FICHA TÉCNICA 2001

 

Carnavalesco     Paulo Menezes
Diretor de Carnaval     Walter Honorato
Diretor de Harmonia     Paulo Maurício do Nascimento e Ivan de Freitas
Diretor de Evolução     Paulo Maurício do Nascimento e Ivan de Freitas
Diretor de Bateria     Renato Marins (Mestre Thor)
Puxador de Samba Enredo     Ciganerey
Primeiro Casal de M.S. e P. B.     Marquinhos Sorriso & Cristiane Caldas
Segundo Casal de M.S. e P. B.     Márcio Neves Priscila Domingues
Resp. Comissão de Frente     Ângela Salles
Resp. Ala das Baianas     Alcidey, Ana e Jorge das Baianas
Resp. Ala das Crianças     Direção de Carnaval

 

SINOPSE 2001

"UM MOURO NO QUILOMBO"

Isto a história registra

Enredo de Paulo Menezes

               O enredo do Paraíso do Tuiuti para 2001 é inspirado em um livro, A incrível e fascinante história do Capitão Mouro, de Georges Bourdoukan. Um misto de história - fatos que a História registra - e ficção - coisas imaginadas - sobre a vida de um personagem muito interessante que, por uma série de acasos, acabou tendo participação na História do Brasil.
               Vamos contar aqui a história de um mouro que vivia em Granada, na Espanha, e saiu de sua terra para, como manda a religião islâmica, fazer peregrinação à cidade de Meca. Mas, como veremos, estava escrito (Maktub, em árabe) que seu destino seria bem diferente.

1ª parte: O Islamismo

               A Espanha tinha estado mais de oito séculos sob o domínio dos árabes. É inegável que a civilização árabe, muito adiantada, deixara suas marcas positivas na Península Ibérica. Granada, capital da Espanha arabizada, era bastante progressista e o nosso herói tinha, portanto, assimilado vários aspectos dessa cultura. Foram importantes marcas da cultura árabe a arquitetura (as mesquitas, com suas formas características do estilo mourisco), a ciência (medicina adiantada), o instinto guerreiro e sobretudo a religião.
               O árabe é profundamente religioso. Segue os princípios do islamismo, segundo o qual o destino do homem está traçado por Alah de maneira inapelável, sendo impossível fugir dele. O árabe é conformado, nunca se revolta contra a vontade de Alah. Ao menos uma vez na vida deve ir a Meca, em peregrinação, agradecer a Alah o dom da vida.
               Foi justamente para cumprir esse preceito que nosso mouro saiu de Granada, enfrentando toda a sorte de adversidades que as viagens marítimas reservavam na época.
Muitos perigos rondavam os viajantes: tempestades, calmarias (que deixavam as embarcações à deriva às vezes por meses a fio) e a peste. Havia ainda o risco de ser atacado por piratas, que sabiam que os peregrinos levavam à cidade sagrada grande quantidade de dinheiro para ser distribuído aos necessitados, como manda o preceito da religião islâmica.
               E foi o que aconteceu ao nosso herói, que teve de usar seu ânimo guerreiro para derrotar os piratas. Saiu com vida, mas ficou isolado no meio do oceano, porque seu navio foi a pique. Desse naufrágio foi salvo por um judeu que estava a caminho do Brasil, onde pretendia estabelecer-se como comerciante, a exemplo de um irmão seu.
               Isto a História registra.

2ª parte: O Judaísmo

               Judeus e árabes eram, naquele momento, aliados na Península Ibérica, bem como no Norte da África. Uniam-se para resistir aos rigores da Inquisição, tribunal permanente instituído pela Igreja Católica para julgar todos aqueles que se afastassem de seus cânones. Não foi difícil, portanto, aos dois unirem suas forças para sobreviver.
               A Inquisição já chegara ao Brasil, mas aqui ainda era mais branda do que na Península Ibérica. Por isso, o judeu convence o mouro a acompanhá-lo ao Brasil. Antes mesmo de aqui chegar, as religiões e as culturas daqueles dois homens se puseram em contato. Apesar das divergências, mouro e judeu tornaram-se amigos.
               Isto a História registra.

3ª parte: A África Negra

               O continente africano abriga judeus e árabes. Mas a maior parte de seu território era ocupada pelos negros, que viviam até então em plena liberdade, usufruindo das belezas naturais e da riqueza do solo. Essa situação paradisíaca foi modificada pela ambição de alguns: os belos e altivos habitantes da África negra foram escravizados, perdendo sua liberdade em troca do lucro de uns poucos.
               Isto a História registra.

4ª parte: O Brasil Colônia

               Quando o mouro e o judeu chegam às costas de Pernambuco, lá encontram a ferida da escravidão negra e se horrorizam diante dela. A primeira impressão, de que estavam chegando ao paraíso, se desfaz: o paraíso se transforma em inferno quando é assolado pela escravidão, que dizima o negro, pela Inquisição, que aterroriza o judeu e o mouro (infiéis, segundo a Igreja católica), e pelo mal-do-bicho, doença terrível que ataca o branco, e que chamaremos aqui simplesmente a peste.
               De imediato, o mouro e o judeu percebem que não poderão viver tão tranqüilamente quanto haviam imaginado. Perseguidos pela Inquisição, horrorizados com a ignorância e a falta de higiene reinantes, fazendo grassar a epidemia, e revoltados com as atrocidades que presenciam contra os irmãos negros, acabam tomando conhecimento da existência de um reduto de negros empenhados na resistência, e se vêem forçados a refugiar-se no Quilombo, em terras alagoanas.
               Isto a História registra.

5ª parte: O Quilombo

               Ao chegar ao Quilombo, nosso herói se surpreende com a vulnerabilidade do lugar: os brancos, donos dos prósperos engenhos de açúcar, pintavam o Quilombo como uma força temível, mas ao chegar lá ele constatou que era muito frágil a estrutura física do local. A força do Quilombo vinha de sua estrutura social: praticavam o escambo, troca de mercadorias que tornava desnecessária a circulação do papel-moeda, viviam comunitariamente sob a liderança de Zumbi, cujo carisma impressionava muito mais do que a força física.
               Em Palmares se radicaram também vários indígens, que se identificaram com os ideais de liberdade e igualdade que ali eram cultuados e postos em prática.
               O mouro leva para o Quilombo tudo que assimilara em sua longínqua civilização: as táticas de guerrilha na luta contra o inimigo mais forte, a construção de fortificações e de armadilhas, o conhecimento da higiene e da medicina.
O judeu, por seu turno, percebe a necessidade de implantar no Quilombo um sistema educacional, indispensável inclusive ao futuro relato dos acontecimentos. Sem instrução não seria possível escrever a história, deixando a tarefa ao opressor, que tudo faria para difamá-los.
               Isto a História registra.

6ª parte: A Guerra

               A tarefa de combater e capturar os negros que resistiam no Quilombo foi dada pela classe dominante aos bandeirantes mercenários. Eles formaram milícias no encalço dos fugitivos e sua crueldade não conheceu limites.
               Os negros eram numericamente inferiores e menos equipados do ponto de vista bélico. Tinham de suprir essas deficiências usando sua coragem e sua criatividade. Todas as táticas aprendidas com o mouro lhes foram valiosas.
O hábitat natural, a floresta, não era uma aliada, mas também não era adversária. Ela era perigosa: animais selvagens, alguns indígenas hostis que se aliavam aos portugueses contra os quilombolas, e a própria densidade da mata dificultava indistintamente a atuação de uns e de outros.
               O enfrentamento entre as partes foi terrível, com ocorrência de atrocidades, traições, tudo enfim que é característico da insanidade das guerras. É surpreendente que o Quilombo tenha resistido tanto tempo e com tanta bravura aos ataques dos poderosos, que tinham a seu favor as leis, o poder econômico, a Igreja, todo o sistema, enfim. Para essa brava resistência muito contribuiu a participação desses dois personagens anônimos.
               Isto a História registra.

7ª parte: Meca

               O mouro deixou sua pátria para cumprir um preceito de fé: a peregrinação a Meca. Segundo acreditava, estaria no Brasil de passagem. No entanto, aqui ficou, aqui teve um papel importante na construção de um sonho que - este sim - nunca terminou, sobreviveu ao Quilombo: o sonho de educação, de instrução, de higiene, de saúde, de dignidade e de liberdade, que ainda hoje perseguimos
               Todo adepto do Islã deve ir a Meca ao menos uma vez na vida. Nosso herói não o fez. Estava escrito que sua Meca era aqui, neste distante Brasil de negros, brancos, índios, árabes, judeus e de quem mais chegar.
Da mesma forma, chega o nosso Paraíso do Tuiuti, em sua peregrinação, a esta Meca do sambista que é o desfile principal, o do Grupo Especial. Minoria, como o mouro, o judeu e o negro, este valente peregrino não abre mão do sonho de justiça e igualdade que acalenta e canta com vigor e alegria imbatíveis.
               Isto a História registrará...

 

SAMBA ENREDO                                                2001
Enredo     Um mouro no Quilombo. Isto a história registra
Compositores     César Som Livre, Kleber Rodrigues, David Lima e Cláudio Martins
Pra agradecer
O dom da vida
O mais sublime dom de Alah
No mar...um bravo mouro se aventurou
Ao risco de tenebrosas tormentas
Piratas, batalhas sangrentas
Mas naufragou
E o destino lhe sorriu
Nas mãos de um salvador
O trouxe pro Brasil....de Zumbi

Ê Ô Zumbi
Todo o Quilombo coragem
É força pra resistir
É fé que vem acudir
É fibra que brota em ti...Palmares

Assim surgiu
O desejo de escrever
A própria história
e quem quiser chegar
Pra construir essa vitória
Um povo mais feliz
A Meca de um país
Justiça e igualdade

Tu és meu sonho Tuiuti
Tens um destino à cumprir
É brilhar no carnaval
No desfile principal
Todo o povo a te aplaudir