se importe à idéia revolucionária dos baianos.
Criatividade não é, sempre, originalidade. A magia de Dodô e Osmar,
com seu trio, pode tomar conta do meu Rio que, em louca euforia, há
de se deixar eletrizar.
Yubiratan
Corrêa (Lacerda) e José Eugênio da Silva
Ordem do Desfile:
O G.R.E.S. Unidos de Bangu se apresenta com cerca de 2.000
componentes divididos em mais de 30 alas; três carros alegóricos e
dezenas de tripés e estandartes que ambientam o desfile pelas ruas
de Salvador. Destacam-se pela ordem:
-
Comissão de Frente:
Formada por crianças com 12 anos de idade, representa a personalidade
que deve imperar nos 4 dias de folia, dando merecidas férias à razão
(o adulto) e à repressão (o pai).
-
Abre-Alas:
O primeiro “trio elétrico” sobre o pandeiro que é o símbolo da Escola.
Destaque maior: Osmar Macedo, o criador do “trio elétrico”.
-
Ala de Baianas
-
Ala de Mortalhas Coloridas
-
A Praça Castro Alves:
Na praça do povo, bailam Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Destaque: Carlos
L’Amour como o poeta dos escravos.
-
Ala dos Apaches
-
Ala do Frevo
-
Bateria (150
ritimistas):
Comandada por Mestre Vicente, Luiz Carlos e Raminho.
-
Homenagem a Gilberto Gil:
O espiritual do carnaval baiano.
-
Ala Filhos de Gandhi
-
Alegoria aos Orixás e ao Senhor do Bomfim
-
Destaques Ricardo (Obá), Salô (Olorum), Beli (Oxum), José Carlos (Logum),
Diana Finsk (Iemanjá), Pimpa (Exu), Jorge (Oxossi) e Sérgio (Yansã).
-
Ala de Baianas c/passo marcado
-
Ala Kirambô
-
Homenagem a Moraes Moreira
-
Ala de Frevo
-
Ala Ijexá
-
Ala de Maracatu / Maculelê
-
Homenagem a Caetano Veloso
-
Mestre-Sala e Porta-Bandeira mirins
-
Ala de Crianças
-
Ala de Índios
-
A magia de Dodô e Osmar
-
Destaques: artistas transformistas representam Gal Costa (Andréa Gasparelli),
Bethânia (Fabíola Flores) e Elba Ramalho (Tânia Letiére)
-
Alegoria: O “Trio Elétrico” atual
-
Destaques sobre o carro artistas transformistas representam Baby Consuelo
(Denise Born), Pepeu Gomes (Clér), e os Novos Baianos (Bira, André,
Sérgio, Soca, Beto e Carlos).
-
O Bloco do Prazer
-
Sem caracterizar alas, misturam-se todas as figuras tradicionais do
carnaval de rua de Salvador e do Rio de Janeiro.
-
Ala de Capoeira
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