Fatumbi,
a Ilha de Todos os Santos
Apresentação:
“Justa homenagem que a União da Ilha presta ao baiano-africano-francês
Pierre Fatumbi Verger Oju Obá".
Caribé
Dorival Caymmi
Estela de Oxossi
Ilêdo do Axé Opô Afonjá
Balbino do Ilê Agaujú
Bahia, Abril de 97
Texto de Zélia
Quem primeiro me alertou sobre a força e os poderes de Pierre Verger
foi Mãe Senhora, a prateada yialorixá que reinou no terreiro do Axé-Opô-Afonjá.
Eu lhe contara da decepção que tivera ao verificar que as fotos de Verger,
tiradas a traição, haviam estragado. Ele me proibira de tirá-las: “Não
estou hoje para fotografias, vou sair mal... com cara de passarinho.”
Eu não liguei e o resultado foi aquele: do filme com fotos normais,
apenas as fotos de Verger saíram veladas, não se salvou uma sequer.
Rindo, advertia, Mãe Senhora me disse: “Não se meta com Verger, minha
filha. Você não sabe que Verger é feiticeiro? Com Verger tu não tira
farinha, ele é forte.”
Contei esse episódio com Mãe Senhora a Verger, babalorixá de seu terreiro.
“É isso mesmo - disse-me rindo - sou feiticeiro e muito mais”.
No correr dos anos, tentei ainda algumas vezes teimar com ele e me dei
mal. Hoje, mais do que nunca, estou convencida de sua força e do seu
poder.
Pierre Fatumbi Verger, morreu nos deixou. Morreu, mas sua presença continua
viva na Bahia. Somente na Bahia? Por exemplo ele desfilará no próximo
carnaval, no Rio de Janeiro. Homenagens lhe serão prestadas, seu nome
será exaltado pela UNIÃO DA ILHA. Carinho e homenagens dos quais é merecedor.
Zélia Gattai
Texto de Jorge Amado
Pierre
Verger conheceu e amou a Bahia como poucos. Ele a viveu intensamente.
Para ele a Bahia era a casa, a moradia, lugar do sonho e do repouso.
Verger e a Bahia se misturam e se confundem. Nós encontramos o rastro
do francês nos becos e nas ladeiras, na colorida estrutura da cidade.
Jorge Amado
Introdução da Sinfonia
Quando nossa Escola entra na Avenida, um Orixá se manifesta em nós.
Por isso nos fantasiamos “Para aguardar o transe de possessão na forma
ritual.
Esse orixá gosta de exibir sua alegria. Gosta de cantar e dançar ao
som dos tambores da bateria. Mais que tudo - É Carnaval! Tem candomblé!
Por isso chegou o momento de devolver em forma de enredo - homenagem
- exaltação. Tudo o que de bom os orixás nos dão em termos de intuição
de vida e capacidade artística.
Os navios negreiros que singram nossas almas livres nos impulsionam
para a grande rota da vitória: Fatumbi, Ilha de Todos os Santos.
Tem Candomblé na Ilha, a Ilha é de todos os Santos. O tantã chora, o
tantã ri, xirê prá Fatumbi na Sapucaí.
Artista e místico, sabia tudo sobre a África e o Brasil. Baiano exemplar,
francês de nascimento e africano de coração, nos engrandeceu e iluminou.
Pela vida fotografou e aprendeu não apenas a rota dos navios negreiros,
mas a trajetória do mistério. Fez-se feiticeiro, babalaô, de nome Fatumbi,
filho de Ifá. No terreiro foi proclamado os olhos de Xangô, Oju Obá.
Pulsa seu sangue escravo. Brilham em sua alma as luas selvagens do mato.
Revivendo a Diáspora Iorubá e o poder dos Orixás, o tantã chora, o tantã
ri, batendo pela Epopéia - Fatumbi.
Justificativa da Sinfonia
Esta é a sinfonia afro-brasileira para Pierre Fatumbi Verger Oju Obá:
Os olhos de Xangô no Babalaô do Brasil.
Dividida em:
6 partes (Que serão as alegorias) e
35 movimentos (Que serão as alas ou grupos)
A obra de Fatumbi é um elogio à Negritude. Ele registrou com sua máquina
fotográfica e seus textos “O negro orgulhoso do sangue negro que corre
em suas veias”. Captou a nova geração negra exprimindo sua personalidade
sem vergonha nem medo. Ouvia que “O atabaque chora, o atabaque ri”.
Via que os negros eram bonitos; e feios também. Para o amanhã Fatumbi
construiu sólida obra-exaltação ao negro, soube edificá-la no topo da
montanha livre, dentro dele mesmo.
Todos os tambores do mato batiam no sangue de Fatumbi. Todas as luas
selvagens e ferventes do mato brilharam em sua alma.
Pelas páginas dos livros de Fatumbi, o negro não foge do combate cotidiano
do nosso povo e grita o tempo todo: “Eu também sou o Brasil!”.
Com suas fotos e textos, Fatumbi comentou e mostrou certos aspectos
do culto aos Orixás, Deuses dos Iorubás, em seus lugares de origem,
na África (Nigéria e República do Benin). e no Novo Mundo (especialmente
no Brasil). para onde foram levados, em séculos passados pelos escravos.
As pesquisas de Fatumbi orientaram-se mais para o culto dos Nagôs-Iorubás,
já que este culto muito bem se conservou na Bahia, onde ele residiu
no Brasil.
Ligando os primeiros escravos aos seus descendentes do Século XX, Fatumbi
disseca o relacionamento entre a África e o Brasil, desde que tudo começou:
o comportamento dinâmico da Diáspora Iorubá, que singrou o oceano em
navios negreiros , mas que até hoje ainda atravessa o mar nos dois sentidos.
Esta é a base da obra fotográfica e ensaísta de Fatumbi, a mais importante
já publicada no Brasil sobre a cultura negra, onde ele estuda os fundamentos
históricos e mitológicos, a descrição dos rituais, os laços de profunda
afinidade cultural entre o Golfo de Benin na África e o Recôncavo Baiano
no Brasil: Esta é a PONTE FATUMBI sobre o Atlântico.
A Sinfonia em 6 partes (que correspondem ás 6 alegorias)
Parte Um- Os Navios Negreiros iniciam a Diáspora Iorubá
Resumo:
O tráfico dos escravos liga para sempre a África ao Brasil. Arrancando-lhes
do Golfo do Benin e assentando-lhes à força no Recôncavo Baiano, esta
travessia do Atlântico marca a base principal das pesquisas de Fatumbi,
que detecta a primeira prova da incompreensão dos brancos em relação
aos negros: os traficantes apresentavam como oposto ao Deus Branco a
figura de um diabinho preto.
Aprofundamento:
Fatumbi afirma que os navios negreiros iniciam o que ele e outros
estudiosos denominavam “A DIÁSPORA YORUBÁ”: o estabelecimento forçado
de negros africanos fora de sua pátria, à qual se achavam vinculados
por fortes traços culturais, históricos e religiosos. Os navios negreiros
trazem os Orixás para o Novo Mundo, pois a presença de religiões africanas
no Novo Mundo é uma conseqüência imprevista do tráfico de escravos.
Em meados do século XV, os Portugueses desembarcaram na costa Africana,
atingindo, antes do fim do século, o Cabo da Boa Esperança e a Costa
Oriental. Os aventureiros de outros países europeus - franceses, ingleses,
alemães, belgas, etc. - seguiram os portugueses nessa corrida e viram,
com seus próprios olhos, os povos negros negativamente descritos nos
relatos dos antigos brancos (as primeiras notícias sobre as populações
negras vêm do “grande” historiador grego Heródoto: baseando-se na teoria
dos climas, criou uma imagem bastante desfavorável dos africanos, afirmando
que as altas temperaturas tornam o homem bárbaro. Todas as descrições
desta época mostram os habitantes do interior do continente negro parecidos
com animais selvagens. Esta visão retornou na Idade Média e no Renascimento,
reatualizando sempre os mesmos mitos que faziam da África Negra um mundo
habitado por monstros, seres semi-homens, (semi-animais).
Os escravos eram uma multidão de negros cativos que não falava a mesma
língua, possuindo hábitos de vida diferentes e religiões distintas e
não tinham em comum senão a infelicidade de estar, todos eles, reduzidos
à escravidão, longe de suas terras de origem.
Os navios negreiros transportaram através do Atlântico, durante mais
de trezentos e cinqüenta anos, não apenas o contingente de cativos descrito
acima, destinados ao trabalho de mineração, dos canaviais, das plantações
de fumo localizadas no Novo Mundo, como também sua personalidade, a
sua maneira de ser e de se comportar. as suas crenças.
No Século XVI, constata-se na Bahia a presença de negros bantu, que
deixaram a sua influência no vocabulário brasileiro. Em seguida verifica-se
a chegada de numerosos contingentes de africanos proveniente de regiões
habitadas pelos Daomeanos (gêges) e pelos iorubás (nagôs), cujos rituais
de adoração aos Deuses parecem ter servido de modelo às etnias já instaladas
na Bahia.
As convicções religiosas dos escravos eram colocadas a duras provas
quando de sua chegada ao Novo Mundo, onde eram batizadas obrigatoriamente
“para a salvação de sua alma” e deviam curvar-se às doutrinas religiosas
de seus mestres.
A extraordinária resistência oposta pelas religiões africanas às forças
de alienação e de extermínio com que freqüentemente se defrontavam haveria
de surpreender a todos os homens de negócios que se dedicavam ao tráfico
de negros na Costa da Mina.
Os negreiros, professando as mais diversas formas de monoteísmo, tentavam
“salvar” as almas dos africanos, mergulhados nas “trevas” da idolatria.
Na Bahia, todos os Santos do Paraíso foram invocados como protetores
dessa “respeitável” atividade: protetores dos negreiros, dos seus barcos
e das mercadorias transportadas.
Passando em revista os nomes dos navios relacionados em diversos documentos,
observamos que, até 1800 aproximadamente, todos aqueles dedicados ao
tráfico de escravos encontravam-se sob a proteção da Virgem Maria, de
Cristo, dos Santos e até mesmo das Almas.
Fatumbi investigou sob qual denominação Nossa Senhora era mais freqüentemente
invocada para proteger a tarefa de salvação da alma dos escravos. Partindo
de indicações recolhidas nos registros de patentes. Fatumbi constatou
que “Nossa Senhora” encontra-se mencionada 1154 vezes sob 57 invocações
diferentes. Nossa Senhora da Conceição é citada 324: Nossa Senhora do
Rosário 105 e Nossa Senhora do Carmo, 98. O “Bom Jesus” encontra-se
citado apenas 180 vezes. Curiosamente, o nome São Jorge aparece apenas
uma vez. São José era merecedor de grande devoção entre os negreiros,
alcançando mesmo, por volta de 1757, a posição de “protetor particular”.
A fé dos traficantes de escravos na proteção divina permaneceu inalterada
até o final do tráfico, mesmo clandestino.
Nessa ordem de idéias, a Igreja católica fez do preto a representação
do pecado e da maldição divina. Por isso, nas colônias ocidentais da
África, mostrou-se sempre Deus como um branco velho de barba e o diabo,
um moleque preto de chifrinhos e rabinhos.
Alguns missionários, decepcionados na sua missão de evangelização pensavam
que a recusa dos negros em se converterem ao Cristianismo refletia,
de fato, sua profunda corrupção e sua natureza pecaminosa. A única possibilidade
de salvar esse povo tão corrupto era a Escravidão. Muitos utilizaram-se
de tal argumento para defender, justificar essa instituição. Desse modo
não haverá nenhum problema moral entre os europeus do séc. XVI e XVII,
porque na doutrina cristã, o homem não deve temer a escravidão do homem
pelo homem, e sim sua submissão às forças do mal. Por isso foram instaladas
capelas nos navios negreiros para que se batizassem os escravos antes
da travessia. Em total desrespeito e flagrante violação à religião dos
Africanos, a preocupação cristã consistia em salvar as almas e deixar
os corpos morrerem. Aliás, parte dos missionários mostrou-se até incapaz
de aceitar que eles possuíssem uma religião e, quando o foi, chamaram-na
de Animismo, com o intuito de ressaltar que os negros botavam alma nas
pedras, nas árvores e em todos os objetos animados e inanimados de seu
meio ambiente.
A descoberta da América propiciou a transferência de populações inteiras
do Continente Africano para terras do Novo Mundo.
Os negros da “Corte dos Escravos” (Congo, Angola e Moçambique) vieram
ao Brasil trabalhar nas plantações de cana, minas de ouro e casas grandes
dos senhores brancos.
Além de arrancá-los da Terra Natal, a Escravidão destruiu as estruturas
sociais, organizações familiares, misturou as etnias, tudo isso para
reduzir os negros desligados de suas civilizações à uma denominação
comum: máquina de trabalho.
Ainda assim os Africanos salvavam dentro de si seus Deuses e seus cultos.
Porque? E como?
Os governantes para impedir uma revolta generalizada dos negros contra
os brancos permitiram a manutenção de jogos e danças étnicas. Curiosamente,
a Igreja se associou à esta política, separando os grupos por raça ou
“nação”, a fim de catequizá-los em várias línguas e dar-lhes unidade
católica.
Sobretudo nas cidades, a criação de Associações Profissionais, de negros
livres ou escravos, permitia a evocação das origens negras de um mesmo
território e a reconstituição em torno de seus lideres dos ritos sagrados
dos ancestrais.
Sob nomes diversos, sempre dados por brancos para as seitas dos negros
(Tambor do Maranhão, Xangô em Recife e Alagoas, Candomblé na Bahia,
Caboula no Espírito Santo, Macumba no Rio, Batuque em Porto Alegre),
os antigos cultos puderam sobreviver até os nossos dias.
Só podemos admirar esta fidelidade à Antiga África. Que não significa
nacionalismo ou racismo negro. Os Candomblés recebem brancos, mulatos
e outros que aceitam os apelos de seus Orixás (existem europeus filhos
de Santo como Fatumbi).
As religiões africanas não se sentem estrangeiras no Brasil. Elas amam
profundamente a nova pátria que as assimilaram política, econômica e
socialmente, poderíamos dizer que é tão legitimamente brasileira como
africana.
O termo
iorubá, aplica-se a um grupo lingüístico de vários milhões de
indivíduos que além da linguagem comum estão unidos por uma mesma cultura
e tradições de sua origem comum, na cidade de Ifé, mas não parece que
tenham jamais constituído uma única entidade política.
O vocábulo Nagô (ou Anago ou
Inongo) aparece pela primeira vez numa
carta de 1780, onde Olivier Montaquère, comandante do Forte de São Luiz
de Gregoy, escrevendo para a Companhia das Índias afirma que em
Herdre,
vulgarmente chamado Portenanve, pode-se conseguir Nagôs, os negros preferidos
dos compradores.
Alguns estudiosos dão a significação de língua à expressão “iorubá”
e outros a aplicam a um povo, nação ou território.
Nagô é o nome pelo qual os iorubás são conhecidos no Brasil. No Novo
Mundo encontramos os primeiros vestígios da palavra Nagô em um documento
enviado da Bahia em 1756, antes mesmo que esta palavra aparecesse na
correspondência da África.
Parte Dois - No Benin e Nigéria nasce Fatumbi Babalaô
Resumo:
Encantado com o poder e a beleza dos negros africanos, Pierre Verger,o
francês-fotógrafo se transforma no Babalaô Fatumbi, sagrado por seus
mestres negros em 1943, após 10 anos de estudos, pesquisa e fotografias
sobre a cultura Iorubá-Nagô. morando entre a Nigéria e a República do
Benin.
O Babalaô, guardador dos segredos e das receitas medicinais, precisa
dominar milhares de fórmulas. Entre as 400 publicadas por Fatumbi, no
livro “Ewé”, destacamos uma que consideramos impressionante e de valor
fundamental para a perpetuação da espécie: “A receita para despertar
um pênis adormecido”.
O Babalaô como todos os homens, está sujeito aos Deuses. Acima dos orixás
reina um deus supremo, Olódùmarè. E um Deus distante, inacessível e
indiferente às preces e ao destino dos homens. Está fora do alcance
da compreensão humana. Ele paira acima de todas as contingências de
justiça e de moral. Nenhum culto lhe é destinado. Ele criou os orixás
para governarem e supervisionarem o mundo. E pois a eles que os homens
devem dirigir suas preces e fazer oferendas. Olódùmarè, no entanto,
aceita julgar as desavenças que possam surgir entre os Orixás. Olódùmarè
mora no além, Orun. A idéia de que Orun-além está situado embaixo da
terra é comprovada durante as oferendas aos Orixás, quando o sangue
dos animais sacrificados é derramado no Ojubo, um buraco cavado na terra,
em frente ao local consagrado ao deus, e os olhares se voltam para o
chão e não para o céu.
Admitindo o papel de deus supremo atribuído a Olódùmarè e se pairarmos
acima das sutilezas locais, parece que poderemos elaborar um sistema
em que cada orixá torna-se um arquétipo de atividade, de profissão,
de função, complementares uns aos outros, e que representam o conjunto
das forças que regem o mundo. E o que exprime algumas histórias de Ifá,
que os babalaôs recitam, como as que se referem ao que já foi dito acima:
“Os orixás e os ebora são os intermediários entre Olódùmarè e os seres
humanos e receberam, por delegação, alguns de seus poderes”.
Aprofundamento: Adivinhação e Receitas do Velho Feiticeiro
Pierre Verger viveu durante dezessete anos em sucessivas viagens, desde
1948. pelas bandas ocidentais da África em terras Iorubás. Em 1952,
em Kêto, hoje República do Benin, foi iniciado Babalaô, recebendo de
seu mestre Oluwo o nome Fatumbi “renascido pela graça de Ifá”. Isto
facilitou e oficializou suas pesquisas que duraram mais de quarenta
anos, mesmo porque tomar conhecimento do uso das plantas para preparação
de receitas, remédios e “trabalhos” tradicionais constituem um direito
e uma obrigação do babalaô.
Fatumbi conseguiu registrar os mecanismos, fórmulas e entonações usadas
para a cura dos males físicos e espirituais que os antigos Babalaôs
iorubás praticavam penetrando em uma área da cultura negra pouquíssimo
acessível a europeus e até hoje fechada para não iniciados. Seu trabalho
fornece uma preciosa base para futuras pesquisas tanto das plantas medicinais
iorubás como da cultura em sentido mais amplo.
Além de antiga, a língua iorubá é oral, tendo sido grafada no papel
pela primeira vez apenas no Séc. XIX, pelos etnólogos britânicos que
chegavam à África, sendo necessário “cantar” suas palavras corretamente
para se expressar por meio dela. Originária da África Ocidental (região
que hoje faz parte das Repúblicas da Nigéria e do Benin, a língua iorubá
é unia língua milenar com relatos de muitos séculos de história, antes
da chegada dos Europeus à capital de seu reino, Ilé-Ife. Ao lado do
Haussa, o iorubá é uma das mais importantes línguas da Nigéria, sendo
falada por 25 milhões de pessoas no país e milhões de descendentes de
escravos africanos em países onde houve espaço para a cultura iorubá
sobreviver, como no Brasil (na forma conhecida como Nagô).
Fatumbi pertencia a um “colegiado” de Babalaôs africanos, que na sociedade
iorubá fazem a adivinhação segundo um sistema denominado Ifá, baseado
em 256 signos chamados ODUS, sob os quais estão classificados os remédios
tradicionais e os trabalhos a serem realizados por quem deles precisam.
Estes 256 Odu-Ifá são os signos duplos derivados de 16 signos simples,
que fazem par tanto consigo próprios para fazer os odus primários, quanto
com cada um dos outros dezesseis signos simples para formar os 240 secundários.
Durante a preparação de uma fórmula, o Babalaô estabelece uma ligação
entre o remédio e o signo de Ifá, sendo este último desenhado por ele
no pó. A ligação é feita através de elos verbais entre o nome da planta,
o nome da ação medicinal ou mágica dela esperada e o Odu, signo de Ifá
no qual é classificada.
Tais elos verbais são essenciais para ajudar o babalaô a memorizar as
noções e conhecimentos transmitidos por tradições orais, tendo assim
um caráter coletivo e não individual.
A transmissão oral do conhecimento é considerada na tradição iorubá
como o veículo do Axé, o poder, a força das palavras, que possam agir,
precisam ser pronunciadas.
O conhecimento é transmitido do babalaô ao Omo-awo, do mestre ao discípulo,
através de sentenças curtas baseadas no ritmo da respiração. Sendo repetidas
constantemente, tornam-se estereótipos verbais que se transformam em
definições aceitas com facilidade.
O livro Ewe (O uso das plantas na sociedade iorubá) último publicado
em vida por Fatumbi, é um extrato do que os mestres e confrades Babalaôs
tiveram a boa vontade de ensinar durante os numerosos anos que Fatumbi
viveu na África. É uma síntese de seus conhecimentos como Babalaô. As
plantas lhes eram entregues pelos Babalaôs acompanhadas de seus nomes
iorubás e de frases curtas chamadas ofó as quais anunciam, em termos
muitas vezes poéticos, suas qualidades.
Este livro é a seleção de 447 recitais, dentre as milhares que Fatumbi
coletou. Ele tem um enfoque etnológico e não médico. O babalaô aponta
quais são as plantas utilizadas na farmacopéia iorubá e para que tipo
de trabalho (medicinal ou mágico) são empregadas. Em geral, cada prescrição
comporta de 3 a 6 plantas diferentes.
São estas as categorias de receitas do livro:
29 receitas de uso medicinal (no conceito ocidental);
31 receitas relativas à gravidez e ao nascimento;
33 receitas relativas à adoração das divindades iorubas (orixás);
91 receitas de uso benéfico;
32 receitas de uso maléfico;
41 receitas de proteção contra as de uso maléfico;
As 9 receitas para matar pessoas não são dadas por Fatumbi, mas entre
as receitas estimulantes, as da virilidade chamam a atenção e mexem
com o imaginário popular. A receita para “acordar” um pênis “adormecido”
manda:
Queimar Tristema Littarale
(melastomaceal);
Queimar o fruto do
alugbaako;
Queimar o
(amomo) ataare;
Misturar o pó preto que sobra das queimas com Acaçá quente. Neste momento
o Babalaô pronuncia o ofó na língua iorubá cuja tradução é:
“Bater para permanecer firme, faça o pênis ficar duro Chute o pênis
com força, faça o pênis ficar duro Que a bondade que pica possa empurrá-lo
para fora.
Destacamos ainda receitas para:
matar o amante da esposa
evitar pesadelos
ajudar o feto a virar no útero
tratar quem dorme demais
ajudar alguém a ser possuído por Xangô
persuadir as pessoas
engravidar de gêmeos
Fatumbi foi taxativo quando de sua iniciação como Babalaô: “A partir
deste momento, sou Fatumbi. Pierre Verger é morto!”
Parte Três - A “PONTE FATUMBI” que liga o Brasil à Africa
Resumo:
Fatumbi revelou a Gilberto Gil em sua última entrevista: “Quando descobri
que muita coisa havia se perdido nos laços culturais entre o povo de
Benin e da Nigéria e o da Bahia, passei então a fazer a PONTE, levando
informações de uma cultura à outra.” “Tive a chance de, a partir de
1948, poder fazer numerosas viagens alternadas ao Brasil e à África.
Isso me proporcionou uma acolhida favorável em certos terreiros de candomblé
da Bahia e minha integração entre os praticantes da religião Iorubá”.
Fatumbi contribuiu com suas fotografias e ensaios para o redescobrimento
da Sociologia Negra Brasileira - seu livro Orixás é considerada a Bíblia
do Candomblé e a mais completa obra para a compreensão da África Brasileira
ou do Brasil Africano.
Aprofundamento:
A Ponte Fatumbi que liga os dois continentes é explicada pelo próprio:
“Tive a chance de, a partir de 1948, poder fazer numerosas viagens alternadas
ao Brasil e à África. Isso me proporcionou uma acolhida favorável em
certos terreiros de candomblé da Bahia e minha integração entre os praticantes
das religiões tradicionais da África. Que eu freqüentasse esses ambientes
sem fazer perguntas indiscretas e desse notícias sobre o que se passava
no outro lado do Atlântico interessava de urna parte e de outra”.
Pierre Verger redescobriu o Brasil através de seus tratados sobre as
múltiplas influências e semelhanças entre o Golfo de Benin e o Recôncavo
Baiano.
Pode-se afirmar que existe a Ponte Fatumbi sobre o Atlântico, ligando
as terras africanas da Nigéria e do Benin com as terras brasileiras
da Bahia de Todos os Santos.
Passa-se a entender os ritos negros do Candomblé brasileiro como continuidade
e adaptação (releitura) de ritos seculares praticados em África. E percebe-se
que as adaptações e sincretismo estiveram a serviço da continuidade
das crenças, aspecto sincrético este primordial para a prática dos ritos
pelos negros escravos.
Aliás os navios negreiros são verdadeiros mundos atravessando o Oceano
para desembarcar cultura negra no Brasil (que achava apenas estar importando
escravos).
“Quando descobri que muita coisa havia se perdido nos laços culturais
entre os povos de Benin e o da Bahia, passei então a fazer a PONTE,
levando informações de uma cultura à outra”, revelou Fatumbi à Gilberto
Gil em sua última entrevista.
Na África chegou pelo Senegal no verão de 1940. No Brasil chegou por
Corumbá em 13 de Abril de 1946.
Nem todos os africanos libertos e seus descendentes que voltaram à África
tornaram ao Brasil, depois de terem completado seus conhecimentos do
ritual do culto dos orixás. Muitos deles regressaram à África para aí
permanecer. Curiosamente, eles chegavam abrasileirados, desafricanizados,
aparentemente cristianizados, vestidos à ocidental, construindo casas
assobradadas de estilo brasileiro e formando uma sociedade fechada,
sem se misturar facilmente com os seus antigos compatriotas africanos.
Tinham conservado relações, comerciais com a Bahia e faziam freqüentes
vagens de uma margem a outra do Atlântico, a bordo de numerosos navios
que continuavam a navegar entre os dois continentes e que, embora carregassem
do Brasil fumo de rolo, barris de cachaça e carne-de-sol, não transportavam
mais escravos desde 1851, ano em que foi definitivamente abandonado
o tráfico negreiro. As mercadorias provenientes da África consistiam
em azeite-de-dendê, nozes de cola, panos da costa e muitos outros necessários
à realização do culto dos deuses iorubás no Brasil, sem esquecer os
condimentos para a preparação das oferendas aos orixás, pois, se muitas
receitas dos pratos africanos glória da apimentada culinária da Bahia,
chegaram até nos, é que foram fielmente conservadas e transmitidas de
mães para filhas pelas baianas vendedoras de quitutes nas ruas. Acontecia
às vezes que, antes de sair de casa, eles faziam oferendas de parte
das comidas nos altares de seus orixás. Quando as pessoas compravam
e comiam acarajé, participavam, sem saber, de uma comida em comum com
Iansã: e se era caruru, também chamado amalá nos terreiros de candomblé,
era com Xangô que comungavam. Assim, por consideração aos gostos de
orixás, nasceram e perpetuaram-se os vários quitutes da Bahia.
Parte Quatro - Bahia de Todos os Santos
Resumo:
Fatumbi chegou em Salvador em 1946, onde passou a viver em permanente
ponte aérea com a África. Apaixonara-se pela atmosfera do Recôncavo
Baiano quando lera Jubiabá de Jorge Amado, antes mesmo de conhecer a
Bahia. Dele, Amado disse: “é um baiano tão definitivo e único que tão
extraordinário mais parece urna invenção”. Tomou-se Filho de Santo de
Mãe Senhora do Terreiro do Axé do Opô Afonjá que o sagrou “Oju Obá”
(os Olhos de Xangô), que tudo vê) e amigo e consultor de Mãe Menininha
do Gantois. Darcy Ribeiro afirmou que “Fatumbi era um verdadeiro baiano,
um desses estrangeiros que acabou incorporando o Baianismo”. No livro
Orixás, Fatumbi mapeia os Terreiros da Bahia desde o Primeiro Candomblé
escravo até hoje, como figura proeminente da vida baiana que foi.
Aprofundamento: A África brasileira ou o Brasil Africano
Fatumbi apaixonou-se pela atmosfera do Recôncavo Baiano quando leu,
na África, Jubiabá de Jorge Amado, sob o título de Bahia de Todos os
Santos. Mudou-se para Salvador em 1946, onde passou a viver em permanente
ponte aérea com a África.
Assim Jorge Amado a ele se refere: “A mistura do Francês da Rua Cardinal
Lemoine, em Paris, com o africano de Dakar, Porto Novo, Oyó, resultou
no baiano definitivo e único, aquele que de tão extraordinário mais
parece uma invenção”.
Por ocasião da morte de Fatumbi em 11 de fevereiro de 1996, o sociólogo
Darcy Ribeiro afirmou “que considerava Verger um verdadeiro baiano.
Era um desses estrangeiros que acabou incorporando o baianismo”.
Gilberto Gil e Fatumbi se conheceram nos anos 70, durante uma viagem
à Nigéria. Desde então ficaram muito amigos.
“A Bahia tem um certo charme que pode passar desapercebido por quem
nasce aqui, mas não por mim. Ao chegar aqui na Bahia encontrei um povo
muito aberto”. - derrete-se de amores Fatumbi.
Para a inesquecível Mãe Senhora, Fatumbi era “um dos grandes feiticeiros
da Bahia. Cuidado com Vergar, ele é feiticeiro, tem poderes”.
Os primeiros anos em Salvador são passados em um quarto do Hotel Chile,
com vista para o porto de Salvador. Festas, Sambas, Candomblé, capoeira,
a cozinha, os retratos de artistas, poetas e pintores populares, a arquitetura,
o modo de vida do povo negro e mestiço formavam um mundo onde Fatumbi
estava à vontade: o mundo a África Brasileira ou do Brasil Africano,
como ele chamava a Bahia.
Nos terreiros da Bahia. Fatumbi jamais foi um visitante, um homem de
fora, um estrangeiro com olhar curioso sobre os “heréticos”. Ele pertencia
ao mundo do candomblé, foi aceito pelos praticantes negros da Bahia
com um dos seus, como um verdadeiro irmão, um irmão branco.
No livro ORIXÁS ele revela a história do Candomblé na Bahia “com a chegada
dos escravos a Igreja Católica tratava de separar as etnias africanas.
Os escravos nos novos agrupamentos ainda assim praticavam o culto de
seus deuses africanos, em locais situados fora das igrejas. Duas mulheres
energéticas, originárias do Kêto, antigas escravas libertas tomaram
a iniciativa de criar um terreiro de Candomblé chamado Iyá Omi Ase Àira
Intilé.
Para Fatumbi o Candomblé é um pequeno mundo cheio de tradições , onde
questões de etiqueta, de direitos, fundamentadas sobre o valor dos nascimentos
espirituais, de saudações, de prosternações, de ajoelhamentos, beija-mãos
ligeiramente balançadas em gestos abençoadores, representam um papel
tão minucioso e docilmente praticado como na corte do Rei Sol. Os Terreiros
de Candomblé são os últimos lugares onde as regras do bom tom reinam
ainda soberanamente.
A palavra Candomblé, que designa na Bahia as religiões africanas em
geral, é de origem Bantu (Congo e Angola) que exerceu certa influência
entre os Nagôs.
Entre os filhos de africanos da primeira geração que retomaram no século
passado para educar-se ou iniciar um aprendizado em Lagos, voltando
depois à Bahia. Fatumbi cita dois nomes que ficaram gravados nos anais
dos candomblés: Agimuda (Martinimiano Eliseu de Bonfim). cuja permanência
na África tinha lhe dado muito prestígio e tomou-se rapidamente um babalaô
muito procurado e Felisberto Américo de Souza, o Felisberto Benzinho.
Terreiros de Candomblé no Brasil
Na Bahia, no inicio do século, os terreiros dedicados aos cultos dos
orixás eram freqüentemente instalados longe do centro da cidade. Com
o crescimento da população e a extensão tomada pelos novos bairros,
eles progressivamente encontram-se incluídos na zona urbana.
Esses terreiros são geralmente compostos de uma construção chamada barracão,
com grande sala para as danças e cerimônias públicas, de uma série de
casas, onde são instaladas os “pejis”, consagrados aos diversos orixás,
e de casas destinadas à residência das pessoas que fazem parte do candomblé.
A responsabilidade do culto repousa sobre o pai ou mãe-de-santo, correspondente
aos nomes, de origem iorubá, babalorixá ou ialorixá. São chamados também
de “zelador” ou “zeladora”, termos equivalentes aos de “babalaxé” ou
“ialaxé”, pai ou mãe encarregados de cuidar do “axé”, do poder do orixá.
Os pais ou as mães-de-santo são assistidos por país ou mães pequenos,
“babá” ou “ia kekere”, e por toda uma série de ajudantes, com papéis
e atividades diversos e definidos. Assinalamos o “dagan”, que, antes
das cerimônias públicas, encarrega-se, com a ajuda de “iamarô”, do “padê”
ou “despacho de Exu”: a “iatebexê”, que assiste o pai ou a mãe-de-santo
na direção da seqüência dos cânticos dos orixás, no decorrer das cerimônias
públicas; a “iabassê”, que de cuidar dos “iaôs”, logo que estes entram
em transe: o “sarepebê”, que leva as mensagens para a sociedade do terreiro.
Encontramos ainda o “axogum”, encarregado de fazer os sacrifícios dos
animais oferecidos aos orixás, e o “alabê”, chefe dos tocadores de atabaques.
Certos dignatários chamados “ogãs” Não tem funções religiosas especiais,
mas ajudam materialmente o terreiro e contribuem para protegê-lo. Formam
uma sociedade civil de ajuda mútua. colocada sob a invocação de um santo
católico.
Existem, enfim, os “iaôs”, “mulheres” dos orixás, que são os filhos
e as filhas-de-santo.
Nos dias de cerimônia pública, chamada “Xirê dos Orixás” (a festa, a
distração dos orixás), o barracão é decorado com guirlandas de papel,
nas cores do Deus festejado. O chão é cuidadosamente varrido, salpicado
de perfumadas folhas de pitanga, e grandes palmas atadas com fitas decoram
as paredes.
O pai ou mãe-de-santo, cercado por seus ajudantes, fica sentado próximo
dos atabaques, que são colocados sobre um pequeno estrado enquadrado
por palmas trançadas. Os ogãs são instalados em cadeiras ornamentadas
e marcadas com seus nomes, onde só eles tem o direito de se sentar;
os visitantes importantes sentam-se em bancos e cadeiras e o resto do
público fica dividido em dois grupos, homens de um lado e mulheres do
outro, todos separados da parte central do barracão, onde dançam os
filhos e filhas-de-santo. Antigamente, o piso do barracão deveria ser
de terra batida, e os iaôs dançavam descalços a fim de que o contato
com a terra e o mundo do além, onde residem os orixás, fosse mais direto.
Por razões de prestígio, o piso do barracão é atualmente de cimento
e, algumas vezes, recoberto com assoalho de madeira.
No início da festa, três atabaques de tamanhos diferentes, denominados
rum, rumpí e lé, acompanhados de um sino de percussão, o agogô, tocam
apelos ritmados às diversas divindades. Esses atabaques apresentam uma
forma cônica e são feitos com uma única pele, fixada e esticada por
um sistema de cravelhos para os nagôs e os gegês, e por cunhas de madeira
para os tambores ngomas, de origem congolesa e angolana.
Tais instrumentos foram batizados e. de vez em quando. É preciso manter
sua força (o axé), por meio de oferendas e sacrifícios. Os atabaques
desempenham um duplo papel, essencial nas cerimônias: o de chamar os
orixás no início do ritual e. quando os transes de possessão se realizam,
o de transmitir as mensagens dos deuses. Somente o “alabê” e seus auxiliares,
que tiveram uma iniciação, tem o direito de tocá-los. Nos dias de festa,
os atabaques são envolvidos por largas tiras de pano, nas cores do orixá
invocado.
Durante as cerimônias, eles saúdam, com um ritmo especial, a chegada
dos membros mais importantes da seita e estes vem curvar-se e tocar
respeitosamente o chão, em frente da orquestra, antes mesmo de saudar
o pai ou a mãe-de-santo do terreiro.
No caso de um desses atabaques ser derrubado ou cair no chão durante
uma cerimônia, esta é interrompida por alguns instantes, em sinal de
contrição.
Durante os toques de chamada, feitos no início da cerimônia, os atabaques
são abatidos sem acompanhamento de danças e cantos, o que contribui
para realçar, graças a essa ausência de elementos melódicos, a pureza
do ritmo associado a cada orixá. Em lugar de ritmos, podemos chamá-los
“ídeofones ou locuções musicais”.
O elemento melódico das músicas africanas destaca-se, no decorrer das
cerimônias privadas, no momento dos sacrifícios, oferendas e louvores
dirigidos as divindades diante dos “pejis”. São cantos sem acompanhamento
de tambores, ficando o ritmo, ligeiramente marcado por palmas. A melodia
é rigorosamente submetida as acentuações tonais da linguagem iorubá.
Os dois elementos, ritmo e melodia, encontram-se associados no decorrer
do “xirê”, quando os sons dos atabaques são acompanhados por cantos.
Antes de começar o “xirê”' dos orixás no barracão, faz-se sempre o “padê”,
palavra que significa “encontro” em iorubá: um encontro. principalmente
com Exu, o mensageiro dos outros deuses, para acalmá-lo e dele obter
promessa de não perturbar a boa ordem da cerimônia que se aproxima.
Uma vez terminada essa parte, todos se põem de pé, Mãos estendidas em
forma de saudação, enquanto a “iamorô” e as outras pessoas que tomaram
parte ativa no “padê” dançam por um momento, para honrar a memória dos
portadores de títulos desaparecidos.
Mais tarde, no início da noite, começa o “xirê”. Os “iaôs” começam por
saudar a orquestra e se prosternar aos pés do pai ou mãe-de-santo, executando,
em seguida, ao som dos atabaques danças para cada um dos orixás. O caráter
dessas danças é variado, ora agressivas, ora majestosas, ora graciosas,
ora atormentadas.
Para o conjunto dos fiéis, esses cantos e danças são formas de saudar
as divindades. Para os filhos-de-santo, consagrados a um orixá determinado,
quando chega a hora de evocar o seu Deus, a dança adquire uma expressão
mais profunda, mais pessoal, e os ritmos, pelos quais foram sensibilizados,
tornam-se uma chamada do orixá e podem provocar-lhes um estado de embriaguez
sagrada e de inconsciência que os incitam a se comportarem como o deus,
enquanto vivo.
O transe começa por hesitações, passos em falso, tremedeiras e movimentos
desordenados dos “iaôs”. Imediatamente ficam descalços, as jóias que
usam são retiradas, as calças são arregaçadas até o meio da perna. Depois
de alguns instantes, eles começam a dançar, possuídos pelos seus deuses,
com expressões faciais e maneiras de andar totalmente modificadas.
Os orixás são recebidos com gritos e louvores e, em seguida, fazem a
saudação aos atabaques, ao pai ou a mãe-de-santo, aos “ogãs” do terreiro,
sendo, finalmente, levados pelas “ekedis” ao “peji” do seu deus. Os
“iaôs” vestem-se então, com roupas características do seu orixá e recebem
suas armas e seus objetos simbólicos. Uma vez convenientemente vestidos,
todos os orixás encarnados voltam em grupo ao barracão, onde começam
a dançar diante de uma assistência recolhida. Xangô “pavoneia-se” majestosamente;
Oxum requebra-se; Oxossi corre, perseguindo a caça; Ogum guerreia; Oxalufã,
enfraquecido e curvado pelo peso dos anos, arrasta-se mais do que anda,
apoiando no se “paxorô”.
A diferença entre as cerimônias para os orixás na África e no Novo Mundo
decorre sobretudo, de que, na primeira evoca-se um só orixá durante
uma festa celebrada em um templo reservado para ele, enquanto que no
Novo Mundo vários orixás são chamados em um mesmo terreiro durante uma
festa. E ainda na África tal cerimônia é celebrada geralmente pela coletividade
familiar e um só elégùn é normalmente possuído. No Novo Mundo não existindo
essa coletividade familiar, o orixá tomou o caráter individual e acontece
que, durante uma mesma festa, vários “iaôs” são possuídos pelo mesmo
orixá, para a satisfação própria e a de todos aqueles que cultuam esse
orixá.
Parte Cinco - A Obra Fotográfica e o Sincretismo
Resumo:
O acervo deixado por Fatumbi inclui 6 mil negativos de extrema importância
na recuperação da memória africana na cultura brasileira e 40 livros.
Dentre elas, Orixás, analisa, como os santos Africanos ligaram-se aos
santos Católicos no fenômeno conhecido como Sincretismo. Nesta alegoria
o enredo homenageia as fotos e os textos de Fatumbi, e representam sua
análise sobre as relações Candomblé/Catolicismo.
Aprofundamento: Fatumbi publica a Bíblia do Candomblé: O livro “Orixás”
Para o antropólogo Gilberto Velho a obra legada por Fatumbi “é extremamente
importante na recuperação da memória africana na cultura brasileira”.
Pierre Verger morreu aos 93 anos, vítima de insuficiência cardíaca e
respiratória. O acervo deixado inclui 62 mil negativos e mais de 40
livros escritos e 3.500 espécies de plantas.
Começou a fotografar aos 30 anos, por ocasião da morte de sua mãe.
A compreensão do Sincretismo é um dos resultados mais importantes da
Obra de Fatumbi, pois os Santos do paraíso católico ajudaram os escravos
a lograr e a despistar os seus senhores sobre a natureza das danças
que estavam autorizados a realizar, aos domingos, quando se reagrupavam
em batuques por nações de origem. Vendo seus escravos dançarem de acordo
com os seus hábitos e cantarem nas suas próprias línguas, os senhores
julgavam não haver ali divertimento de negros nostálgicos. Quando precisavam
justificar o sentido dos seus cantos, os escravos declaravam que louvavam,
nas suas línguas, os santos do paraíso. Na verdade, o que eles pediam
era ajuda e proteção aos seus próprios deuses.
Para Fatumbi é difícil precisar o momento exato em que esse sincretismo
se estabeleceu. Parece ter-se baseado, de maneira geral, sobre detalhes
das estampas religiosas que poderiam lembrar certas características
dos Deuses Africanos.
Os santos católicos, ao se aproximarem dos deuses africanos, tornavam-se
mais compreensíveis e familiares aos recém-convertidos. É difícil saber
se essa tentativa contribuiu efetivamente para converter os africanos,
ou se ela os encorajou na utilização dos santos para dissimular as suas
verdadeiras crenças. Nos candomblés da Bahia as duas religiões permanecem
separadas, concebe-se os orixás e os santos católicos como de categoria
igual, embora perfeitamente distintos.
Com o passar do tempo, com a participação de descendentes de africanos
e de mulatos cada vez mais numerosos, tornaram-se eles tão sincera.mente
católicos quando vão a igreja, como ligados às tradições africanas quando
participam. zelosamente, das cerimônias de candomblé.
O Sincretismo determinado no Livro ‘Orixás” é:
Oladumaré
|
Deus
|
Orixás
|
Santos
|
Exu
|
Diabo
|
Ogum
|
Bahia: Santo. Antônio de Pádua
Rio: São Jorge
|
Oxóssi
|
Bahia: São Jorge
Rio: São Sebastião
|
Ossain
|
?
|
Orunmilá
|
?
|
Oranian
|
?
|
Xangô
|
São Jerônimo
|
Oiá-Iansã
|
Santa Bárbara
|
Oxum
|
Bahia: N. Sra. das Candeias
Recife: N. Sra. dos Prazeres
|
Obá
|
Santa Catarina
|
Iemanjá
|
N. Sra. da Imaculada Conceição
|
Oxumaré
|
São Bartolomeu
|
Obaluaê
|
Bahia: São Lázaro e São Roque
Rio: São Sebastião
|
Nanã Buruku
|
Sant’ana
|
Oxalá
|
Bahia: Senhor do Bonfim
|
Parte Seis: Fatumbi Iluminado encontra Oxalá
Resumo:
Jorge Amado diz que Fatumbi iluminou o Brasil. Sábias palavras. A expressão
de Luz é total: para guiar a humanidade no sentido de respeito e compreensão
às diferenças culturais, pois não existem povos certos ou errados. Precisamos,
como Fatumbi, compreender a grandeza das manifestações religiosas espalhadas
por todo o mundo e estabelecer as bases para um mundo melhor e fraterno.
Nascido a 4 de Novembro de 1902. em Paris, numa família rica, como Pierre
Verger, ele morreu em Salvador no dia 11 de Fevereiro de 1996 como Fatumbi
Oju Obá. Ele foi longe, mas está perto: “a morte é uma mera passagem
para a reencarnação, e por isso, é sempre motivo de festa.”. A festa
entre Fatumbi e Oxalá se dá na alegoria 6. Oxalá ou “Òrìsànlá ou Obàtálá”,
“O Grande Orixá” ou “O Rei do Pano Branco” ocupa uma posição única e
inconteste do mais importante orixá e o mais elevado dos deuses iorubás.
Foi o primeiro a ser criado por Olodumaré, o Deus Supremo. Òrìsànlá-Obàtálá
é também chamado Òrìsà ou Obà-Igbó, o Orixá ou o Rei dos Igbôs. Tinha
um caráter bastante obstinado e independente, o que lhe causava inúmeros
problemas.
Aprofundamento:
Òrìsànlá foi encarregado por Olodumaré de criar o mundo com o poder
de sugerir (àbà) e o de realizar (àse) razão pela qual é saudado com
o título de Alàábáláàse. Para cumprir sua missão, antes da partida.
Olodumaré entregou-lhe o “saco da criação”. O poder que lhe fora confiado
não o dispensava, entretanto, de submeter-se a certas regras e de respeitar
diversas obrigações como os outros orixás. Uma história de Ifá nos conta
como, em razão de seu caráter altivo, ele se recusou a fazer alguns
sacrifícios e oferendas a Exu, antes de iniciar sua viagem para criar
o mundo.
Òrisànlá pôs-se a caminho apoiado num grande cajado de estanho, seu
òpá osoró ou paxoró, o caiada para fazer as cerimônias. No momento de
ultrapassar as portas do além, encontrou Exu, que entre as suas múltiplas
obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos.
Exu, descontente com a recusa do Grande Orixá em fazer as oferendas
prescritas, vingou-se fazendo-o sentir uma sede imensa. Òrisànlá, para
matar sua sede, não teve outro recurso senão o de furar, com o seu paxarô,
a casca do tronco de um dendezeiro. Um. liquido refrescante dele escorreu:
era o vinho de palma. Ele bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado,
não sabia mais onde estava e caiu adormecido, roubou-lhe o “saco da
criação”, dirigiu-se a presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu achado
e lhe contar em que estado se encontrava Órisànlá. Olodumaré exclamou:
“Se ele está nesse estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!”
Quando Oxalá acordou não mais encontrou ao seu lado o “saco da criação”.
Desrespeitado, voltou a Olodumaré. Este, como castigo pela sua embriaguez,
proibiu ao Grande Orixá, assim como aos outros de sua família, os orixás
funfun, ou “orixás brancos”, beber vinho de palma e mesmo de usar azeite
de dendê. Confiou-lhe entretanto, como consolo, a tarefa de modelar
no barro o corpo dos seres humanos, aos quais ele, Olodumaré, insuflaria
a vida.
Por essa razão, Oxalá é também, chamado de Alàmórere, o “proprietário
da boa argila”. Pôs-se a modelar o corpo dos homens, mas não levava
muito a sério a proibição de não beber vinho de palma e, nos dias em
que se excedia, os homens saiam de suas mãos contrafeitos, deformados,
capengas, corcundas. Alguns, retirados do forno antes da hora, saiam
mal cozidos e suas cores tornavam-se tristemente pálidas: eram os albinos.
Todas as pessoas que entram nessas tristes categorias são-lhes consagradas
e tornam-se adoradoras de Orixalá.
Fatumbi é exemplo de luz
“A morte é uma mera passagem para a reencarnação, e por isso, é sempre
motivo de festa. Na África, as pessoas já nascem sabendo que irão reencarnar
depois da morte.” - dizia ele.
Nascido em Paris a 04 de Novembro de 1902, numa família rica. Fatumbi
morreu no dia 11 de fevereiro de 1996 na sua Salvador, Bahia.
Ele possuiu o raro do bom contacto humano, capaz de adaptar-se a várias
realidades e culturas sem menosprezá-las, ao contrário, vivenciando-as
de forma plena. Ele foi longe, praticando a simpatia e o desprendimento.
Um homem livre e disponível. O que explica seus ganhos. Um sábio iluminado.
Sábio e artista, Fatumbi sabia tudo sobre a África e o Brasil - baiano
exemplar, nos engrandeceu e iluminou. Belas palavras de Jorge Amado.
E a expressão usada “iluminou” é perfeita - Fatumbi é luz e esperança
para a convivência pacífica da humanidade pois o respeito cultural é
fundamental para a manutenção do belo mosaico humano mundial.
Biografia de Fatumbi
Pierre Fatumbi Verger Oju Obá nasceu Pierre Edouard Leopold Verger,
a 4 de Novembro de 1902, em Paris. Fotógrafo, etnólogo, babalaô francês,
costumava explicar os fatos de sua vida como conseqüência dos acasos.
Aos trinta anos o primeiro caso importante: tendo perdido todos os membros
da família e sem uma identidade mais profunda com o contexto social
em que vivia, decide então abandoná-lo. Com uma mochila e uma máquina
fotográfica, parte em busca de novas experiências e sobretudo do esquecimento
de tantas outras. Assim, deixa Paris em 1932 e segue para as Ilha do
Pacífico.
Durante quinze anos viaja por diferentes regiões do mundo, fotografando
o que lhe despertava interesse. Pouco a pouco, reúne uma preciosa documentação
sobre antigas civilizações em vias de desaparecimento, ou que sofriam
profunda transformação em suas tradições culturais. O exame deste material
já revela o talento do pesquisador.
Neste período conhece os Estados Unidos, Japão, China, Ilhas Filipinas,
Sudão (hoje Mali), Togo, Daomé (atual Benin), Nigéria, parte do Saara,
as Antilhas, México, Guatemala, Equador, Peru, Bolívia, Argentina e
Brasil. Além de repórter, foi também encarregado do laboratório fotográfico
do Musée d’Etnographie (hoje Musée de I’Homme), em Paris, correspondente
de guerra na China para a revista Life e encarregado de coletar documentos
fotográficos para o Museo Nacional; de Lima, no Peru.
Um segundo acaso importante precipita Verger definitivamente no campo
da pesquisa. E quando descobre a Bahia em 1946.
Trazido pela leitura de Jubiabá de Jorge Amado, apaixona-se pela cidade
e sobretudo pela gente que aqui vivia. Instala-se, e passa a conviver
intensamente com o povo. Desse convívio surge o interesse pela compreensão
da sua história e da sua cultura. Inicia uma incansável pesquisa sobre
o culto dos orixás e sobre as influências econômicas e culturais do
tráfico de escravos.
A partir daí, entre 1949 e 1979, faz sucessivas viagens entre a Bahia
e a Costa Ocidental da África, principalmente Benin e Nigéria. Visita
todo o reduto Iorubá do Novo Mundo. Intensifica suas investigações sobre
esta etnia, sua influência na cultura baiana e as ligações que estabelecem
entre si. A relação de Verger com a cultura negra aos poucos ultrapassa
o interesse cultural. Envolve-se profundamente com o candomblé’, onde
é aceito e iniciado e onde passa a exercer funções. Na Bahia é Ogã no
Opô Afonjá da finada Mãe Senhora e no Opô Aganju de Babino, em Lauro
Freitas. No Benin, foi iniciado como babalaô quando estudava a arte
adivinhatória de Ifá, recebendo o nome de Fatumbi - renascido pelo Ifá.
Como babalaô, teve acesso ao patrimônio cultural dos iorubás, sua mitologia
e sua botânica aplicada à terapêutica e à liturgia dos cultos de possessão.
Verger consolida, como repórter fotográfico, um importante trabalho
histórico e etnográfico. Sua observação arguta o despojamento às vezes
austero dos bens materiais, sua humildade intelectual e sua sabedoria
humana - baseada na simplicidade, no respeito e na verdade - certamente
facilitaram sua tarefa.
Em 1966,o percurso e o talento da obra de Verger são oficialmente reconhecidos
pela ciência: A Universidade de Paris, através de Sorbonne, lhe confere
o título de doutor, embora tenha Verger abandonado. os estudos acadêmicos,
ainda no liceu, aos dezessete anos.
Viveu na Bahia. onde continuou incansável trabalho sobre sua documentação
colhida durante trinta e quatro anos de investigações. Concentrou-se
na divulgação de sua obra, preparando livros ou artigos para revistas
e conferências. atendendo às solicitações que chegavam de diversas partes
do mundo.
Pierre Fatumbi Verger Oju Obá foi mesmo homem “livre e disponível” do
qual falava seu amigo Théodore Mond. Fiel à sua escolha, seguiu no exercício
profundo e correspondente da solidão e da liberdade. Morreu em Salvador,
no dia 11 de fevereiro de 1996.
Títulos:
-
Doutor em estudos africanos pela Faculté des Lettres et
Sciences Humaines de L’Universté de Paris - Sorbonne
-
Membro correspondente do Musé National d’Histoire Naturelle
de Paris
-
Diretor aposentado de pesquisa do Centre National de la
Recherche Scientifique - CNRS - Paris
-
Ex-Professor visitante da University of Ifé - Nigéria
-
Ex-Professor visitante da Universidade da Bahia.
Alguns dos livros Publicados
-
South Sea Islands - Routlege, Londres - 1937
-
Mexique - Paul Hartmann, Paris – 1938
-
Fiesta y danzas en el Cuczo y en Los andes – Editorial Sudamérica, Buenos
Aires - 1945
-
Incas of Peru – Pocahontas Press, Chicago - 1950
-
Brésil-Paul Hartman, Paris - l951
-
Congo Belge - Paul Hartman, Paris - 1952
-
Dieux d’Afrique - Paul Hartman, Paris - 1954
-
Bahia de tous les Poêtes – Guide de Livre Lausanne - 1955
-
Indiens pas morts - Delpirc, París - 1956
-
L’influence du Brésil au Golfe de Bénin - Memória no 27 do Institut
Français pour l’Afrique Noire - IFAN, Dakar – 1953
-
Notes sur le culte des orisha et vidoun à Bahia, la Baie de Tous les
Saints au Brésil et à L áncienne Côte des Esclaves Memória no 51 do
Institut pour l’Afrique Noire - IFAN, Dakar – 1957
-
Cuba - Paul Hartman, Paris – 1968
-
Stories of Orishas - Scholrs Press, Ibadan - Nigéria - no prelo
-
Retratos da Bahia - Editora Corrupio, Bahia, Brasil – 1981
-
Oxossi, o caçador - Editora Corrupio - Bahia – 1981
-
Notícias da Bahia - 1850 - Editora Corrupio - Bahia – 1981
-
Orixás – Editora Corrupio - SP – 1981
-
Ewé - Ed. Companhia das Letras - SP - 1995
Filmes:
-
Les mollécules sacrés - realizado por Jean Lalier e Monique Toselo para
a ORTF – 1971
-
Africains du Brésil et brésiliens d’Afrique - realizado com a participação
de Yannick Bellon para a ORTF – 1975
-
Tempo Rei – Realizado por Gilberto Gil para a TVA - 1995
Ilha do Governador, Março de 97
Milton Cunha
|