Anarquistas Sim, Mas Nem Todos
A
Itália, geográfica, histórica e culturalmente herdeira do glorioso Império
Romano, é o berço da civilização moderna. Sua projeção estende-se a
todo o globo terrestre, e o Brasil é um dos maiores herdeiros dessa
civilização, seja através da língua mãe, do sangue latino, da religião,
do Direito e da Justiça, ou da cultura peninsular trazida pelos italianos
que para cá imigraram.
Repartindo
conosco parte daquilo que criaram através de século de sua existência,
em todos os campos da atividade humana, eles contribuíram extraordinariamente
para o nosso desenvolvimento material e espiritual, moldando-se um pouco
à sua feição. A imigração italiana no Brasil se distingue em duas classes:
a primeira, constituída de agricultores, se dirigiu ao Sul do Brasil
e a São Paulo; a segunda, composta de imigrantes menos visíveis, por
terem chegado em pequenos contingentes ou isolados, trouxe um pouco
de cada elemento necessário à vida nos centros urbanos – operários,
artesãos, comerciantes, industriais, professores e artistas.
Colonos Italianos no Sul do Brasil
Desde
1808 D. João VI havia criado um decreto que permitia a qualquer estrangeiro
ser proprietário de terras no Brasil, o que até então era proibido.
Atraídos
pelas promessas de transporte, instrumentos agrícolas, animais e semente,
milhares de italianos migraram para o novo mundo, repleto de possibilidade.
O Brasil era a terra da Promissão, o Éden do bem-estar e da fartura.
As terras do Sul eram quase desabitadas e inóspitas, mas a semelhança
climática com a Itália atraiu os peninsulares, que ali desenvolveram
a agricultura, demonstrando grande capacidade técnica. Era surgir a
necessidade e punha-se a criatividade em ação. Aproveitando centenas
de riachos do solo montanhoso, puseram a girar, através de roda d’água
os primeiros moinho, industrializando trigo o milho na mais rústica
mecanização. Assim fizeram a primeira farinha para a polenta. Com sua
fé inabalável espalharam milhares de capelinhas pelo sul do Brasil e
cultivaram as tradições da terra mãe, a Itália.
Na
colonização do Paraná tem particular importância a Colônia Cecília,
implantada em 1880, com o propósito de criar uma sociedade anarquista,
sem leis, sem religião, sem propriedade privada, onde a família fosse
constituída da forma mais humana, assegurando a todos os mesmos direitos
civis e políticos. Seus objetivos não foram concretizados, mas a Colônia
Cecília tornou-se um mito na história social brasileira. Ali desenvolveram
a civilização da madeira, implantando pequenas indústria de pratos,
talheres, bacias, móveis, carroças, construindo suas casas e esculpindo,
rusticamente as imagens para o culto.
A cultura
da uva foi disseminada em todos os estados do sul, mas a sua industrialização
assumiu maior importância do Rio Grande do Sul, através da colônias
italianas de Garibaldi, Bento Gonçalves, Santa Maria e Caxias do Sul,
onde surgiu a indústria de vinhos de Luís Michelon Filho. Em Caxias
do Sul os peninsulares celebram a famosa Festa da Uva, mantendo viva
a tradição que tem origem nos antigos rituais pagão da Roma Antiga.
Os Italianos em São Paulo
Na
segunda metade do século XIX, o Brasil à crise do regime escravocrata,
necessitava substituir a mão-de-obra escrava na lavoura de café, principal
fonte de renda do país. A rápida expansão cafeeira pelo oeste de São
Paulo fez com que milhares de imigrantes italianos demandassem às fazendas
de café do planalto, de terras férteis e avermelhadas. Espantados com
a cor da terra, os italianos diziam que era “rossa”, que em italiano
quer dizer vermelha. Devido a semelhança da pronúncia entre “rossa”,
e roxa, tornou-se comum chamar esse tipo de solo de “terra-roxa”. A
mão-de-obra italiana foi o sustentáculo da cultura cafeeira do Brasil,
onde alguns peninsulares fizeram fama e fortuna, com Geremia Lunardelli,
o :”Rei do Café”.
Alguns
italianos fixaram-se nas cidades, tornando-se agentes da industrialização
ou comércio, ou trabalhando como operários.
A indústria
era uma atividade promissora no Brasil, e alguns imigrantes familiarizados
com as máquinas e técnicas de produção. Era um tempo de pioneiros, em
que o estabelecimento de uma fábrica podia gerar a criação de complexos
industriais poderosos. Dados de 1900 sobre a indústria do Estado de
São Paulo acusavam a existência de 30 indústrias pertencentes a italianos.
O Conde
Francesco Matarazzo funda um vasto império industrial, que compreende
fábricas de banha de óleo, tecelagens, refinarias de açúcar e trigo,
destilarias de álcool, frigoríficos e fundição.
Alexandre
Siciliano, chegado ao Brasil em 1869, controlava no início do século
XX, um complexo industrial que incluía uma das maiores indústrias metalúrgicas
do país, as Fábricas de Tecidos Brasital e a Central Açucareira Dumont.
Nicolau
Scarpa fundou no Bráz, o Cotonifício Scarpa S. A Victor Civita cria
uma das mais importantes editoras brasileiras, a Abril S. A Cultural.
Américo
Emílio Romi fundou em Santa Bárbara do Oeste a maior fábrica de tornos
do país, a Indústria Romi S. A, que produziu as primeiras máquinas agrícolas,
o primeiro trato, e o primeiro automóvel nacional, a Romi-Isetta.
Pelas chaminés
dessas fábricas sai uma espessa fumaça, que espalha pela cidade uma
atmosfera definitivamente moderna.
São Paulo
se transforma numa metrópole, e ganha o primeiro arranha-céu da América
Latina, o prédio Martinelli, construído pelo fundador da CIA. de Navegação
Lloyd Brasileiro, Giuseppe Martinelli.
Pelas ruas
da cidade trafegam automóveis Alfa Romeo, Ferrari, os Lancia de Nápolos
e os Fiat de Torino, com pneus Pirelli.
Ernesto
Gattai e Chico Landi se destacam como automobilistas. Os imigrantes
fundam os bairros do Bráz e do Bexiga, tipicamente italianos, onde mantém
viva a esperança peninsular, como culto a Nossa Senhora de Achiropita,
quando as melhores colchas e tapetes enfeitam a rua para homenagear
a santa.
As mammas
preparam o macarrão, o nhoque, o ravioli, a pizza e a linguiça calabresa,
cantando árias de óperas. A arquitetura típica dos italianos foi misturando
aos modismos do início do século, formando um estilo “macarrônico”.
A
cidade já contava, no início do século, com dois bancos: A Casa Bancária
e Industrial Crespi e Rigolo, fundada em 1899, e o Banco Comercial Italiano,
fundado por Puglisi Carbone em 1900.
Em 1904
foi fundado o “Palestra Itália”, que devido aos acontecimentos da Grande
Guerra, mudou seu nome para Sociedade Esportiva Palmeiras.
Em
1929, em terço dos habitantes de São Paulo era constituídos por italianos.
Além de
industriais, eles são sapateiros, jornaleiros, alfaiates, joalheiros
e também donos de armarinhos.
Os Italianos no Rio de Janeiro
No
dia 3 de setembro de 1843, desembarca no Rio de Janeiro, Dona Tereza
Cristina de Borboen, filha do Rei das Duas Sicílias. No mesmo dia a
princesa italiana caso-se com D. Pedro II, tornando-se Imperatriz do
Brasil. Com o séquito da princesa vieram artistas e professores italianos.
Ângelo Fiorito, Mestre de Capela do Imperador Pedro II, foi professor
de Música no Conservatório do Rio de Janeiro, que contava ainda com
outros professores italianos: Luigi Ellena, violinista, La Gemma Luziani,
pianista, Briani, mestre de canto e La Rosa, violinista. O doutor Luigi
Vicenzo de Simoni di Genoa, foi professor de Latim e italiano no Colégio
Imperial D. Pedro II e um dos dezessete fundadores da Academia de Medicina.
O napolitano
Alessandro Cicarelli foi professor de desenho da Imperatriz. Em 1849
chegou o pintor Nicollo-Antônio Facchinetti, senhor da técnica primorosa
que retratou com minúcias de documentalista a paisagem brasileira. Por
influência de D. Tereza Cristina, o Imperador enviou para a Itália o
jovem maestro Carlos Gomes, incentivando a criação da Ópera Nacional
Brasileira . sofrendo o influxo da Escola Romântica de Giuseppe Verdi,
Carlos Gomes compõe, entre várias óperas, II Guarani e Lo Schiavo, cantadas
em italiano, aclamadas e consagradas no mais famoso teatro da Itália,
o Alla Scala de Milão.
Domênico
e Cesare Farani, ourives e joalheiros se estabeleceram na Rua dos Ourives,
59, entre a Rua Sete de Setembro e a Rua do Ouvidor. Fornecedores da
Casa Imperial, de sua joalheria saíram a espada de honra e a coroa dadas
com prêmio de guerra ao Conde D’Eu e ao Duque de Caxias. O fotógrafo
L. Musso tinha atelier na Rua da Carioca e era o preferido da alta sociedade.
Paschoal
Segretto, a princípio, distribuidor de jornais e revista, abre o Salão
de Novidades, na Rua do Ouvidor, a Maison Moderne e a Empresa Teatral
Paschoal Segretto, com os teatros Carlos Gomes, São José e Padiglione
Internazionale.
Na República,
a cidade do Rio de Janeiro passou pela remodelação promovida por Pereira
Passos. No Concurso Internacional de Fachadas para a Avenida Centra,
entre 107 concorrentes, o vencedor foi o projeto do italiano Antônio
Januzzi. Sylvio Rbecchi constrói os pavilhões da Bahia e Minas Gerais
para a exposição de 1908.
Giuseppe
Martinelli fundou em 1917 a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro.
Artes Plásticas
O
primeiro registro da presença de artistas italianos no Brasil, refere-se
à chegada do arquiteto Antônio José Landi à Belém do Pará, em 1753.
Ele foi o introdutor do estilo neoclássico no país, construindo naquela
cidade o maior edifício civil do período colonial, Palácio dos Governadores
de Belém. São de sua autoria os projetos dos hospital militar e as mais
importantes igrejas da capital.
O neo-classissismo,
movimento intelectual surgido na Itália nos fins do século XVII que
preconizava o retorno ao classissismo na arte, foi o estilo oficial
no Brasil império. No início da República, alguns artistas italianos
se destacaram no cenário nacional, entre eles os irmãos Henrique e Rodolfo
Bernardelli e Eliseo Visconti, autor das pinturas da cúpula central
do Foyer do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
O movimento
Modernista Brasileiro contou com a participação do poeta Menotti Del
Picchia, da pintora Anita Malfatti e do escultor Vitor Brechret, autor
do magnífico Monumento às Bandeiras em São Paulo. Em torno do Ateliê
de Francisco Rebolo é criado o grupo Santa Helena, composto por imigrantes
ou filhos de italianos: Francisco Rebolo, Mário Zanini, Humberto Rosa,
Fulvio Pennacchi, Aldo Bonadei, Clovis Graciano, Alfredo Pizzoti e Volpi.
Cândido
Portinari dominou o cenário brasileiro como o mais intenso e impressionante
pintor do país.
A convite
de Assis Chateaubriand, Pietro Maria Bardi troca a Itália pelo Brasil,
para fundar e dirigir o Museu de Arte de São Paulo. A arquiteta Lina
Bobardi assina os projetos do MASP e do Sesc Pompéia.
Por
iniciativa do industrial e Mecenas Francisco Matarozza Sobrinho e de
Pietro Maria Bardi é criada a Bienal de Arte de São Paulo, em 1951.
No cenário
das artes plásticas, brilham nomes Pancetti, Maria Nonomi, Pietrina
Checcacci, Iberê Camargo e Cláudio Tozzi.
Teatro
Os
espetáculo teatrais do Brasil durante o século XIX eram marcados pela
presença de companhias estrangeiras. Passando a fase das companhias
francesas, o Rio de Janeiro foi invadido e dominado pela ópera, tornou-se
o bel canto mania nacional. Essa paixão facilitou, sem dúvida, a triunfal
recepção dada aos atores e elencos italianos que nos visitaram na virada
do século. A mais famosa diva italiana foi a condessa Bezanssonni Lage.
A partir
de 1914 inicia-se a fase ítalo-brasileiro através da integração do imigrante,
com dramaturgia eminentemente regional. À contribuição dramática e o
modo de encenação, acrescenta-se, ainda, a revelação de alguns grande
intérpretes como Itália Fausta, fundadora do primeiro sindicato de atores
do país, no Rio de Janeiro.
O Teatro
Brasileiro de Comédia nasceu do desejo do engenheiro italiano Franco
Zampari de dar aos amadores de São Paulo um local de trabalho.
Sob o comando
de Adolpho Celi, Luciano Salce, Ruggiero Jacobi e Gianni Ratto, o TBC
chegou a reunir em seu elenco cerca de 30 atores, futuras estrelas dos
palcos brasileiros: Cacilda Becker, Madalena Nicol, Cleyde Yáconis,
Tonia Carreiro, Nydia Lycia, Maria Della Costa, Tereza Rachel, Fernanda
Montenegro, Nathália Thimberg, Paulo Autran, Sérgio Cardoso, Walmor
Chagas, Jardel Filho, Juca de Oliveira, Luiz Linhares, Gianfrancesco
Guarnieri e Ítalo Rossi. Nos palcos encenam-se textos de Pirandello.
Cinema
A
primeira sala de cinema no Brasil foi o Salão de Novidade, aberto por
Paschoal Segretto na Rua do Ouvidor 141. No dia 19 de junho de 1898,
Alfonso Segretto filmou as primeiras vistas da Baía de Guanabara, a
bordo do navio Brésil. Nascia o cinema brasileiro.
Giuseppe
Labanca criou em pleno centro do Rio de Janeiro o primeiro estúdio cinematográfico
do país onde foram feitos cerca de 100 filmes.
Vitória
Capellaro foi muito importante na fase pioneira do cinema brasileiro,
criando uma obra autenticamente nacional, como o Guarani, o Cruzeiro
do Sul, Iracema, Garimpeiro e o Caçador e Diamantes, realizados em 1915
e 1935.
Franco Zampari,
desejoso de instalar em São Paulo um estúdio semelhante aos de Hollywood,
fundou em 1049 a Cia. Cinematográfica Vera Cruz. Em seus cinco anos
de existência, produziu O Caiçara, de Adolpho Celi e O Cangaceiro, de
Lima Barreto entre uma vintena de filmes.
Igino Bonfiglioli,
italiano radicado em Belo Horizonte, foi o pioneiro do cinema mineiro.
Filho de
um romano, amacio Mazzaropi nasceu no tradicional gueto dos italianos
em São Paulo, a Barra Funda. Estrelou e dirigiu vários filmes de enorme
sucesso popular, mas seu maior êxito foi ”Uma Pistola Para Djeca”, de
1970, paródia dos “Western Spaghetti” italiano, e maior bilhete da história
do cinema nacional até aquele ano.
O Circo
Antiga
tradição italiana, o circo, tal como é conhecido hoje, é fruto da evolução
dos antigos espetáculos públicos realizados no Coliseu de Roma. O palhaço,
personagem mais antigo do teatro italiano faz a alegria de adultos e
crianças. Ele chegou ao Brasil no Século XIX e nunca mais saiu de cena.
Algumas das companhias mais conhecidas pertencem a italianos: Orlando
Orfei, Gran Bartollo Circo etc.
O Carnaval
Festa
mais popular do Brasil tem seu nome derivado da palavra italiana Carnevale.
De Veneza herdamos a tradição do baile de máscaras e a batalha de confetes.
Pierrôs, arlequins e colombinas dão charme especial aos bailes e cortejos
carnavalesco. E nesse reino anarquista de Mono, a única lei á a da liberdade
e da alegria, que faz pulsar mais forte o corações salgueirense.
Abram alas
que o Salgueiro vai passar!
Fábio Borges |