Agudás: os que levaram
a África no coração e trouxeram para o coração da África, o Brasil!
Ideiais
de liberdade da negritude vitoriosa sacodem a Sapucaí: os tambores que
batem no Brasil na bateria de Mestre Celinho, ecoam no coração da África,
para lembrar a todos no carnaval, que o povo negro continua a escrever
e festejar o seu destino; destino este misterioso e destemido, sempre
buscando pelos sistemas de adivinhação da África (cordões, táboas, camis,
caroços-odus). Orunmilá, o revelador / guardador e Ifá, o próprio Destino,
se abraçam e debruçam-se sobre a Unidos da Tijuca para juntos apresentarem
a epopéia Agudá, que em si guarda todas a faces da negritude: a dolorosa,
a agressiva, a serena e a já citada vitoriosa.
Rodam
nossas baianas, sobe na noite o arrepio de toda a trajetória de luta
dos escravizados, viajando sobre águas da rainha cujos filhos são peixes,
onde ondas e vagas que trazem almas e sofrimentos de um continente para
o outro. É a África que está vindo para o Brasil, trazendo lembranças
culturais como bagagem: comidas, religiosidade e sabedoria em forma
de negritude dolorosa.
Dança
o Borel, e gritos revoltados contra a escravidão são ouvidos: é a luta
pela liberdade, em atitudes de negritude agressiva; que fará com que
senhores brancos e antigos escravos voltem ao ponto de partida. É o
Brasil que está voltando para a África, levando na bagagem lembranças
culturais de uma vida "à brasileira": comidas, religiosidade,
arquitetura e sabedoria ameríndia.
Praias
africanas que um dia os viram partir, agora presenciam o refluxo de
espumas flutuantes, e ventos que reconduzem almas e experiências, para
ver brilhar as luas selvagens sobre tambores ancestrais primitivos;
eles dizem:
Agudás...Agudás...Agudás...gente
estrangeira, gente brasileira...irmãos que já estiveram e que já foram
daqui.
Agudás...Agudás...Agudás...gente
meio preto meio branco, gente que mistura na alma o Benin e o Brasil.
A África e a América.
Agudás...Agudás...Agudás...
os retornados! Retornados que levaram o acarajé e desenvolveram feijoada;
que levaram abará e devolveram "cozidou"; que levaram vatapá
e devolveram cocada baiana; que levaram Exu e nos relembraram Oxossi;
que navegaram com Iemanjá e nos trouxeram o Senhor do Bonfim; que levaram
o nosso sangue morando neles e trouxeram as contruções coloniais brasileiras;
que levaram a África no coração e trouxeram para o coração da África,
o Brasil!"
Na
Passarela do Samba, a força do encontro entre a serpente-dragão do anel
de D. Francisco Félix de Souza, o Chachá I, cujo hálito é o poder do
senhor branco negreiro; e o negro malê Inácio Paraíso, ambos construindo
o cotidiano das realizações Agudás na África. O primeiro fundando a
dinastia mestiça do Dagoun, e o segundo liderando os muçulmanos na construção
da Grande Mesquita em estilo colonial brasileiro. Deste aperto de mão,
o Brasil se consolida na África em negritude serena.
Mais
uma vez o "tambor" de nossa bateria: agora é a fanfarra da
"Irmandade dos Descendentes de Brasileiros", desfilando garbosa
pelas ruas de Porto Novo, Benin, fazendo o "desfile das bandeira
no carnaval do Senhor do Bonfim". Lá vem as crianças dançando a
burrinha e componentes segurando lanternas e bonecos. Em algum ponto
remoto na lembrança destes Agudás, novamente o tambor ecoa:
Agudás...Agudás...Agudás...
aqueles que levaram o semba e trouxeram de volta o samba. Agudás...Agudás...Agudás...
"foi umbigada e voltou dançando o cordão de carnaval".
Este
enredo faz o Brasil retornar com a Unidos da Tijuca à Corte do Rei Abomé
(ou Daomé). A grande festa aconteceu em 16 de fevereiro de 1996: o Chachá
VIII, senhor de Uidah, com sua comitiva de quase 100 Agudás são outorgados
com os atributos do poder da corte de Abomé, por sua majestade o rei
Agoli-Agbo, do Daomé em cerimonia de negritude vitoriosa, pois é diálogo
inter-étnico, destacando Agudás, Fons, Mina e Nagôs não por oposição,
mas por contrastes.
A
corte dos Agudás, impecavelmente vestida à brasileira, dançando samba
e cantando canções da burrinha, louvando Chachá em linguagem Fon. O
rei de Abomé representando com sua corte o vigor da cultura Daomeana,
louvando em linguagem Mina.
Dançam
África e Brasil no grande Xirê dos Orixás no coração do continente negro.
Dançam a Tijuca e os Agudás com os ancestrais que tanto sofreram e que
nesta festa encontram a redenção.
O
círculo se fecha; a roda do destino cupre sua derradeira volta: é Obatalá
majestoso que abre seua braços gloriosos da fraternidade.
Milton Cunha

Cronograma do Desfile
O Setor um vem mostrando
o Destino, as consultas aos oráculos, os ideais de liberdade e de negritude.
Abertura: Xirê dos Orixás e Ala das baianas
Alegoria um (o Pavão e os milagres de fé da negritude vitoriosa)
O Setor dois traz a viagem sofrida e as lembranças do continente
deixado
Ala africanos, Ala baianinhas e Ala Brasileiros
Alegoria dois (Ligação África / Brasil: águas da Rainha cujos filhos
são peixes)
O Setor três retrata o início da Dinastia Dagoun (e seu anel)
e o período da escravidão na Bahia
Ala Navios Negreiros, Ala dos Chachás, Ala a serpente na mitologia africana
e ala Dinastia Dagoun: a serpente/dragão
Alegoria três (Chachá, o traficante de escravos e a Dinastia Dagoun)
O Setor quatro demonstra o sincretismo cultural e o inícia do
refluxo
Ala noite árabe, Ala muçulmanos na África, Ala revolta malê e deportação
e ala paraíso e a grande mesquita
Alegoria quatro (Baianos maleses liderados por Ignácio Paraíso e a grande
mesquita)
O Setor cinco apresenta a cultura brasileira, especificamente
o Carnaval do Senhor do Bonfim e a burrinha
Ala das burrinhas, Ala da bandeiras, Ala de passistas, Bateria: a Fanfarra,
Ala das lanternas e Ala dos bonecos
Alegoria cinco (Carnaval brasileiro no Benim)
O Setor seis expressa as influências recíprocas na culinária
e a arquitetura
Ala veio acarajé e voltou feijoada, Ala veio abará e voltou cozidou,
Ala veio vatapá e voltou cocada baiana, Ala colonial brasileira e Ala
leão na arquitetura
Alegoria seis (O Brasil na África)
O Setor Sete encerra o desfile com a festa onde o Chachá VIII
foi recebido na corte do rio de Abomé (ou Daomé)
Ala dos antílopes na Bengala, Ala enfante na Bengala, Ala damas agudas
vestidas "à brasileira", Ala das damas da corte de Abomé e
Ala dos grandes pára-sol de Abomé
Alegoria sete (A festa dos orixás - búfalos e cavalos mordendo os freios)
Ala velha guarda / Ala da delegação da Unesco.