De Gama a Vasco a epopéia da Tijuca
Quem é Vasco
da Gama? De que trono procede? Há homens que derivam de seus antepassados,
todo o mérito. Estes são os que só valem pelo sangue dos avós, sangue
já sem glóbulos vermelhos, sangue obscuro, inerte, incapaz de grandes
feitos. Outros homens há, qual à semelhança do Nilo para os antigos, não
se acerta dizer donde procedem e principiando em berço nevoento, aos poucos
vai assombrando com seu nome e dominando assim com sua irresistível superioridade
uma inteira civilização. Assim como o rio caudaloso do Egito, inundando
os campos com a sua corrente impetuosa, derrama o seu manteiro fecundíssimo
na região por onde corre já distante das nascentes ignoradas. Estes homens
são ao mesmo tempo tronco e rebento. A si mesmo se coroam. Fazem acontecer
sem que importe quem antes ou depois deles existiram. São como os Bonapartes,
os Newtons e os Shakspeares. E assim é Vasco da Gama.
“Cessem do sábio Grego e do Troiano
as navegações grandes que fizeram;
cale-se de Alexandre e de Trajano.
Afama das vitórias que tiveram;
que eu canto o ilustre peito lusitano,
a quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a musa antiga canta,
que outro valor mais alto se alevanta”
Os Lusíadas, Luís de Camões
O G.R.E.S. Unidos da Tijuca muito honrosamente decidiu abordar como tema
para o Carnaval de 1998 A Epopéia de Vasco da Gama, uma vez que em 98
se comemora os 500 anos da viagem deste Almirante as Índias, e os 100
anos do Clube de Regatas do Vasco da Gama do qual ele é o patrono.
Ao pesquisarmos a fundo toda a sua história tanto do corajoso Almirante
quanto do clube que leva honrosamente seu nome, concluímos que ninguém
melhor para narrar-lhes que o próprio Vasco da Gama. Portanto com a palavra
o Almirante Vasco da Gama:
Fazem 500 anos e parece que foi ontem. Desde menino os Oceanos me fascinavam.
Muito cedo comecei a me interessar pelos estudos astronômicos e pelas
navegações de meu país. Me lembro que nessa época (1422 à 1487) os Portugueses
tinham descoberto e explorado toda a Costa Ocidental Africana e Bartolomeu
Dias dobrado o Cabo da Boa Esperança. Porém, um sonho enchia de inquietude
o grande D. Manuel: Dobrar o Cabo das Tormentas e seguir em direção às
Índias. Paralelamente sem nada imaginar sobre o que me aguardava de tamanha
inquietude meu peito também se enchia. Como um grande poema que precisava
nascer de dentro do artista.
Hoje não tenho mais dúvida de que fui escolhido. Escolhido pelos antigos
deuses para executar uma grande missão de estreitar as relações dos homens
de minha época. Unindo Portugal as Índias. Foi como unia grande Profecia
quando o Astrólogo Judeu Abraão Zacuto procurou D. Manuel e disse-lhe:
“Trago boas novas, meus astros não só disseram que é possível mas também
obterás sucesso. A Índia será “descoberta” por dois irmãos portugueses”.
E assim começou realmente a minha vida e a de meu irmão. Partimos a 8
de junho de 1497 de Lisboa da praia do Restelo rumo ao desconhecido mas
com a certeza de que daríamos tudo para cumprir com honra e sucesso o
nosso destino.
Muitos meses se passaram. Costeamos toda a África Ocidental conhecendo
povos travando contatos com civilizações que certamente nunca haviam visto
um homem branco. Corremos muitos riscos mas valeu a pena.
Agora se aproxima a parte mais difícil da batalha. Dobrar o Cabo das Tormentas,
o encontro do Atlântico com o Índico. Muitas Lendas eram narradas por
antigos navegadores. Diziam que neste ponto Poseidon encontrava-se de
tempos em tempos no auge de sua ira. Que sempre se lançava em ondas gigantescas
como fábrica de espuma sobre as Naus que tentassem ali atravessar. Neste
momento senti que realmente tinha uma missão determinada pelo Alto. Como
o antigo poeta grego narra me pareceu que a mesma espuma produzida pela
cólera de Poseidon fez com que ele se acalmasse. A sensualidade e a doçura
de Afrodite neste momento conseguiu atenuar até o mais impetuoso dos Deuses
que os Romanos chamavam de Netuno.
Três meses de grande agonia e desespero nos sucederam variados entre fortes
tempestades e densos nevoeiros. Num ponto da Terra onde o dia durava não
mais que seis horas. A moral de meus homens estava baixa, muitas vezes
tive que ser enérgico com eles para que não caíssem em desânimo nos levando
à todos ao fracasso da viagem. As recomendações do astrólogo Zacuto não
me saiam da cabeça. Ele recomendam que jamais nos dividíssemos pois isto
seria ponto fundamental para o sucesso da expedição.
E assim com determinação e segundo uma orientação divina que vinha de
dentro de mim, às vésperas do dia de Santa Luzia enfrentamos a mais forte
e perigosa tempestade desde que do Tejo saímos. As vozes a Deus pediam
misericórdia. Somente os capitães afrontavam heroicamente o perigo da
borrasca, esforçando-se e repreendendo os marinheiros de ânimo descaídos
da antiga fortaleza.
Serenada a tempestade avistamos a aguada de São Brás e ali folgamos da
tremenda tormenta. Dali para o rio D. Infante de lá para o rio do Cobre,
deste para o rio dos bons sinais, Moçamba, Melinde e finalmente Calecut.
Eu e meus homens na certeza que gozávamos da proteção dos céus guiados
pelo sol dourado do Oriente.
As conseqüências de minha viagem foram um enorme quadro de progressos.
A reformulação da economia de toda a Europa. Em Calecut afloravam os grandes
temperos e preciosidades do Oriente tão almejadas pelos Europeus. Ali
se encontrava em grande cópia e variedade de pimenta, cravo, canela, maçã,
noz-moscada, aljôfares, pérolas, a mais preciosa pedraria; a cânfora,
o almíscar, os fragrantes lenhos de águila e de sândalo, porcelanas, marfins
e os artefatos do mais formoso valor do Grande Oriente. Calecut era a
grande feira universal. Porém mais do que isso minha viagem marcava o
cruzamento de culturas. O mundo conhecia então novos mundos.
Acho que meu nome sempre esteve fadado a surpresas para mim mesmo. Já
começo a me acostumar com o inesperado. 400 anos mais tarde me vejo renascer,
não mais como um homem apenas mas como um ideal. Venho renascer num país
tão jovem quanto eu era quando saí do Tejo em busca das Índias, e com
tanta esperança e prosperidade quanto eu e meus homens tínhamos. Venho
a renascer no Brasil em meio a jovens sem antepassados ilustres como eu,
mas com um grande ideal de união entre dois povos: o português e o brasileiro.
Agora eu sou o Clube de Regatas Vasco da Gama.
No Rio de Janeiro nesta época, os clubes tinham a função principal de
serem o ponto de encontro da juventude que começava a descobrir o gosto
pelas atividades esportivas. Primeiro as regatas que arrebanhavam a princípio
as altas classes e depois tomando conta da parte menos favorecida pela
população.
Como se fosse hoje me relembro dos saraus dos piqueniques que se sucediam
as competições náuticas. Graças a Deus sempre com muitas vitórias.
A velha barca da cantareira e os lindos dias de passeios festivos pela
Baía de Guanabara até a Ilha do Engenho.
Sem nunca abandonar o velho mar nas competições comecei agora com o grande
Clube Vasco da Gama a me dedicar ao futebol que com certeza ao longo do
tempo trouxe muitas alegrias ao povo brasileiro.
Meu quadro de troféus é sem dúvida o meu grande orgulho bem como a rara
taça Thereza Herrera que pela primeira vez após vários anos de disputa
saia da Europa para o Brasil pelas minhas mãos.
Devo este meu segundo sucesso. agora como Clube de Regatas Vasco da Gama
aos meus dirigentes, que tal como meus antigos capitães sempre valorizaram
os seus atletas. Não pelos seus ancestrais nobres de origem, mas pelo
valor individual de cada homem; independente da cor ou posição social
que eles ocupassem. Com isso fiz muitos amigos, homens simples e homens
simplesmente brilhantes como o Ex-Presidente da República o Sr. Getúlio
Vargas, o qual anunciou as bases da nova lei trabalhista na Tribuna de
Honra do Estádio de São Januário - então minha nova casa na Terra.
Como toda a minha existência foi de lutas, não continuo diferente ainda
luto por vitórias para a alegria do meu povo que agora não se restringe
mais apenas a Portugal mas também a este imenso país chamado Brasil.
Olhando aqui do alto onde hoje moro vejo com graça a grande Terra azulada.
A grande bola pela qual eu andei navegando durante toda a minha vida.
E para terminar nossa prazerosa conversa devo dizer que a bola sempre
foi a razão da minha existência. Antes andava em torno dela procurando
continentes e prosperidade para os homens. Hoje ponho a bola para rolar
nos verdes campos da Terra trazendo a partir de disputas alegrias para
os homens deste Planeta Bola que tanto ainda me ponho a amar.
Vasco da Gama 1998
Depois de tudo o que ouvimos e vivemos, nós da Unidos da Tijuca, em nome
de todos os portugueses e brasileiros só temos a lhe agradecer por tudo
o que fizestes não só por nós, mas com certeza por toda a humanidade com
tua coragem e determinação. Aproveitamos a ocasião em que completas 100
anos de tua nova existência na Terra - como Clube de Regatas Vasco da
Gama - para te desejar Parabéns! Muitas Felicidades. Pedindo que daí do
final do arco-íris onde moras sempre possas nos orientar pelos vários
caminhos que nos aguardam a vida.
“Podei-vos embarcar, que tendes vento
e mar tranqüilo para pátria amada.”
Assim lhe disse. e logo movimento.
Fazem da ilha alegre e namorada.
Levam a companhia desejada
das Ninfas, que hão de ter eternamente.
Por mais tempo que o sol o mundo aquente.
Os Lusíadas, Luís de Camões.
Oswaldo Jardim
|