A Divina Comédia Brasileira
A selva escura
Quando
me encontrava na metade do caminho da vida, me vi perdido em uma escura
selva de pedra, e minha vida não mais seguia o caminho certo. Ah,
como é difícil descreve-la! Tão selvagem, cruel, amarga, que a simples
lembrança daquela selva me traz de volta o medo. Creio que nem mesmo
a morte é tão terrível. Mas para que eu possa falar do bem que dali
resultou, terei antes que falar de coisas que do bem longe estão.
Não sei como fui parar nesse lugar sombrio. Sonolento como estava,
devo ter cochilado me afastando da via verdadeira. E ao chegar ao
pé de um monte onde começava a selva que se estendia vale abaixo,
olhei para cima e vi aquela ladeira coberta com os primeiros raios
de sol. A cena trouxe luz a minha vida, afastou de vez o medo e me
deu novas esperanças. Decidi então subir aquele monte. Olhei para
trás uma última vez, para essa selva que nunca deixara uma alma viva
escapar, descansei um pouco e depois iniciei a escalada.
Havia dado poucos passos quando, de repente, saltou à minha frente
um menino astuto como um felino. Parecia um gato do mato, e de todas
as formas impedia que eu seguisse adiante.
Não adiantava desviar o olhar, pois ele sempre estava lá, em meu caminho.
Várias vezes tentaram afastá-lo dos caminhos desta selva. Várias vezes
falharam.
O dia já raiava e o sol nascia com as mesmas estrelas que acompanharam
o mundo em seu primeiro dia. A luz e a claridade daquele dia especial
renovaram minhas esperanças, e me fizeram acreditar que iria conseguir
vencer.
Mas a minha esperança durou pouco e o medo retornou quando vi, diante
de mim, a falta de emprego. Impostos e taxas altas que arrancavam
de mim o que restava, estava em todos os lugares a me atordoar. Eu
era mais uma vítima acuada pelo voraz leão, que seguia sempre a avançar
em minha direção com a cabeça erguida, tão faminto e raivoso que até
o próprio ar parecia temê-lo.
Seguindo este leão vinha uma imagem que mais se assemelha a uma loba
magra, faminta e cobiçosa, que se aproveitando da miséria e da fome,
ganha dinheiro colocando meninos em sinais de trânsito, e incentivando
pequenos furtos, mostrando na alma humana seu pior lado. Transformando
assim meninos em gatos do mato...
A saída da selva escura
Esta visão tornou minha alma tão pesada pelo medo que me possuiu,
que não vi mais esperança alguma na escalada. E avançando em minha
direção lentamente, às feras me faziam descer, me empurrando de volta
para aquele lugar onde a luz do sol não entra.
Neste momento de aflição ouço o som de um batuque resolvi, então,
seguir este som. Chegando lá me deparei com uma figura que vinha em
minha direção. Uma silhueta humana que vinha de longe, de um lugar
inconcebível para mim. Era um professor que apesar de mal remunerado
encontrava tempo para se dedicar a um dos muitos projetos sociais
espalhados por ai. Ele estava ali para me mostrar, e a quem mais quisesse
ver, que existe saída desta selva escura. - porém eu teria que estar
disposto a sair de tal situação.
Ele seria meu guia, me alertando que o caminho seria difícil, e que
ele só me conduziria até determinado ponto, e dali por diante eu deveria
seguir meu próprio caminho.
Então ele me apresentou a Monteiro Lobato, Carlos Drumnd de Andrade,
Machado de Assis e outros gênios da literatura brasileira. Que me
ajudariam de alguma forma em minha jornada.
O Inferno
Logo passamos por uma fenda na terra e nos deparamos com a entrada
do inferno, parece que naquele momento havia tomado consciência de
parte da verdade, abri meus olhos e vi o que antes não enxergava.
Nos deparamos com Caronte, o barqueiro que traficava almas para o
inferno, na realidade ele prometia uma viagem alucinante mais seu
fim sempre se dava no inferno. Atravessamos vias esburacadas, vimos
rios transbordando, valas negras, bala perdida, etc... Uma situação
de total abandono
Vimos gente com fome e sofrendo dos diversos males trazidos pela miséria.Gente
que não tinha batismo; que mal sabia assinar o nome; gente que não
tinha se quer certidão de nascimento. Gente sem oportunidade e sem
opção. Todos ali, próximos à entrada do inferno.
Chegando lá, vimos que a entrada era guardada pelo cão Cérbero e duas
figuras franzinas que se assemelhavam a gárgulas em sua aparência,
com foguetes nas mãos. No alto havia a seguinte inscrição:
“Por mim se vai todas a dores, por mim se vai a ininterrupta dor;
por mim se vai gente condenada. Foi justiça que inspirou o meu Autor,
fui feito por poderes divinais. Suma sapiência e supremo amor. Antes
de mim havia apenas coisas eternas, e eu, eterno, perduro. Abandonai
toda a esperança, ó vos que entrais!”
Lá se encontrava, logo no inicio os omissos, aqueles que podiam
mais nada fizeram para mudar a ma situação do próximo. Nos outros
níveis estavam simultaneamente os exploradores de trabalho escravo,
os exploradores de trabalho infantil, os pedófilos,
os traficantes, assassinos, fraudadores e ladrões,
corruptos e corruptores de todas camadas sociais e, por fim,
os políticos desonestos que acentuam e apimentam este inferno.
No inferno, acompanhados por seus advogados, esses políticos negociam
com o diabo e sua legião: propina, valor do mensalão e outras vantagens
em troca do direito de não responder perguntas que venham a incriminá-los,
e assim possam aliviar sua pena. Enfim, rezando para que tudo acabe
em pizza e logo possa ser abafado por outro escândalo. Jamais esquecerei
o que vi. Ninguém deveria esquecer.
O purgatório
Saindo do inferno, podemos avistar o purgatório.
O purgatório é um lugar de expiação para aqueles que ainda não estão
prontos para entrar na boa venturança do paraíso. A maior diferença
entre o purgatório e o inferno é que no purgatório há esperança.
Logo na entrada os portões são guardados por Pedro um sereno senhor
de barbas brancas que nos informa que os anjos nos guiarão e nos guardarão
dali até o fim de nossa jornada.
As almas que aqui chegam são aquelas que por falta de tempo ou opção,
abriram os olhos tardiamente, se arrependeram e decidiram mudar de
rumo. Grandes filas são constantes, para que possa se conseguir vagas
para saúde, educação e trabalho. Pois com trabalho e educação se dignifica
a alma humana. Transformando cada um dos sete pecados capitais em
virtudes.
No purgatório todos trabalharão com este fim, o engrandecimento do
ser humano. O que fortalece os pilares da nossa sociedade e permite
o acesso ao paraíso.
No purgatório, o fardo é pesado, a saúde é capenga, a educação é limitada
e o emprego é informal. Ainda tem as ongs e projetos sociais que tem
por finalidade tirar do ócio as almas que ficam a vagar.
E é glorioso ver o momento em que cada alma descobre seu caminho.
Existem muitas dificuldades, mas se elas não existissem não seria
o purgatório e sim o paraíso.
O paraíso
Após esta longa jornada percebi que deixara para traz aquela selva
escura e que a saída tinha vindo por intermédio da educação. A busca
pelo conhecimento me trouxe sabedoria e discernimento, os contrastes
são mais visíveis e já consigo identificar os caminhos que me levam
ao paraíso, dos caminhos que levam a estagnação e empurram para o
inferno.
A cegueira de outrora deu lugar à luz e consigo enxergar meu caminho.
Nele descobri meu grande amor, o som de batuques que me soam como
clarins angelicais do paraíso.
Se no purgatório a condição é o trabalho para engrandecer a alma,
no paraíso a condição é o amor. O amor que tem o poder de transformar
o mundo, o amor que movimenta a vida, o amor que nos permite deslumbrar
este paraíso de encantos mil. Este paraíso habitado por gente otimista,
versátil, alegre, festeira e hospitaleira. Gente talentosa, lugar
de artistas, celeiro de bambas, gente que faz a maior festa do mundo
abençoada pelas mãos do criador. Onde um coral de anjos, toca seus
clarins, que se misturam a repiques, surdos, pandeiros e tamborins.
E com um ritmo frenético mistura gente de todas as raças, classes,
sexos, religiões. Aqui é o paraíso onde todos são filhos de Deus.
Aqui se ama a vida e todas as mesquinharias são esquecidas em nome
da alegria. Nem todos merecem estar neste paraíso, mas aqui sempre
se da um jeitinho e sempre cabe mais um. Neste paraíso o povo pode
expressar suas idéias e fazer com que sua voz chegue a cada recanto,
com a benção do criador, pois se Deus é brasileiro o paraíso é aqui.
E hoje se fazem presentes: Arlindo Rodrigues, Fernando Pinto, Viriato,
Joãozinho Trinta, dentre expectadores, sambistas, carnavalescos, artesãos,
enfim todos os que vêm de perto ou de longe para estarem aqui.
Mostrando ao mundo que por traz desta selva escura, e de todos os
males, o paraíso é aqui, junto do inferno e do purgatório. Pois diferente
da obra original, relatada por Dante Alighieri, onde se separa o paraíso
do purgatório e o inferno. Aqui tudo se mistura e se transforma em
carnaval. Mais isto não faz com que nos esqueçamos das injustiças
e sim, que levantemos nossa voz em prol de melhorias. E fazemos isto
com uma propriedade impar, calor, alegria, amor, paz e muito samba
no pé.