Iriruama araraoama, por todo eternidade
De
um tempo ancestral que o próprio tempo não esquece, é evocado um
mágico ritual no qual surge no céu, uma língua de fogo que aparece
e roucos são os trovões que a tudo estremecem, eu, uma velha índia,
a mais sábia dizem; então, a eleita para guardar e contar, revivo
agora a lenda de um amor que o próprio tempo faz que não conhece. Eu podia
ver, no espelho do luar, eles, os exploradores, mas ainda não haviam
aportado; sabia dos temores por que tinham que passar, das tormentas
à enfrentar, dos seres marinhos a mirar no oceano de sombras que
cruzaram, até a aurora de um mundo novo poder contemplar. Olhos
atentos, porém arrebatados por paisagens em que nem sequer podiam
sonhar. Se lançam então na Mataruna, a mata escura, cercados por
pares de outros olhos, estes, tão profundos que se os fitassem poderiam
sentir a alma desse paraíso. O sal, vital,
que da terra há muito já colhíamos e também, diversas outras riquezas,
não somente eles como outros vieram cobiçar. Trouxeram a dor e a
morte, nos caçaram e expulsaram, fizeram a natureza chorar, nos
serviram um deserto de sonhos. Só que maior que o explorador é o
amor, da índia Arara, a mais bela, aquela que a natureza não se
cansa de saudar. Sentimento este capaz de por magia resgatar parte
de nossas vidas, nos fazer uma vez mais respirar e redimir o Universo
Tupinambá. De sol, a
iluminada, enche o coração do mais valente guerreiro, que a observara
o milagre operar; seria então perfeita esta união, se o destino
não tramasse para ambos a maior provação. A noite embala
a índia a beira da grande lagoa, onde as conchas, infinitas, costuram
uma trama de contas de estrelas prateadas, de brilho sereno. Arara
concede daí ao nobre guerreiro que a mira por inteiro, um mergulho
em seu olhar que parece uma eternidade perdurar e que nenhuma palavra
conseguiria explicar. Mas o que
era certo então se desfaz por meio dos senhores, aqueles exploradores,
que agora trazem sua cultura de forma arrebatadora. Constroem em
nossa terra sua morada, vestem em nossa gente sua fé, separam um
amor que nem a pior das pragas poderia encerrar. E, a lenda seria
mentirosa, se eu não contasse que sem temer perigo qualquer, que
pudesse encontrar, o bravo guerreiro buscou pelo véu do tempo a
pérola índia, aquela que seria sua mulher. O fogo das
tochas o conduz mais uma vez à lagoa, onde a cortina de fumaça que
transpassa lhe mostra uma legião de outros guerreiros, os pescadores,
que jogando suas redes indicam-lhe o caminho de seu aliado nesta
cruzada, o peixe voador, prateado por culpa do brilho do luar, ele
o levará no galope ligeiro para o tempo rasgar. Na cobertura
azul do céu vê o sal, antes colhido, sendo agora fabricado. Enxerga
no solo fértil, que é cultivado, o crescimento de alimentos, mas
também de sofrimentos. Um povo que como o nosso foi aprisionado
e explorado, ele vê ser libertado. Agora, os
senhores, colonizadores, pintam de novas cores a terra de nossos
antepassados; observa então atento governos que caem, homens que
são para a região benfeitores e trazem novas formas que pulsam cada
vez mais. É, sem dúvida, o que impulsiona a “máquina” de metal que
a fumaça cospe, que faz o mundo mudar a cada instante, além muito
além do que podia imaginar. Apesar de encantado e assombrado, o
guerreiro sente que a busca pela índia amada em breve findará. Ainda que
molestada e castigada, a natureza, mãe de todas as coisas nunca
deixou de lhe acompanhar e faz então com que veja acima da beleza
das lagoas, de tudo que há ao seu redor. Iluminado
por tal visão, sente a energia que só a dona de seu coração poderia
gerar. De um espaço onde antes nossa nação podia chamar de lar,
brotam suas raízes, sua crença, sua arte, sua vida. O que descende
daquele que ergueu, agora sabe que deve preservar; escava, revive,
reconstrói, ensina. Assim, à todos os que vêm e aos que virão um
pouco da história deste lugar. Toda essa
energia junta, que emana, ilumina de maneira sem par o grande altar,
evocando por fim a bela índia Arara, para seu apaixonado viajante
reencontrar e ainda que fosse possível não poderia explicar ao destino
a união do amor que nem a linha do tempo foi capaz de separar. Para sua
amada, ele narra sua jornada, descreve cada sabor e cada cor, descreve
que mesmo depois de tantas luas ver chegar a certeza de que a beleza
desse lugar vive no que a natureza de todas as formas decidiu lhe
contar, Arara o ama... Araruama, por toda a eternidade. O ritual
se aproxima do final, embora eu ainda os veja, sempre os verei,
mas agora o espelho é deles e através dele, eles estão salvando
o conhecimento, preservando a natureza e a alma de um povo revelando.
Comissão
de Carnaval
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