Parintins, a ilha do Boi-Bumbá: Garantido
e Caprichoso
Bem
vindos a Parintins. a Ilha Encantada.
As
“gaiolas”. as “chatinhas” e os “vaticanos” vão aportando suavemente.
Vindos
de todos os lugares. os visitantes vão se aproximando da proa atraídos
pela algazarra dos “Brincantes”, que dão boas vindas com alegres toadas.
Estamos
a 420 Km de Manaus.
A
emoção da chegada nos deixa sentir o pulsar do pulmão do mundo. E neste
clima tomamos conhecimento da figura de DINAHÍ, a “mãe d’água”: exuberante
morena, que segundo a lenda emergiu do fundo das águas, trazida por
uma enorme serpente. Seu corpo sensual é metade mulher, e outra metade
peixe. Ela é protetora dos rios, e também uma suave deusa que abre as
portas deste mundo mágico que agora vamos penetrar.
“O jardim do paraíso”
A
ilha de Parintins foi chamada primeiramente de Tupinan-Barana. Era habitada
pelos guerreiros Parintintins, pelos Tupinambás, pelos Maués e Sapupés.
Antes
do descobrimento oficial do Brasil, em 1496 um vendaval obrigou uma
pequena caravela comandada pelo capitão Armendoriz de Cordoba a procurar
abrigo nesta ilha.
Não
fosse a exuberância selvagem do local, esta parada seria apenas um fato
rotineiro a ser descrito no diário de bordo.
Os
botes foram arriados e os marujos remaram ansiosos, atraídos pelo perfume
das exóticas flores. Após tanto tempo no mar, esta terra virgem os entorpecia,
fazendo-os cada vez mais embrenharem-se pela mata: abateram animais
que nunca dantes haviam visto, colheram frutos de raros sabores, se
surpreenderam com uma fonte cristalina, onde se banharam, supondo ser
a fonte da juventude.
De
repente o canto das águas foi cortado pela batida dos tambores selvagens.
Os visitantes logo aperceberam-se que centenas de olhos os observavam.
Imediatamente guerreiros indígenas surgem contrastando minúsculas tangas
e corpos pintados com as formais vestimentas européias. O encontro foi
desprovido de agressividade de ambas as partes.
Pôde-se
logo distinguir o chefe dos índios, que indicou para seguirem em direção
dos tambores.
Por
uma alameda ladeada de flores, chegaram a um povoado. De pronto avistaram
rapazes e moças de cabelos negros e sedosos, crianças que corriam alegres
e velhos que socavam em pilões a mandioca ou trabalhavam no tear.
Grandes
vasos com pinturas geométricas apresentava uma nova estética aos convidados,
que logo perceberam estarem diante de uma solenidade: era a cerimônia
do MUIRAQUITÃ, troféu que as CUNHATÃS (mulheres jovens amazonas) entregariam
aos rapazes perpetuando o amor eterno.
Uma
cerimônia de rara beleza que emocionou até o mais rude marujo ali presente.
Hoje,
depois de muitos séculos, mais uma vez os rituais desta Ilha voltam
a encantar ao homem branco.
Lendas e mistérios da
Ilha
O
ritmo das toadas continua por toda a cidade engalanada de azul, vermelha
e branca. Neste cenário mágico os caboclos vão narrando antigas lendas
da região.
Com
ênfase vão descrevendo CURUPIRAS e CAIPORAS, onças pintadas e bolos
sedutores. Ouvimos adorações a TUPÃ, Deus dos trovões e MONÃ o Deus
supremo.
Aprendemos
a origem do guaraná derivada da tribo SATERÊ-MAUÉ, que segundo a lenda
nasceu das terras sagradas onde foi enterrado CERRA-IWATÓ, o guerreiro.
Com
convicção nos falam de ervas milagrosas, de serpentes mágicas e nos
ARUANÃ, peixes que se transformam em índios, os KARAJÁS.
Este
mundo de tão ricas imagens nos leva a sonhar acordado vendo girar ao
nosso redor todos esses incríveis personagens.
O fascínio do Boi
Ê - Boi, oi vaqueiro,
traz meu boi prá brincar!
É - ê, oi vaqueiro, traz meu Boi prá dançar!
(Silvio Camaleão)
Aqui
na Ilha a figura do Boi, está por toda parte. Me reporto ao tempo de
menino sendo embalado por uma canção que falava: “Boi da cara preta,
pega esse menino, que tem medo de careta.”
O
Boi desde o inicio da humanidade se faz presente em todas as culturas.
Aqui na festa de Parintins, ele, o personagem principal, mais uma vez
será imolado e exaltado. Nesta euforia, que antecede a grande festa
fazemos uma reflexão sobre algumas manifestações populares onde o Boi
é a grande estrela.
No
antigo Egito o Boi representava a reencarnação de Osíris, o Deus da
criação, que era chamado de “Boi Apis”. Segundo o mandamento do Deus
RÃ, era sacrificado em substituição a seres humanos.
Já
na Grécia a mitologia nos mostra os Bois como motivo de bravura para
seus heróis. O Deus dos Oceanos, Posseidon, fez emergir das profundezas
do mar o touro branco de Creta. Este touro deveria ser sacrificado em
sua honra, por Minus o rei de Creta. Porém, o sacrifício não ocorreu
ocasionando a maldição da criatura com cabeça de touro e corpo de homem,
o Minotauro.
A
figura bovina na Índia aparece em clima de adoração e respeito. Em grande
pompa as vacas sagradas atravessam as cidades cobertas com mantos bordados
de pedrarias. São perfumadas e incensadas.
O
povo prefere morrer de fome a sacrificá-las.
Na
Espanha todas as semanas, milhares de pessoas se reúnem na praça principal
para assistir a um duelo.
O
encontro do touro e do toureiro, que já inspirou inúmeros artistas,
garante o sucesso do espetáculo.
Trazidos
pelos portugueses no século passado, o “Boi” chega ao nordeste assumindo
suas características. Invadiu Pernambuco, o Ceará e o Maranhão, vestindo
as alegres cores das frutas típicas.
A
febre da borracha no final do século passado atraiu muitas pessoas para
o Amazonas, e com ele seguiu o “auto” do “Boi”.
Saindo
nesta colorida ciranda em que o Boi foi visto de diversas maneiras,
vamos de encontro a nossa meta principal, que é festejar o “BOI” mais
adorado do Brasil: - O “BOI BUMBÁ”!
Garantido e Caprichoso
O
surgimento desses “Bois” no início do século é narrado de diferentes
formas. Qualquer que seja porém, a origem não desmerece nem um nem outro.
Ao
final do mês de maio tem início um verdadeiro mutirão, que visa deixar
tudo enfeitado de vermelho, branco e azul, cores do “Boi” Garantido
e do “Boi” Caprichoso.
Desde
então a cidade fica dividida em dois “currais”, como é chamado o local
onde ensaiam.
Apesar
da competição o objetivo principal é difundir o folclore Parintinense
e a cultura Amazônica.
Por
isto, todo ano uma série de atividades artísticas e culturais engrandece
cada vez mais a imagem do Amazonas no âmbito nacional e internacional.
A
festa do “Boi” tem sua apresentação mais exuberante nos dias 28, 29
e 30 de junho. Nesses dias todas as atenções se voltam para os “Bois”
GARANTIDO e CAPRICHOSO, que há 80 anos empolgam toda a Ilha.
A
apresentação dos grupos é feita para um público de mais de 35 mil espectadores,
exultantes com as toadas que cantam lendas e tradições da região.
O
Bumbá ganhou tanta força que foi necessário construir para sua apresentação
o “Bumbódromo”. como é chamado o popularmente conhecido anfiteatro Amazonino
Mendes.
Apesar
de respeitar as tradições e os mitos, o “Bumbá” está sempre em constante
evolução.
Esta
manifestação popular não é Carnaval, nem Axé, nem Maracatu. Nem propõe
a ser uma autêntica dança indígena.
O
que é certo é que nesta Festa todos tremem de emoção.
Tanto
o “Boi” Garantido, como o “Boi” Caprichoso, trazem cerca de 5.000 “brincantes”.
Algumas
das principais figuras obrigatórias e quesitos são:
-
Apresentador:Mestre
de cerimônias, esboça com sua saudação aos guiados, convidados e
galera os contornos do grande espetáculo, contagia a galera com
sua alegria, fazendo o coração de cada brincante bater mais forte
e chama para o centro da Arena o Levantador de Toadas.
-
Levantador de Toadas:
É o intérprete oficial da agremiação.
-
Batucada: A batida
dos seus instrumentos se caracteriza por uma cadência específica
no compasso 2/4.
-
Ritual: Uma apresentação
de um conjunto de práticas consagradas pelo uso e/ou normas e/ou
mitos que devem ser observados de forma invariável em ocasiões determinadas
no caso rituais indígenas.
-
Porta-estandarte: Baila
com o estandarte de sua agremiação.
-
Amo do Boi: Expressa
sua musicalidade em versos improvisados. Representa o patrão da
Fazenda.
-
Sinhazinha da Fazenda:
Ela representa a ascensão do ciclo do couro, a colonização e a influência
espanhola, portuguesa e francesa na Amazônia. Sua indumentária,
é tradicionalmente inspirada no século XVI.
-
Rainha do Folclore:
A rainha acompanha a figura típica regional do período da ascensão
da borracha que foi a riqueza por muitos anos na Amazônia.
Sua indumentária simboliza o Seringueiro e o seu nobre oficio.
-
Cunhã-Poranga: A moça
mais bonita da tribo. Ilumina com sua presença o espetáculo e o
desfecho do Ritual.
-
Boi-Bumbá: E a evolução
do Boi (a pessoa que faz esta evolução é chamado de Tripa).
Toada: E a musica que cada agremiação escolhe para ser julgada como
o grande representante dentre todas toadas cantadas no Bumbódromo.
-
Pajé: Ele é o elo entre
o mundo dos mortos e dos vivos. Do bem e do mal, da saúde e da enfermidade,
do instinto humano e animal. Do céu e da terra.
O Pajé em si já representa os quatro elementos. Seus pés evocam
o elemento terra ao dançar. A lança ou maracá em suas mão chamam
os ventos quando posto em movimento. O suor é o elemento água e
o calor que emana do seu corpo é o fogo.
-
Tribo Indígena Masculina:
Representa uma determinada tribo escolhida para ser retratada, observando
sempre suas características originais, costumes, hábitos, dança,
etc. Sua localização e sua origem.
-
Tribo Indígena Feminina:
Representa uma determinada tribo escolhida para ser retratada, observando
sempre suas características originais, costumes, hábitos, dança,
etc. Sua localização e sua origem.
-
Tuxaua Luxo: Caracteriza
o líder da tribo sob o aspecto da indumentária luxuosa.
Tuxaua Originalidade: Caracteriza o líder da tribo sob o aspecto
da indumentária original com material natural da região.
-
Figura Típica Regional:
Representa um tipo humano associado sempre a uma atividade econômica
regional: Ex.: Pescador, seringueiro, etc.
-
Alegorias: São estruturas
artísticas que dão suporte ao cenário que se pretende retratar.
Lenda Amazônica: Ilustrando as raízes da Amazônia e as histórias
que passam de pai para filho.
-
Vaqueirada: A guardiã
do Boi entra na Arena com seu bailado tradicional.
-
Galera: Torcida que
participa, criando um monumento vivo, um único corpo, um só coração.
Coreografia e Organização: Arte de compor um bailado em consonância
com os ritmos.
O
“Boi” Garantido é conhecido como o do povão da baixa do São José e tem
como símbolo um coração vermelho.
O
“Boi” Caprichoso é o Diamante Negro e tem como símbolo uma estrela solitária
azul.
Em
virtude da rivalidade referem-se ao concorrente como o “contrário”,
não citando assim o nome da agremiação.
Nesta
disputa a criatividade dos artistas faz surgir nos QGs.. como são conhecidos
os ‘Barracões”, verdadeiras obras de arte.
Os
materiais rústicos da região. a palha, o cipó. as folhas secas. transformam-se
em ricos personagens de conto de fadas. Penas multicores decoram imensas
alegorias que bailam no espaço desafiando a gravidade.
As
estórias desses deuses indígenas é aqui representada com esmero e apoio
da mais moderna tecnologia.
Neste
quadro feérico o “Boi” desafia a todos com irreverência e brejeirice,
narrando a sua ressurreição após ter sido morto.
O
canto do Boi-Bumbá é um ritmo afro-brasileiro, mistura de carimbó e
samba, marcha e cateretê.
As
luzes e cores encantam ao público, quando Garantido e Caprichoso contam
estórias de suas histórias.
Misturam
o sonho e a realidade nesta acirrada competição, cujo maior vencedor
será sempre a própria cultura, que se vê viva e protegida.
A confraternização
No
esplendor da euforia vermelha, azul e branca, da distante Ilha, sai
para o mundo uma mensagem de vida e de arte: é o homem simples do Amazonas,
autodidata por excelência, que libera sentimentos para mostrar suas
alegrias e lamentos. Garantido e Caprichoso dão às mãos para mostrar
a todos a força desta ópera amazônica.
Esta
grande emoção só é superada quando param a batida da toadas e todos
se calam para ouvir o canto do UIRAPURU, o solista da floresta.
Agradecimentos:
A
Simão Assayag. com valiosa colaboração através do seu livro “BOI-BUMBÁ”
festa, andança, luz e pajelanças.