O Imperador morava
ali, do outro lado do Tuiuti
São
Cristóvão é um bairro com alma imperial. Aqui, podemos sentir ainda
hoje esse espírito de ontem , de passado grandioso e aristocrático.
Em largas avenidas, casarões parecem abrir-se para que entrem carruagens
com damas da Corte voltando de seus passeios diários.
História
que se inicia com a doação das sesmarias de São Cristóvão aos padres
jesuítas, pelo então governador geral Estácio de Sá, que exploravam
as terras acumulando poder e riquezas.
À partir da expulsão dos
jesuítas no Brasil essas terras foram divididas em diversas propriedades
com características de quintas e chácaras. Uma delas adquiridas pelo
rico comerciante Elias Antônio Lopes. Com a chegada da família Real
ao Brasil, Elias doou a sua propriedade a D.João transformando-a em
residência do Monarca. Começa aí toda a realeza do bairro.
O imenso
jardim que cerca o Palácio, seu gramado verde que acolhe famílias com
seus farnéis de piquenique, prática comum até hoje, as árvores centenárias
estão lá, como testemunhas silenciosas que agitam ao vento, o mesmo
vento que arrancou perucas de duques e marquesas que chegavam para as
festas e audiências nos salões imperiais, donde emanava o poder e as
questões que comandavam esse imenso belo país dividido em províncias
quase sempre nas mãos dos seguidores fiéis do Imperador.
Ah,
e a paixão? Em sua casa, a Marquesa de Santos, a adorada Titila, esperava
por seu grande amor, evocando o romantismo libertino de D.Pedro I, casado
com a imperatriz Leopoldina, amor proibido que afrontava o convencionalismo
da Corte.
Passado,
tradição, aristocracia, mas nunca a acomodação retrógrada. Sempre em
mudanças constantes. Neste bairro de contrastes é possível ver dali,
das janelas do Palácio, a casa que mudaria por diversas vezes a história
da região. De casa da Marquesa à residência do Barão de Mauá, símbolo
de ousadia, progresso empresarial, onde a burguesia capitalista, baseada
em monopólios, confabulava a respeito dos interesses financeiros e
comerciais, minando a estrutura do poder escravagista, trazendo à região
inúmeros progressos: os bondes, os carris, as fábricas, companhias nacionais,
os curtumes e até as feiras no Campo de São Cristóvão.
Vindos
no “pau-de-arara”, desembarca no Campo de São Cristóvão toda a riqueza
cultural do Brasil, Jardim das Delícias regionais: carne de sol, queijo
de coalho, boas pingas, rapadura, fumos; feira do chamego ritualizado
no forró, que se dança agarradinho, anjos e demônios no “bate-coxas”.
Feira
da saudade da terra árida, inóspita, mas presente e relembrada após
uma semana de árdua lida. Pedacinho da terra natal, improvisado debaixo
do céu azul de lonas. Nada menos imperial e mais plebeu, nada mais povo,
mais gostoso.
São
Cristóvão tem mais. Andando por suas ruas vemos os contrastes remanescentes
até hoje. Grandes casarões transformados em bares, restaurantes pensões
e lojas de comércio. Coincidência ou não, é o santo padroeiro dos condutores,
e é no bairro que se concentra o maior comércio de autopeças e automóveis
do Rio. Donde terá surgido essa aproximação entre o divino e o comércio?
Coincidência ou providência?
Ao andar
pelos arredores graças aos Pedros I e II, as culturas, as artes, as
ciências valorizam nosso bairro. Colégios conceituados, os mais disputados
em tempos atrás pela burguesia da Guanabara. Centros de Arte, Museu
de Astronomia e Ciências e Observatório Nacional. Este que aproxima
o nosso bairro das estrelas, de onde se pode observar o maravilhoso
e inigualável céu do Brasil.
E domingo?
Domingo é dia de Quinta! Andar por suas alamedas, empinar pipa, comer
algodão doce, jogar bola – reviver nossa porção criança, aquela que
procuramos preservar a qualquer preço – tudo isso, nos jardins da realeza.
E a Quinta ainda reserva o Jardim Zoológico! A bicharada orgulhosa se
exibe aos visitantes – tudo nos evoca, pelos sentidos, tempos idos,
excursões com a turma do colégio, os passeios com a família e parentes.
Se a
pelada acabou nos gramados do Rei, é porque está na hora do jogo ficar
sério. Clubes de regata e futebol do nosso bairro conquistam títulos
e glórias em gramados mundo afora.
Se a
realeza se foi, ficaram tesouros de sua época. Que São Cristóvão possa
nos abençoar e conduzir nessa viagem pela Avenida. Nossa Escola saúda
o povo e pede passagem exaltando as belezas do Bairro Imperial.
Somos
imperiais porque o Rei morava ali, do outro lado do Tuiuti!
Sandro Carvalho
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