Com
pandeiro ou sem pandeiro... eu brinco.
Com dinheiro ou sem dinheiro... eu também brinco!
Justificativa:
Nós,
brasileiros, privilegiamos o brincar. Aconteça o que acontecer, nós
brincamos. Para isso podemos prescindir de tudo, só precisamos da
imaginação.
Um antigo samba de já dizia assim:
“Com pandeiro ou sem pandeiro
ê, ê, ê, ê, eu brinco
Com dinheiro ou sem dinheiro
ê, ê, ê, ê, eu brinco”
Podemos abrir mão do pandeiro e até do dinheiro, por sermos capazes
de improvisar o que desejarmos, valendo-nos do que estiver ao alcance
das mãos. Nós somos “escolados” na improvisação, que pode mesmo ser
considerada um traço cultural do brasileiro.
Um dos mais importantes resultados dessa cultura da improvisação foi
a produção de comédias musicais que marcaram um “período de ouro”
da comunicação entre o cinema brasileiro e seu público : as chanchadas
da Atlântida, há 60 anos atrás. Se não podiam imitar os padrões de
uma cultura dita superior, assumiram a nossa cara, escrachada, mas
verdadeira! Os filmes da Atlântida representaram a experiência brasileira
em fazer cinema com total aceitação popular.
As chanchadas eram o reflexo de um povo feliz que brincava no carnaval,
namorava no Pão de Açúcar, ria sem preconceitos e tinha esperança
no futuro, pois assistir as comédias carnavalescas da Atlântida era
um ritual tão familiar quanto ouvir certos programas radiofônicos.
De preferência os da Rádio Nacional.
De repente as chanchadas pararam de ser produzidas, o tempo passou
e o mundo foi assolado por uma onda de saudosismo. E foi com saudades
da juventude, dos bons tempos, da esperança, da alegria e da inocência
perdida que nós lembramos da Atlântida, e começamos a sorrir. Estávamos,
na verdade, com saudades de uma época feliz. Devia ser gostoso viver
no Brasil daquela época!
Nós, da União da Ilha, que um dia chegamos entre as grandes escolas
de samba do Rio de Janeiro trazendo a simplicidade no uso da imaginação
viemos agora, nessa nossa eterna busca pela felicidade, resgatar esta
parte da história do cinema brasileiro. E ao lembrarmos da Atlântida,
estaremos lembrando também do Oscarito, do Grande Otelo, da Eliana,
do José Lewgoy, da Adelaide Chiozzo, do Carlos Manga, da Zezé Macedo,
do Cyll Farney, da Emilinha Borba, do Anselmo Duarte, da Sonia Mamede
e tantos outros que caracterizaram a manifestação mais genuína da
irreverência nacional, botando fogo em muitos carnavais, pois com
pandeiro ou sem pandeiro... eles brincavam.
Foram eles que viveram esta história, foram amados e até idolatrados
e para nós, nunca serão esquecidos.
“Traz o meu pandeiro que hoje eu vou pra batucada”, ou esqueceram
que aqui tudo acaba em samba?
Sassarica União da Ilha !
Sinopse:
No começo dos anos quarenta o Brasil tinha apenas uma câmera moderna
de filmagem, jovens com idéias na cabeça e uma fonte de inspiração:
os Estados Unidos da América.
Buscávamos o glamour do cinema americano, porém por mais que tentássemos
imita-los, éramos sempre traídos pelo nosso sentimento nacionalista
e acabávamos transpirando brasilidade por todos os fotogramas, com
tipos bem brasileiros e aproveitando o humor do rádio, do teatro de
revista e do carnaval.
Já que Deus sempre foi brasileiro, as chanchadas aproveitavam o que
ele nos deu de mais valioso : projetavam o talento de nossos artistas,
mostravam a beleza da mulher brasileira e usavam como cenário a cidade
de São Sebastião do Rio de Janeiro, ou como ouvíamos por aí... a cidade
maravilhosa! Afinal, em nenhum outro momento o cinema brasileiro se
relacionou tão intensa e carinhosamente com o grande público como
nos tempos que os estúdios da Atlântida, apesar das suas notórias
precariedades, eram mitificados como uma versão tropical da
Metro.
Na passarela cinematográfica, só a alegria comandava o espetáculo
e atraia filas e mais filas de expectadores fiéis ao humor quase ingênuo,
às vezes malicioso e até picante das chanchadas. Esquetes irônicos,
paródias de filmes americanos e números musicais sustentados pelas
sátiras aos problemas cotidianos da época faziam grande sucesso. Seu
humor mais ingênuo encantava crianças, seu humor mais malicioso divertia
os adultos, e suas cenas românticas e musicais fechavam o círculo
da sedução familiar. O cinema não era só uma das mais importantes
formas de lazer, era mais que isso. Ir ao cinema era a hora de conhecer
os donos das vozes mais famosas do rádio.
“O povo ama as coisas que o alegram”
As chanchadas influenciavam todo o país, divulgando um tipo de humor
bem carioca... a malandragem!
O fato de encontrar na tela tipos populares como o herói malandro
e mulherengo, a empregada doméstica, o nordestino, provoca grande
receptividade.
O Brasil passa a ver sua própria imagem na tela. Somos mesmo bananas
da terra!
“ Pudera, meu povo ria mais bonito
Com Grande Otelo e Oscarito
Na vesperal das seis”
As chanchadas eram regidas pela troca de objetos e identidades.
Trocava-se e roubava-se de tudo nas chanchadas: chapa de pulmão, passaporte,
colar, peruca, carteira de colunista social, mala.
Posições sociais trocavam de mão.
Nobres verdadeiros ou falsos apareciam com regularidade.
Para facilitar a construção do roteiro elas seguiam uma receita simples:
havia os vilões e suas maldades, os comediantes para fazer-nos rir,
as vedetes que nos encantavam com sua beleza e dança, o par romântico
que nunca pode faltar e os conjuntos musicais que davam ritmo a história.
O sucesso industrial da chanchada foi inegável. Elas eram bem sucedidas
na missão quase impossível de tornar a produção nacional competitiva,
num mercado que recebia muitos filmes estrangeiros por ano.
Só a estupenda aceitação popular das chanchadas, já lhe asseguraria
um lugar destacado na história do cinema nacional mas, mesmo assim,
recebiam muitas críticas da imprensa que achava que o cinema americano
era a medida certa de todas as coisas. Mas e daí? Enquanto nós brincávamos
de ser Roliúde, eles queriam a perfeição. Em compensação
nosso cinema face as tremendas dificuldades, improvisava e dava certo.
O público gostava do que via. Precisava mais ?
Roliúde era aqui !
Quem tem mais de 50 anos, certamente se lembra destes filmes leves,
engraçados e carnavalescos, acima de tudo.
Entre os maiores sucessos estavam:
-
Este Mundo é um Pandeiro: O pioneiro das grandes chanchadas,
foi com este filme que o gênero começou a ganhar características próprias.
-
Carnaval no Fogo: O eterno vilão Jose Lewgoy deixa cair sua
cigarrilha preta com um anjo de prata emoldurado que o identificava
para o resto do bando como sendo o chefe da quadrilha que assaltou
uma joalheria.
-
Aviso aos Navegantes: Frederico (Oscarito) embarca clandestinamente
num navio que leva um perigoso espião internacional que na verdade
é o sinistro professor Scaramouche (Jose Lewgoy)!
-
Barnabé tu és meu!: Zulema (Fada Santoro) era uma princesa
árabe que vivia em sua mesquita em Ipanema e procurava encontrar o
herdeiro de Salomão. Quem apareceu foi Oscarito, que havia feito uma
estrela de David acidentalmente na mão.
-
Carnaval Atlântida: Um professor especialista em cultura grega
é contratado para realizar o clássico Helena de Tróia. No Rio de Janeiro,
o sisudo professor perde a compostura e Tróia rende-se aos encantos
de Momo e cai na folia.
-
Nem Sansão, Nem Dalila – O verdadeiro Sansão aqui era careca,
afinal isso era uma paródia, e usava uma peruca , trocada de bom grado,
pelo isqueiro do barbeiro Horácio, que voltou no tempo fantasticamente.
-
Matar ou Correr – Jesse Gordon (José Lewgoy) era um terrível
vilão do oeste americano, filmado em Jacarepaguá.
-
De Vento em Popa: Oscarito e Sonia Mamede vivem uma dupla caipira
que faz de tudo para ajudar Cyll Farney a abrir uma boate, terminando
o filme com um grande show de rock.
-
Esse Milhão é Meu: Filismino (Oscarito) é premiado com 1 milhão
de cruzeiros e vai comemorar numa boate, mas depois teve que aturar
o mau humor da mulher (Zezé Macedo) num inferno a dois... ou a três,
já que a sogra não lhe dá sossego
-
O Homem de Sputnik – Um suposto satélite Sputnik, que todos
procuravam, havia caído justamente em cima do galinheiro do casal
Anastácio (Oscarito) e Cleci (Zezé Macedo). Viram celebridades e sua
esposa vê a possibilidade de conseguir realizar seus desejos : virar
dondoca, morar em Copacabana, ter carro com chofer e freqüentar institutos
de beleza.
-
Pintando o Sete: Um palhaço se disfarça de um pintor famoso
e consegue enganar toda uma sociedade que vive de aparências.
“E assim, vinha da Atlântida toda a magia
Em preto e branco a poesia
Era arco-íris de emoção”
As chanchadas e seus números musicais traziam à tela a imagem viva
dos ídolos do rádio. Quando estreavam as vésperas do carnaval, podíamos
saber de cor os sucessos que iríamos cantar em seguida. Muitas músicas
foram imortalizadas pela performance de nossos artistas. E não eram
necessariamente só os sambas e as marchinhas de carnaval, pois a característica
destes números musicais, muitas vezes, era a comicidade e o jeito
ingênuo, transformando-os numa atração indiscutível em termos populares.
Eles tinham um elemento chave: o riso!
Era uma época feliz que brincávamos o carnaval.
Quase na mesma época nascia uma escola de samba no bairro da Ilha
do Governador que iria ser conhecida mais a frente pela sua simpatia,
espontaneidade e alegria. Uma escola que trazia a felicidade aos desfiles
de escola de samba e arrebatava o público contrastando sua simplicidade
com as grandes escolas de então.
Assim como as chanchadas da Atlântida “nossa escola colorida iria
mostrar o seu valor”. Acreditávamos que o riso e a felicidade não
precisavam estar vinculados ao luxo. Queríamos trazer amor, alegria
e brincar o carnaval.
Como nas chanchadas passamos a fazer o nosso carnaval com as coisas
mais simples de nosso cotidiano, rindo de nós mesmos, valorizando
o desfile com a nossa irreverência.
Como somos brasileiros, o que não tínhamos era improvisado e através
dos nossos sambas, como os números musicais da Atlântida, conseguíamos
antecipar o nosso próprio sucesso carnavalesco.
Estamos aqui querendo relembrar o carnaval dos antigos salões, dos
confetes e da serpentina.
“Está na hora, é carnaval!” Chegou a União da Ilha do Governador !
Já, Já, estaremos “outra vez na passarela, colorida e tão singela,
fazendo todo o povo vibrar.”
Para nós o que importa é fazer “um desembarque fascinante, no maior
show da terra” !
E podem ter certeza que não terá na avenida ninguém “mais feliz que
eu” !
Com pandeiro ou sem pandeiro... a Ilha vai brincar.
Com dinheiro ou sem dinheiro... a Ilha também vai brincar!
E graças a Deus!
Paulo Menezes
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