E na farofa do confete tem limão tem
serpentina...
Argumento - Justificativa:
Com a proximidade de um novo milênio o G.R.E.S. UNIDOS DO PORTO
DA PEDRA casa-se com a conveniência de elaborar um enredo que embora
tenha base em fatos, porta sustento e sentido autoral, uma vez que o assunto
tratado (o enredo) toma ficção e a fantasia como matéria-prima.
Conta que um limão de cera magicamente se personifica e faz da
seringa de latão uma espécie de “Nave espacial”, o seu transporte
rumo de encontro ao tigre, emblema da nossa escola. No percurso revisita
os flagrantes que dão corpo ao nosso carnaval revelando aspectos pertencentes
ao mesmo (carnaval) que por mais íntimo que nos pareça muitas vezes são
ignorados dentro do desdobramento dessa que é a nossa maior festa.
O enredo assume projeção ensaística quando lança luz em momentos, que
por muitas vezes sem ter o exato propósito, acabam por produzir elos que
seqüenciados serviriam de alimento um para o outro. Daí o nome que o enredo
recebe: “...E na farofa do confete tem limão, tem serpentina..”
O confete chegou aqui exatamente para substituir o limão de cera,
que em seu interior além de líquidos coloridos, muitas vezes servia de
abrigo para urina. A serpentina, por sua vez com a tentativa de
desempregar os bolinhos de farinhas de trigo que somando aos limões produziram
a democrática “farofa do entrudo” que dentro da repressão cede lugar ao
carnaval que chega importado da Europa, com seus discriminantes “ Bailes
de Máscaras”, obrigando os mesmo economicamente favorecidos a reinventar
sua catarse: os improvisados que de tão espontâneo carrega um “infinito
universo” de tipos e personagens recebendo assim o incomum nome: “bloco
de sujos”, que não só nutrem mais também entram na composição daquelas
que viriam protagonizar o maior espetáculo da Terra: as escolas de samba.
Dentro do progressivo desdobramento as escolas fizeram brotar um específico
ofício: O CARNAVALESCO, responsável pelo seu aspecto plástico-ilustrativo.
O limão de cera acaba por aterrizar, a bordo da seringa de latão, no solo
vermelho e branco de São Gonçalo, precisamente no Porto da Pedra, em que
encontra-se com o Tigre que faz a guarda do pavilhão local, símbolo da
mais recente das grandes escolas de samba. Desse mesmo solo ainda assiste
na “Banda Carmem Miranda”, (figura ícone do carnaval mundo afora) a reedição
daquele que num momento anterior lhe dera origem e sustento: O ENTRUDO!
Abordagem:
Não é nosso propósito fazer uma reconstituição da história do CARNAVAL,
por essa razão, vamos unir dois extremos do CARNAVAL no país:
Entrudo e Porto da Pedra.
Fazermos uso de uma linguagem, quando não contemporânea, se mostra temporal,
ainda que os caracteres “históricos” não estão impedidos de comparecerem,
quando vindos da conseqüência de intenções inerentes ao tratamento oferecido
a abordagem. Uma leitura clara, alegre e sobretudo envolvente.
No campo das associações traçamos paralelas de fatos, citações e releituras
que caminham na direção dos “quase sinônimos”, como:
Comissão de Frente configurada num quarto elemento que representa o povo
brasileiro (a partir das 3 raças): índio, branco e negro.
Chegada do carnaval, festa da carne, compõe-se entre outros elementos
de camisinha-de-vênus e óculos escuros no lugar da máscara, com a função
de ocultar a identidade daqueles que planejam o exercício da “liberação
carnavalesca”.
As reformas européias que produziram a involuntária vinda da “família
real” para o Brasil.
O bloco de sujo, que é visto em nossos dias como um grande painel de tipos
humanos retratando as pixações que sujam a Cidade com livre inspiração
no universo de personagens de épocas distintas, sem o mesmo compromisso
com um flagrante datado.
Os aspectos de improviso, contidos no Zé Pereira, naturais da imprevisível
comédia de “Lart”.
As grandes sociedades - Os tenentes do diabo. Em nosso tempo as “barbies”
que alimentam os neurônios com a malhação nas academias de ginástica.
O pierrot Europeu ao se transformar num personagem tropical, comparece
como bananeira.
O arlequim nos losangos do abacaxi.
E a colombina, a mistura das duas frutas já citadas, somadas a outras
tantas também tropicais, numa salada de abrir qualquer apetite de alegria.
A “Banda Carmem Miranda” com sua espontaneidade e inventividade recria
atmosfera do Entrudo.
E no carnaval do tigre a antecipada visão do 3° milênio, sintetiza a reinvenção
autobiográfica e traça um flerte com o surreal.
Sinopse:
E do Entrudo
Deve-se
a faxina instalada por uma revolução “chamada” francesa a mesma que baniu
com a dispendiosa corte e obviamente foi seguida e auxiliada pela “vassouras
de canhões” de Napoleão Bonaparte, o mesmo líder que visava “enxugar”
e dominar a Europa.
Dentro desse ou daquele quadro de inquietações, incertezas e transformações,
rococós de outras regiões vizinhas, não mais tendo espaço naquele território,
trataram de buscar abrigo e alimento para os seus decadentes excessos.
Um caso assim caracteriza uma determinada família (a “Real”), a mesma
que no século XIX em nossas terras aportou na tentativa de aqui fixar
o incabível. A bordo de sua travessia, exatamente em seu bojo, um componente
que viria nos dar inumeráveis prazeres catárticos:
“O jogo do entrudo”
O entrudo, festiva batalha de limão de cheiro, pós coloridos, ovos, frutas,
jatos de água, farinha, enfim... tudo aquilo que compõe uma grande farofa.
Aqui chegando eis que se deu o confronto do contraste. Explicando melhor:
Olhos habituados com toda espécie de luxo da banda de lá (a “Europa”),
depara-se com o exótico, retratado em base de costumes indígenas e africanos.
Dentro da “obrigatoriedade das conveniências”, se fizeram todos receptivos
e flagrantemente fundidos. Daí que o, nada inocente, entrudo adicionou
a si, o caráter selvagem ainda existente e insistente nessas “anfitriãs”
raças (índios e negros). O grau de violência do jogo inevitavelmente se
acentuou, na verdade o que aqui se assistia e/ou fazia-se participar era
a batalha em que o confete ensaiava sua futura forma dentro do limão de
cera, e a serpentina, por sua vez, se fazia gestar na “farinha da farofa”
(a de trigo). Essa guerra multicor, em seu desdobramento, assumiu teor
tão miscigenado e conseqüentemente tão abrasileirado que acabou por ser
proibido por “um tal” Decreto Lei. Mas como em toda catarse, a batalha
acaba por invadir a casa da necessidade - O jogo do entrudo continuou
cumprindo a seu calendário, acontecendo nos três dias precedentes à Quaresma,
ainda que afastado do centro da cidade, que por muitas vezes contemplou
a passagem do Zé Pereira, que sem destino e sem discriminação percorria
com seu bumbo as diversas regiões de nossa cidade.
“Lá nos passos do Pereira”
Ocupando a antiga residência do exilado entrudo, o carnaval da elegância
que Pereira Passos (o então Prefeito da Maravilhosa Cidade) em seus anseios
de satisfação importou de lá (da mesma e já citada Europa). O que teria
sido esse carnaval?... Ora, um carnaval de suntuosidade, um carnaval de
elegância e inegável imponência, mas um carnaval pensado e reservado para
os economicamente favorecidos. Fosse pela paralisante beleza dos corsos,
pela magia dos disfarces dos bailes mascarados que acabavam por encontrar
as já “ancoradas” grandes sociedades, tais como: Tenente do Diabo, Fenianos
e Democráticos, portadores de indiscutível exuberância.
Nas variações nominais recebidas pelos blocos, lá se vão os cordões, ranchos
préstitos de toda espécie abrigando de acordo com as respectivas nomenclaturas
o impacto contido no luxo (dos Ranchos) até a espontaneidade e improviso
peculiares dos alternativos blocos de sujos.
Na periferia da cidade, populares foliões teciam o avesso da ordem, limitados
aos bairros das redondezas, nutrindo-se nos morros e favelas para onde
o samba subia, entrou, se enraizou, cresceu e pouco a pouco ocupou o que
lhe era de direito: O centro de todas as atenções, independente do palco
- Praça Onze - Rio Branco - Presidente Vargas até a definitiva Marquês
de Sapucaí.
Deixem que o samba conduza vocês. “Deixa Falar” a Mangueira, “Sai Como
Pode”, a Portela, o Salgueiro, o Império Serrano e outras mais... Venham,
pois o povo chama pelo brilho de vocês. Seja para exorcizar os males e
as tristezas ou mesmo para viver a ilusão de que a Quarta-feira não chegará.
Essa criança, autenticamente brasileira, de nome Escola de Samba, se transformou
num gigante que da extensão dos seus domínios carrega vultosas contribuições
recebidas da delirante criatividade de seus sonhadores (os carnavalescos)
que de suas viagens espaciais trazem para terra firme, momentos de envolventes
e inesquecíveis expressões.
Ainda passando pelas ruas de agora vê-se o misto de um jogo, seria ele
o Entrudo, que na verdade é o Zé Pereira? ... Ou, quem sabe, um baile
mascarado?... Seria aquele limão um confete? Ou aquele confete um limão?
- Um Rancho, um Bloco ou... As razões da existência do oxigênio que mantém
aceso o carnaval de rua estão certamente vivendo no nosso inconsciente
coletivo.
“Do Porto da Pedra”
Nasci em moldura emblemática, reúno poeticamente um tanto do todo
artesanal da história que as Escolas desde o seu surgimento vêm escrevendo
e derramando por onde passam e pela infinita estrada pela qual ainda passarão.
Tão criança e já tão adulta trago o mais preciso sinal que o Novo Tempo
incumbe de anunciar que:
Essa festa jamais terá fim.
E esse ano não será igual àquele que passou.
Gilberto Muniz

Bibliografia:
-
Cabral, Sérgio (AS ESCOLAS DE SAMBA DO RJ)
-
Moraes, Eneida (HISTÓRIAS DO CARNAVAL CARIOCA)
-
Jota, Efegê (FIGURAS E COISAS DO CARNAVAL)
-
Sebe, José Carlos (CARNAVAL, CARNAVAIS)
-
Ventura, Zuenir/Laredando, Cassio (O RIO DE J. CARLOS)
-
Moura, Roberto (TIA CIATA E A PEQUENA ÁFRICA NO RJ)
-
Bollow, Patrice (A MORAL DA MÁSCARA)
-
Bretos, Luiz Navas (A GUERRA DE RUAS)
Referências:
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