Das
águas do Velho Chico, nasce um rio de esperança
Tu que nasces tão pequenino
e fraco
Dois filetes de água
na grama
Como podes tão longe
chegar, no mar,
Se no meio do curso
Quase te tornaste lama?
Não
foi um qualquer o cara de fora que te descobriu.
Foi o tal do Vespúcio,
que Cabral conhecia quando achou o Brasil.
Nem sabia o teu nome, que
os índios te deram pra te batizar:
Opará, que na língua tupi quer
dizer rio-mar.
Opará, ó rio-mar, tua
hora chegou!
Mangueira vem pra mostrar
que o Velho Chico mudou.
Eram muitos, eram tantos, que nem dá pra contar.
Caipós, cariris, caetés e tuchás.
Era quatro
de outubro quando o navegador tua foz contemplou.
Dia de São Francisco,
"esse é o nome!", ele logo pensou.
E São Francisco ficou.
Vem navegar no rio-mar,
vem sambar a noite inteira, que hoje tem tutu com vatapá no barco
da Estação Primeira.
Discreto como convém
a um mineiro de nascença, o rio brota do chão, não se nota sua presença.
Se esgueira na terra em plena Canastra e segue em frente, mineiramente,
só depois se alastra. Em cascata despenca pra exibir a primeira ousadia.
Parece intuir o que o espera, o difícil labor do dia-a-dia. Quando
cresce e se vigora de Minas já está fora, já chegou lá na Bahia.
Tanta lenda, tanta história,
que é difícil de saber, O que é fato, o que é lorota, não me cabe
resolver. Paulo Afonso era padre? Então por que se afogou, remando
na correnteza com aquela índia brejeira? Uma coisa é certeza: virou
nome de cachoeira.
São Francisco Peregrino,
padroeiro da ecologia [que ironia!] talvez possa me informar onde
é que foi parar a bela mata ciliar. Não permita, São Chico, o mercúrio
do garimpo e o vinhoto do canavial. Quero o rio sempre limpo para
alegrar meu carnaval.
Me devolve a piracema
que nada contra a corrente. Eu imploro com fervor, que esse rio merece
amor, pelo amor da sua gente!
Carrancas do São Francisco,
no mundo inteiro não tem nada igual. Elas são feias mas são belas,
são do bem, e afugentam as forças do mal. Com o velho Guarany aprendi
a encarar assombração. Cara feia não me assusta, a minha ninguém desbanca.
Não vem que não tem, eu sou Mangueira e vou mostrar minha carranca.
Pelo sim ou pelo não,
Deus me livre nessa rota de encontrar o Minhocão. Surubim-rei, Serpente-d’água,
ele tem cara de dragão. Se abraça a minha proa vai virar a embarcação.
Do Nego-d’água ninguém acha graça. Se é duende, ninguém entende. Pra
não complicar é melhor logo lhe dar fumo de rolo em um bom gole de
cachaça. Prefiro Mãe d’água, muito mais maneira, vaidosa como toda
iara barranqueira.
Navegar nos gaiolas não
era só sobressalto. Com uma figa no peito, a reza de fé chega a Deus,
lá no alto. Com a brisa no rosto, minha rede no convés, eu senti certo
gosto de que a felicidade estava a meus pés. Se no banco de areia
o barco encalhava, a sanfona gemia e o forró começava.
No vai-e-vem desse rio,
tanta gente a trazer tanta tralha levar, na Lapa eu vou me benzer
pra minha sorte mudar. Então o Senhor vai ter que atender o meu modesto
favor: que o apito estridente desse velho vapor me deixe contente
e anuncie a chegada do meu grande amor.
Tem de tudo nesse barco
que é a cara do Brasil. Romeiro, remeiro, rameira, é um bafafá como
nunca se viu. Tem porco, galinha, tem peixe, pra vender, pra comprar,
pra trocar. Tem renda, tem pano, tem fita, tem balaio e tem cantil.
No mercado flutuante nada falta, nem as mais finas sedas – pro rico
dar pra amante que exibe em tom triunfante no Grande Sertão: Veredas.
Sertão que viu muita
luta no tempo da bala e da faca na mão. O rio viu muita disputa, foi
lá que morreu Lampião. Hoje os tempos são outros e o banho de sangue
não tem mais razão. A água que bebo, como uma redenção, banha minh’alma
e o meu coração.
O Chico pacato manda
um recado pra quem quer ouvir: a mudança que faz na vida da gente
não é só do presente, mas também do porvir. Não mudou por mudar, por
cisma de inventar. Se hoje colhe a riqueza que vem da mãe natureza
é porque soube plantar. Quem olha a espuma atrás dessa barca e lembra
de um tempo sem fim, vê que a bonança era pouca, era parca, nunca
foi tanta assim.
Só não muda a rixa de
quem se proclama o melhor violeiro. Nessa rivalidade, sem rancor ou
maldade, uma ponte separa quem é o primeiro – Petrolina ou Juazeiro.
O Velho Chico faz de conta que não tem nada com isso. Segue em frente
pra Penedo e deixa atrás o reboliço.
Juazeiro entra na história
quando o samba que se renova. Foi lá que nasceu João, o inventor da
bossa nova. Petrolina também sabe fazer moda e alvoroço. De tanto
plantar idéia fez a uva sem caroço.
E da uva faz o vinho,
premiado sim senhor. Até parece visagem, mas é fato pra valer. O vinho
do São Francisco o mundo todo quer beber. É fruta de todo tipo nesse
imenso pomar que o Brasil já descobriu e não pára de exportar. E não
podia faltar, sendo a terra brasileira, um lugar abençoado onde reina
a mangueira. É manga doce da boa, sem fiapo e com sabor, plantada
em pleno sertão - que agora vai de jato, embarcada pro Japão.
O milagre é de casa,
e de fácil explicação. Uma coisa tão singela que se chama irrigação.
O novo Chico, minha gente, quer mudar o seu destino sua sina é redimir
todo o povo nordestino.
O Chico anda atacado
de mania de grandeza. Quer subir sertão a dentro e mostrar sua beleza.
Diz que afoga suas mágoas espraiando suas águas, não agüenta mais
represa. Diz que vai à Paraíba e também ao Ceará sem perder seu rumo
antigo, o caminho para o mar.
Há quem diga que o Velho
não tem força pra bombar. Há quem veja nesse sonho o direito de ousar.
Essa história inda vai longe ninguém perde por esperar. Se o Chico
sobe a serra ou se fica como está... não se aflija, nada de pressa
- quem viver verá.
Max
Lopes
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