Brazil
com Z é pra Cabra da Peste, Brasil com S é pra Nação do Nordeste
É bala pra todo lado
que Virgulino, cabra invocado, hoje acordou bem humorado. Não se avexe,
meu irmão, não sinta medo nem aflição. É bala de coco, é melado, pro
povo que fica dos lados e pro povo que vem atrás. A invasão é total,
nunca se viu coisa igual – nem neste nem em outro carnaval. É índio,
é branco, é negro e mulato, nessa festa sem recato que a Mangueira
vem mostrar – nos autos da sua crença, meio de fé meio profano, tudo
vida sem engano pro mundo se admirar.
O
conto que a gente canta é a história que o povo faz. É o samba que
os males espanta dos cangaceiros da paz. No surdo sem resposta, do
jeito que a gente gosta, vamos passar e sambar. Do sertão, no lombo
do jegue, que o diabo nos carregue até a beira do mar.
Quero
dizer pro senhor, e sem medo de errar, que esta terra bendita, de
sol e de seca, e de calor de rachar, é a mesma da rede de renda que
embala da brisa que sopra no agreste:
Brazil
com Z é pra cabra da peste
Brasil
com S é nação do Nordeste
Cabra
da peste é o que não faltava nos tempos de ocupação. Era francês,
holandês, tudo de olho neste torrão. De invasão em invasão, e para
cada expedição, um brado sempre surgia – o da nossa reação. Um quilombo
a cada dia era a nossa garantia pros cabras arrepiar. Um Zumbi e mil
Palmares para cada Calabar.
Nomes
havia muitos para mesma a situação. Revolta, levante, guerra, balaiada
e revolução. Negro sabre, branco espada,
índio tacape, flecha e facão. Era sangue pra todo lado, numa só conjuração,
contra a tal de opressão. Gente simples morria mais, como soe acontecer.
Pobres mascates, e até alfaiates entravam na guerra sem saber. Em
nome da liberdade, quantas vidas se perdeu!
E
a patuléia sofrida, ante tanta atrocidade se indagava da verdade:
cadê o meu? Cadê o meu?
A
paga vem do céu, se cantava em romaria. Naqueles tempos bicudos, os
da Guerra de Canudos, os parias de admiravam do sermão daquele guia.
Deus é paz ele dizia, e mais vidas consumia, dia e noite, noite e
dia. A História nunca provou se era santo ou embusteiro. Só se sabe
que tinha o nome de Antônio Conselheiro.
Entre
causos e crendices, lendas e mitos não faltavam. Seres da mata ou
filhos da água, eles sempre assombrava. È boitatá, cabra de fogo,
e do ipupiara não há quem esqueça, Lobisomem da lua cheia, atrás da
mula sem cabeça.
Contra
o fogo do dragão e pra espantar assombração, em nome da boa navegação
até hoje é tradição e o velho Chico não perdoa: não afunda que trouxer
uma carranca bem na proa.
O
auto do povo é isso: sua fé e seu pecado. Na dança e no canto quem
gira chega dando seu recado – na festa do bumba-meu-boi e na folia
do reisado.
Nas
cores das pastorinhas, o azul e o encarnado. Rei Congo bate o tambor,
é maracatu sim senhor, com o luxo se seus adornos, muitos brilho e
muita cor. Mamulengos de bonecos, João Redondo é nosso herói. Dos
marujos no fandango da chegança sem destino – todos no mesmo balaio
do folclore nordestino.
A
festa do povo se faz no forró e no mercado. Se ensina desde menino
que a arte de Vitalino tem barro misturado com baião e com xaxado.
No cesto e no traçado, como em todo o artesanato e no chão simples
da rua que a vida chega pra se mostrar. Se como, se bebe, se dança,
a vida é uma festança em cada feira popular.
A
renda do bilro cativa quem passa pra namorar e come um doce chamado
Cartola, esse nome tão familiar. Comida pra todo gosto, pro mais fino
paladar. Galinha de cabidela, macaxeira e abará. Carne de sol, caruru,
acarajé e mungunzá. Sem falar do mais famoso, o irresistível vatapá.
Mestre Lua já ensaia
na sanfona e no gogó que o baião precisa dois, mas se gruda vira um
só. Rosto colado, abraço apertado, peito suado, separa mais não. Coxa
com coxa, o sangue fervendo, não há quem resista a tal tentação. Solto
é o frevo, cada um pro seu lado de passo marcado e sombrinha na mão.
Já o coco rasgado, se dança de lado parece quadrilha que nem São João.
A
alegria do povo, que nunca se finda, explode de novo nas ruas de Olinda.
Boneco que sabe e que desce ladeira não há quem não entre na tal brincadeira.
È como na Barra, na praia e na praia e na praça: a Bahia se enlaça
em tal ferveção que a gente só pensa em vestir a mortalha, e em volta
do trio se acaba no cordão.
Se
tudo na vida dessa gente sofrida tem tantas origens, e tal profusão,
no auto da fé sua sina repete o painel variado da religião. Deus é
um só, mas não é pouco, pra tanto barroco no altar do Senhor. A crença
é que muda conforme s estuda o jeito de ver seu papel salvador. Muita
igreja, tanto santo, e ainda tem um pra canonizar: meu Padim Padre
Ciço, pastor do sertão, a glória de um povo que sabe rezar.
Sucede
que a fé tem lá seus mistérios. O tal sincretismo, mistura sagrada,
faz da reza um canto, e de cada pai de santo o seu babalorixá. Sarava!
Salve Iemanjá, rainha das águas, das flores ao mar! Minha prece, no
entanto, em louvor ao teu encanto sobe aos céus pra te agradar. Água
de cheiro na escada, samba de roda, batucada, meu Senhor olhai por
mim. A Bahia engalanada está em festa dedicada à lavagem do Bonfim.
Tanta
vida, tanta história, que não foge da memória a fonte de tanta beleza.
È a terra, é a gente, é tudo aquilo que Deus criou e que se chama
Natureza. Essa dádiva encantada, para o amor predestinada, é a terra
prometida. O Nordeste, essa magia, agora prenuncia a riqueza repetida.
É hora de retornança, do retirante voltante, a procissão invertida.
Abre os braços, Virgulino,
vou cumprir o meu destino e volta pro meu sertão. Me dá um abraço,
cabra invocado, deixa a tristeza de lado que eu levo paz no coração.
O Nordeste agora é outro, tem progresso e tem riqueza, sem contar
aquela beleza do aceno amigo no cais. Nordestino como eu tudo sonha,
tudo pode - pau de arara, nunca mais!
Max Lopes
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