FICHA TÉCNICA 1989

 

Carnavalesco     Luiz Fernando Reis e Flávio Tavares
Diretor de Carnaval     ..............................................................
Diretor de Harmonia     ...............................................................
Diretor de Evolução     .............................................................
Diretor de Bateria     ................................................................
Puxador de Samba Enredo     Rixxa
Primeiro Casal de M.S. e P. B.     ................................................................
Segundo Casal de M.S. e P. B.     ................................................................
Resp. Comissão de Frente     ................................................................
Resp. Ala das Baianas     ................................................................
Resp. Ala das Crianças     ................................................................

 

SINOPSE 1989

Salgueiro – Templo negro em tempo de consciência negra

1) Introdução:

            “Nem melhor, nem pior, apenas uma escola diferente”, essa frase define muito bem o Salgueiro, sempre arrojado e marcante, original e atrevido, verdadeiramente uma escola forte, livre e solta, comprometida com seu tempo e nele pioneira, sempre surpreendente e inovadora, e é assim que desejamos no carnaval de 1989, livre e soberana em seu estilo, transmitindo liberdade e resistência.
            Quando todos lembraram o negro em 1988, nós do Salgueiro só faremos em 1989, não apenas por sermos diferentes, também por que nos parece que o movimento negro, a luta não se finda em 88, ela é maior que o centenário dessa dita liberdade, dessa falsa abolição. É importante que essa chama não se apague e que no 101°, 102°, 103° ano da libertação dos escravos ainda se clame liberdade, ainda se proclame igualdade entre negros, mulatos e brancos.
            Por isso dizemos que o Salgueiro é atrevido, arrojado e diferente, pois quando essa chama de luta começar a arrefecer nós a avivaremos, a reacenderemos com nosso evoluir, cantar e dançar em: Salgueiro – Templo negro em tempo de consciência negra

2) Histórico:

            Nosso enredo basicamente se divide em duas partes, ou como queiram em dois quadros; que são:

1° Quadro: Salgueiro – Templo Negro
2° Quadro: Salgueiro – Em tempo de consciência negra

Os expliquemos mais detalhadamente:

1° Quadro: Salgueiro – Templo Negro

            Como o próprio enredo título sugere retrataremos o Salgueiro, enquanto a escola pioneira, e a que mais fortemente emoldurou a temática africana, a temática negra, a negritude enfim. Ao todo foram nove enredos negros; os recordemos:

1957 – Navio Negreiro – Já se mostrando diferente vem o Salgueiro com o enredo “Navio Negreiro” – pioneiro na temática negra, apesar de seu personagem principal ter sido Castro Alves, autor do poema “espumas flutuantes”, já era uma livre abordagem da crueldade escravacionista.

1960 – Quilombo dos Palmares – Mesmo marcante em nossa história os quilombos nunca foram nela claramente abordados, e eis que o arrojado e pioneiro Salgueiro transforma em enredo, o maior e mais importante deles – o quilombo dos Palmares, pela primeira vez um negro – Zumbi – é personagem principal de um enredo, acontece aí o primeiro campeonato, se bem que com mais quatro escolas.

1963 – Chica da Silva – E volta o Salgueiro a ser ousado e diferente, nunca antes uma mulher havia sido tema-enredo, muito menos, uma mulher negra, alforriada e livre torna-se companheira do contador João Fernandes de Oliveira e fez história e fez enredo emocionante, sendo talvez o mais importante enredo do Salgueiro em todos os tempos, e finalmente acontece seu primeiro campeonato isolado, é também considerado um marco nas temáticas de carnaval.

1964 – Chico-rei – Descoberto os caminhos das Minas Gerais vai o Salgueiro em busca de outro negro, esse rei, feito escravo, porém pobre, que através do ouro que o acorrentava, alforria-se e alforria seus companheiros, grande enredo de um belíssimo samba-enredo e por apenas um ponto não acontece o bicampeonato.

1969 – Bahia de todos os deuses – E torna-se negro novamente o Salgueiro, não diretamente, mas falar em Bahia é falar em negritude, de berço negro, e nesse ano ele foi exuberante, foi insuperável, e o mínimo que poderia acontecer, aconteceu, era mais um campeonato salgueirense.

1971 – Festa para um rei negro – Voltando à temática negra, ao contar a visita de uma embaixada do Rei do Congo (Mani Congo) à corte do invasor holandês Maurício de Nassau em Pernambuco, reafirma-se a negra determinação do Salgueiro, novamente campeã, já aí o quinto carnaval da vermelho e branco.

1976 – Valongo – Após o bicampeonato 1974/1975, volta-se o Salgueiro a sua predestinação, o enredo africano, dessa vez contando o cais do Valongo, onde os negros recém chegados da mãe-África, aguardavam como mercadorias os leilões escravos, toda a saga do negro no Brasil é aí contada.

1978 – Do yorubá à luz, a aurora dos deuses – dando continuidade a sua negritude vem o Salgueiro falar dos orixás e a criação do mundo na visão yorubana, pela primeira vez o protetor e padroeiro do morro do Salgueiro e também da escola – Xangô – aparece na poesia de um samba-enredo da escola.
Observação: Alguns salgueirenses consideram Oxumaré o orixá do Salgueiro.

1980 – No bailar dos ventos – Relampejou mas não choveu – Inicialmente o enredo seria sobre Lamartine Babo, mas de repente, como por força de Xangô, orixá da justiça e protetor do Salgueiro, fez-se justiça ao negro caminhar do salgueirense , e surge o último enredo africano da vermelho e branco, numa homenagem a Iansã.

            Por isso, com a ousadia característica do Salgueiro, e com a justiceira benção de pai Xangô, determinamos:

Salgueiro – Templo Negro

            Antes, porém, de mostrarmos a segunda parte do enredo, façamos uma rápida reflexão sobre o título: Salgueiro – Templo Negro. Nos parece que não somente o Acadêmicos do Salgueiro merece o título como também o próprio morro do Salgueiro, que outrora fora um quilombo, refúgio de negros fujões, leia-se: sedentos de liberdade, e hoje numa visão social é um novo quilombo, por ser uma comunidade carente, predominantemente negra e afastada pela elite branca e dominante, assim como outros morros e favelas, e que ainda mantém viva, apesar de serem pequenas as manifestações, resquícios tradicionais dos negros como o caxambu, o jongo e a folia de reis.
            Sem dúvida alguma, o morro do Salgueiro é também um Templo Negro.

2° Quadro: Salgueiro – Em tempo de consciência negra

            Durante todo o ano de 1988, comemora-se o centenário da abolição da escravatura, nos parece no entanto que esse momento é mais de reflexão, é mais de conscientização do que propriamente de festividades, é tempo de repassar esses 100 anos de abolição dentro de uma análise real, sem falsos sentimentalismos, numa visão nua e crua de uma realidade negra no Brasil; verdadeiramente o negro ainda não se libertou, ainda é preconceituado e preterido e num dado sentido ainda é escravo de uma sociedade que o alija de todo processo social, cultural, político e financeiro. E ainda se diz que em nosso país não há preconceito racial, não há preconceito de cor, e é triste reconhecer essa farsa, o preconceito não é nítido, não é claro, ele vem escamoteado, não por palavras, mas por gestos e atitudes que o torna mentiroso e hipócrita. E se assim não fosse não existiria uma Lei, hoje tornada inafiançável, que pune o preconceito racial. É triste afirmar: No Brasil há discriminação racial.
            A partir de toda essa reflexão, não poderíamos considerar como “Redentora” a princesa Isabel, não achamos conveniente sua inclusão em nosso enredo, afinal liberdade não se assina, se conquista numa luta constante, sem trégua até que venha a liberdade, assim como lutou Zumbi dos Palmares, líder maior de todo o movimento negro brasileiro, ou como Anastácia, negra escrava, corajosa e destemida, hoje símbolo abençoado da resistência, ou ainda como João Cândido, marinheiro negro, dito livre, porém escravizado pelas chibatas da oficialidade branca, que liderando a, em sua grande maioria, negra marujada pôs fim aos castigos na Marinha brasileira. Três negros fortes, marcantes, orgulho da raça, símbolos sempre vivos da resistência negra que personalizem coragem e destemor de toda a luta, de toda a consciência negra.
            Mas então porque  falar dessa problemática em 1989, quando todas as atenções se voltarão para o centenário da República? Quando já se terá esquecido o centenário da abolição?
            Justamente, por isso, não podemos esfriar esse movimento, não podemos arrefecer essa luta, é importante que se mantenha viva essa chama de liberdade, e o Salgueiro, pioneiro em negritude não poderia falhar nesse compromisso que tem com toda a comunidade negra, reacender essa chama, reavivar essa luta que nem o centenário da abolição apagará, por que é tempo de consciência negra, hoje, amanhã e enquanto durar a discriminação racial no Brasil.

3) Abordagem do Enredo:

            Um dos maiores líderes negros da humanidade foi o reverendo norte-americano Martin Luther King que certa vez afirmou “Black is beautiful” – “O Negro é belo”, e essa frase nos inspirará por todo o enredo, até mesmo nos permitiremos aprofunda-la um pouco mais, o negro não só é belo, mas também é rico, pomposo, forte, exuberante e fundamentalmente LIVRE, e é nessa riqueza, nessa beleza e nessa liberdade que abordaremos nosso enredo. As fantasias serão leves e ricas e trarão sempre a característica africana, já que acreditamos que enquanto na África o negro ainda respirava liberdade e por aqui só sentiu preconceito, evitaremos, inclusive a figura do negro escravo servil e submisso, que tanto agrada à elite dominante, optaremos por um negro forte, guerreiro. Resistente e livremente africano. As alegorias serão coerentemente negras, criativas e pomposas, belas e adequadamente ricas. E nosso samba enredo terá de ser marcante, negro em essência, em poesia e negro em sua melodia, que fale do Salgueiro – Templo Negro, e que aborde poeticamente, sem radicalismos ou submissão a problemática negra, sem ranços ou rancores, mas que transmita, porém, alegria, descontração e principalmente transmita-nos liberdade.
            O primeiro campeonato do Acadêmicos do Salgueiro foi negro e campeão, e a 14 anos não somos campeões, e a 9 não somos negros. Que tal se fossemos negros e campeões agora.
Nós podemos, nós queremos, e vamos vencer, e vamos ganhar.
            Salgueiro – Templo Negro em tempo de consciência negra

Luiz Fernando Reis e Flávio Tavares

 

SAMBA ENREDO                                                1989
Enredo     Templo negro em tempo de consciência negra
Compositores     Alaor Macedo, Helinho do Salgueiro, Arizão, Demá Chagas e Rubinho do Afro
Livre ecoa o grito dessa raça
E traz na carta
A chama ardente da abolição
Oh! Que santuário de beleza
Um congresso de beleza de raríssimo explendor
Revivendo traços da história
Estão vivos na memória
Chica da Silva e Chico Rei
Saravá os deuses da Bahia
Nesse quilombo tem magia
Xangô é nosso pai, é nosso rei

Ô Zaziê, Ô Zaziá
O Zaziê, Maiongolé, Marangolá
Ô Zaziê, Ô Zaziá
Salgueiro é Maiongolê, Marangolá

Vai, meu samba vai
Leva a dor traz alegria
Eu sou negro sim, liberdade e poesia
E na atual sociedade, lutamos pela igualdade
Sem preconceitos sociais
Linda Anastácia sem mordaça
O novo símbolo da massa
A beleza negra me seduz
Viemos sem revolta e sem chibata
Dar um basta nessa farsa
É festa, é Carnaval, eu sou feliz

É baianas, o jongo e o caxambu vamos rodar
Salgueirar vem de criança
O centenário não se apagará