"Pra não dizer
que não falei de Flores"
Esse é o
titulo do nosso enredo, extraído da canção "Caminhando",
que Geraldo Vandré apresentou no 3° festival Internacional de Canção,
realizado em 1968 no Maracanãzinho.
"Caminhando"
tem a sua força o teor revolucionário da letra, trazendo uma posição
audaciosa de desafio à ditadura. O sucesso fulminante da canção de
Vandré, foi logo interrompido pela censura, enquanto o autor foi obrigado
exilar no Chile.
Nossa principal intenção é destacar o impulso criativo sugerido nas
artes, em função da ditadura militar imposta no período de 1964 a
1984.
A
dureza deste regime fez surgir no campo das artes a necessidade de
defender nossas características culturais, e retomar o poder das mãos
dos militares. Surgiu então, uma produção artística ( música, literatura,
artes plásticas, cinema,teatro ) que combinava ousadia e determinação,
evidenciando a postura de esquerda dos artistas.
A
resposta dos militares foi imediata:
Livros
foram queimados, teatros invadidos, atores agredidos, letras de músicas,
jornais e filmes proibidos!
A
Censura era implacável, chegando a atingir até obras clássicas.
Em
meio a tanta severidade, as forças armadas continuavam a espancar
os estudantes no meio da rua, cujo entusiasmo político, e espírito
de luta traziam novas idéias e novos comportamentos.
Muitas
prisões aconteceram, seguidas de torturas e humilhações. Muitos desapareceram
após serem presos e barbaramente torturados.
Ninguém
estava a salvo desta caçada - desde as personalidades mais respeitáveis,
até o mais humilde cidadão.
Os
artistas continuaram através de suas obras a reagir contra a ditadura.
Um grupo de artistas optou pelo deboche e pela ironia para enfatizar
uma alienação dirigida ( Movimento Tropicalista ), outros, de forma
mais contundente, denunciaram as ilegalidades.
O
Cinema teve importância relevante, usando as telas como bandeiras
que clamavam liberdade ou denunciavam as diferenças sociais.
Por
exemplo:
1964
: "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha.
Deus,
simbolizava um Beato, e o Diabo era um cangaceiro.
Um
cego-cantador, que narra a história do começo ao fim, no final do
filme canta: ... que assim mal dividido esse mundo anda errado/que
a terra é do homem, não é de Deus nem do Diabo."
1966
: " A Hora e a Vez de Augusto MATRAGA" de Roberto Santos.
1967
: " Terra em Transe" de Glauber Rocha.
1968:
"MACUNAÍMA" , de Joaquim Pedro de Almeida
1982:
" Pra Frente Brasil", de Roberto Farias
1984:
" Memórias do Cárcere", de Nelson Pereira dos Santos.
No
Campo da música igualmente as reações foram imediatas, demonstrando
também a consciência política dos compositores.
"Carcará",
a mais conhecida composição de João do Vale, retratando um tipo de
gavião, que sabe superar os problemas de sobrevivência. Valente e
decidido, simboliza o ideal literário da canção.
Poderíamos
também destacar, " Viola Enluarada", de Marcos Vale e Paulo
Sergio Vale, que além de seu inegável conteúdo de protesto, possui
belos versos que anseiam por liberdade e uma excelente melodia.
O
Festival Internacional da canção foi um importante veículo para o
surgimento de versos ideológicos: " Arrastão", " A
Banda", "Disparada" e muitas outras foram destaques
desse festival.
Em
1979, a promessa de abertura democrática é focalizada na música "
O Bêbado e a Equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc. Esta
Canção representa a ansiedade de um projeto de êxito imprevisível.
Entre
carretéis, linha e agulhas, surgiu a figura de uma moderna heroína:
Zuzu Angel.
Estilista
de fama internacional, viu suas rendas e estampas serem manchadas
pelo sangue de seu filho Stuart Edgarg, barbaramente assassinado,
na Base Aérea do Galeão, em 15 de maio de 1971.
Os
anjos que caracterizavam seus modelos, transformaram-se em soldados
e iniciou então uma batalha contra o regime, definindo-se como especialista
em contar em tecidos e cores, um triste período de nossa história.
As
ameaças se tornaram constantes.
Em
14 de abril de 1976, quando voltava para a casa, o seu carro bateu
e caiu de uma altura de 5 metros . Zuzu teve morte instantânea.
Ela
não teria parado sua luta nunca, pois lutava contra o medo daquela
situação política da época. Ela queria o corpo do filho que até então
não havia aparecido.
Queria
que o governo parasse de matar!
Sua
Campanha tinha um objetivo maior, evitar que no futuro outras mães
viessem a sentir a dor que a levou a enfrentar tantos perigos.
No
teatro, a estréia do musical "Opinião",em dezembro de 1964,
de autoria de Paulo Pontes, Ferreira Goullart, Armando Costa e Oduvaldo
Viana Filho, e dirigida por Augusto Boal, valoriza o povo como autêntica
fonte de cultura. este espetáculo, sem dúvida, foi uma resposta ao
Golpe Militar, uma exortação à resistência, sugerida na música "Marcha
da Quarta-Feira de Cinzas":
"Acabou
nosso carnaval/e agora o que a gente vê/ é uma gente que em se vê
/ (...) saudades e cinzas foi o que restou / (...) e, no entanto,
é preciso cantar / mais que nunca é preciso cantar..."
A
experiência vivida pelos atores da peça "Roda Viva", de
autoria de Chico Buarque foi extremamente traumatizante:
20 homens invadiram o Teatro Ruth
Escobar no final do espetáculo, armados de cassetete e jogando bombas
de gás lacrimogêneo, espancara-os duramente.
O
teatro teve um papel muito importante no sentido de trazer ao público
a consciência dos fatos. Como principais espetáculos deste período
destacamos:
1964
: " Opinião", simbolizando o nacionalismo do espetáculo,
bem como a valorização do povo como autêntica fonte de cultura.
1965
: " Arena conta Zumbi" fr Gianfrancesco Guarniere e Augusto
Boal, com música de Edu Lobo, Ruy Gerra e Vinícius de Moraes. Dramatizando
o episódio histórico do Quilombo dos Palmares, que sobreviveu no longo
período de 1630 a 1694, mas em realidade criticando o regime imposto
no país.
1967
: " Arena conta Tiradentes", a História da Inconfidência
Mineira, fazendo um paralelo com a situação do Brasil naquele momento.
1967
: " O Rei da Vela", texto de Oswaldo de Andrade. O texto
é uma sátira do Sistema Capitalista.
1968
: " 1° festival Paulista de Opinião", um conjunto de peças
de 6 autores.
" Roda Viva" - 1° peça de Chico Buarque, até então conhecido
como compositor de música popular. a censura federal proibiu "
Roda Viva", por motivo de segurança Nacional. O espetáculo provocava
tumulto!
1973
: " Calabar", de Chico Buarque e Ruy Guerra.
1975:
" Gota d'água" de Chico Buarque e Paulo Pontes.
Em
1979, sobe a cena " Rasga Coração", obra de Vianinha, censurada
desde 1974. O autor não pôde assistir a estréia de sua obra, pois
já havia falecido, vitima de câncer.
Na
estréia no Teatro Guaíra, quando a cortina lentamente se fechou para
a apoteose, o público se recusou a deixar o teatro, e continuava a
aplaudir.
Hoje
temos a certeza que não aplaudiam somente a grandeza da obra, mas
a mágica visão de uma grande Nau trazendo nossos Heróis do Exílio!.
Após
20 anos de Tempestade, cai a ditadura, com a vitória de Tancredo Neves,
candidato a oposição.
Neste
Desfile que será apresentado dentro das Comemorações dos 500 anos
do Brasil, sem mágoas, apesar das feridas não totalmente cicatrizadas,
seremos soldados, armados ou não.!
Mário Borrielo
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