O Século do Samba
Introdução:
“Como será,
Daqui para o ano dois mil?
Como será,
O nosso querido Brasil?
Como será,
O morro sem os barracões?
Como será,
O Rio sem as tradições?
Será que no ano dois mil,
As escolas de samba
Irão desfilar?
Será que haverá carnaval,
Será?
Daqui para o ano dois mil,
Só Deus sabe como será
E o povo do nosso Brasil
Verá...”
Estas
perguntas foram feitas nos versos de um samba de Padeirinho, um dos grandes
poetas da Estação Primeira.
Estamos vivendo os últimos momentos do Século XX, abrindo as portas de
um novo milênio e estas questões parecem bastante oportunas. Embora, cientificamente,
o Século XX só termine de fato no dia 31 de dezembro de 2000, a mídia
já consagrou o reveillon de 1999 como o da passagem do século.
Assim, como o século XIV foi o século do renascimento, após a intolerância
da Inquisição e o surgimento do Humanismo, o Século XVIII foi o da libertação,
a partir da Revolução Francesa, o Século XX foi o século da criação, pois
nunca antes o conhecimento humano dera saltos tão notáveis em tão curto
espaço de tempo. O Século XX entra para a história sobretudo como o das
grandes realizações no campo da tecnologia.
As grandes potências do mundo celebrarão seus grandes feitos e suas grandes
invenções.
E o Brasil, o que criou no Século XX?
Qual foi a invenção brasileira que atravessou nossas fronteiras?
O Brasil se destacou no futebol, mas não foi o inventor desse jogo. Na
arquitetura moderna, Oscar Niemeyer foi reverenciado no mundo inteiro
mas também não foi inventor da arquitetura moderna. Nos campos da literatura,
da ciência, da tecnologia e das artes, o Brasil nada criou que causasse
impacto sobre o resto do mundo. Até mesmo o 14 BIS, engenho de Santos
Dumont, que nós consideramos o “Pai da Aviação”, em muitos países é contestado
como o primeiro “mais pesado que o ar” a voar.
Mas, no Século XX, o Brasil criou o “Samba” e ao criá-lo, imprimiu sua
marca. Perante o mundo, o Brasil tem uma cara e essa cara é o Samba. O
Samba é o produto símbolo da vocação musical e do talento criador do povo
brasileiro.
Desde a gravação de “Pelo Telefone”, de Donga e Mauro de Almeida, até
os dias de hoje, este ritmo veio evoluindo e atravessou as décadas, diversificando-se
e revelando grandes artistas, muitos deles lançados através das escolas
de samba, outra grande invenção brasileira, que realizam, anualmente,
o maior espetáculo da Terra.
Ah ! Os sambistas ! Gênios imortais, vasculharam os mais recônditos escaninhos
da alma brasileira. O conjunto de sua obra talvez seja o mais notável,
o mais arguto e o mais criativo acervo de ensinamentos a respeito da espécie
humana. Milhares desses seres superiores, que são os sambistas, criaram
milhões de sambas no Século XX - nunca ninguém saberá o número certo.
Certeza, mesmo, é a de que hoje, em todo o mundo, o Samba é conhecido
e admirado. O Samba colocou o Brasil no mapa mundi e por isso não há erro
em afirmar que o Samba é a criação brasileira mais importante do Século
XX.
Nada mais natural, portanto, que o Samba receba de nós uma justa e oportuna
homenagem neste final de século. E não poderia ser outra, senão a Mangueira,
a fazê-la, afinal ela sempre esteve unida por um forte cordão umbilical,
que mantém as raízes do Samba e do Carnaval. Através deste enredo, a Mangueira
vem consagrar aquele que nos ungiu, como povo, em lugar de destaque no
cenário internacional.
É a história desse personagem que vamos contar agora, conclamando o céu
e a terra para um encontro mágico. Passado, presente e futuro se unem
num desfile emocionante no qual a Mangueira imagina o retorno de todos
os sambistas que um dia partiram, promovendo um contato imediato com os
seguidores do presente e os herdeiros do futuro.
É o Mundo do Samba reunido no desfile de nossa escola num universo chamado
Carnaval. Neste universo, a Mangueira reluz como Sol e seu surdo coroado
é o astro-rei que irradia o Samba e ilumina a imaginação de seus poetas.
E o século que vai, é a Mangueira, “presente”, que vem, numa viagem que
sai da Estação Primeira para o infinito além.
Sinopse:
“Leva, meu samba,” a Mangueira, nesta aventura encantada, “vai buscar
quem mora longe”, a “remota batucada” e faz da avenida “um céu no chão”.
Desce do espaço a nave-mãe Praça Onze e a baiana Ciata pra embalar mais
uma vez nosso Samba, trazendo de volta pra gente, a verdadeira tradição.
Seu som é o som do chorinho, do violão, pandeiro, flauta, bandolim e cavaquinho,
que faz a gente sonhar. Abençoado seja mestre Donga. Que sua mensagem
“Pelo Telefone” seja captada por todos que carregam no peito o orgulho
de ser sambista.
Benditos sejam os que vêm em nome de “Sinhô”. Bem-aventurados os anjos
negros Pixinguinha, João da Baiana e Heitor dos Prazeres que anunciaram
o Samba. O céu e a terra proclamam a vossa glória e seja feita a vossa,
que é a nossa vontade, por todos os séculos e séculos além.
Neste contato imediato, o Samba vem encher o “Chão de Estrelas” que hoje
brilha em nossa emoção. Trazer à vida um carnaval antigo num abraço amigo,
onde o “novo” vem te encontrar para fazer uma “sociedade” e então toda
cidade, neste “préstito”, desfilar, pois nesta hora somos só um “cordão”
brincando de ontem no hoje e, neste abraço, eu faço dos “astros” um “resplendor”.
E assim, de mão em mão, nesta “cadência bonita”, o século é uma roda de
samba girando no espaço e a saudade é mais um compasso que leva a gente
a sambar. O céu como um só “bloco” se embala e “Deixa Falar” o coração
onde eu volto a ser o “Arengueiro” de novo e você “Vai como Pode”, “Unidos”
qual trem de luz nos trilhos que andaram o samba, do Estácio à Mangueira,
da “Serrinha” a Oswaldo Cruz.
Vem dizer que “Eu sou o Samba, a voz do morro”, “descendo a ladeira”,
a legião dos divinos que nos traz Paulo da Portela e Saturnino, Juvenal,
Ismael e Natalino, “Calça Larga” e “Fuleiro” pra encontrar nossos meninos
nesta comemoração e fazer uma reunião de “bambas”, mostrando ao mundo
o Samba, nossa grande invenção.
Vai a Mangueira mais bela, buscar neste céu infinito, que virou constelação
e faz ecoar feito um grito, um samba enredo bonito pra “Silas” descer
do “palanque” e trazer todo “celeiro” de poetas e compositores para abençoar
novos valores, fazendo uma grande parceria e, neste “Terreiro”, em uma
só inspiração, “alunos e professores”, defender a bandeira do Samba na
boca e no coração.
Neste encontro marcado de Verde e Rosa, a Mangueira pinta o samba feito
aquarela, vem colorir a avenida e mostrar que ele é, de fato, mensageiro
do povo, embaixador da favela.
Às vezes “moleque”, no “Samba de Breque”, que num “fundo de quintal” fez
seu palco, um “Partido Alto”, batido na palma da mão, marcado, “sincopado”,
no coração. Samba que leva lamento e apelo. “Samba Canção”, que faz rimar
“amor e dor” de cotovelo. Samba que gerou “Bossa Nova”, a cara desta nação,
Samba que não sai de moda, “Samba de Roda”, das saias das nossas baianas.
Samba todo prosa e “Trigueiro”, “Brasil Brasileiro”, “Samba Exaltação”.
Vem que hoje eu te quero fazer com este enredo um carinho, dançar pra
você, “miudinho”, fazer do desfile um salão e iluminar de estrelas nosso
encontro de amor. Misturar samba e poesia. Transformar, na fantasia, a
Mangueira num botequim, onde Noel Rosa vem sentar à mesa com Ary Barroso,
Tom e Vinícius, Lupicínio, Ciro Monteiro, Assis Valente, Herivelto e Antônio
Maria, rasgando o céu e o coração para embriagar dessa magia os nossos
bambas de agora e celebrar pela vida afora esta eterna união. E um coral
se faz ouvir lá do alto e vem derramar no asfalto as “pastoras divinas”.
E esta ribalta se ilumina com o brilho das estrelas femininas que ao Samba
deram mais luz. Sua bênção Carmem Miranda, Dalva, Aracy, Clara Guerreira,
Linda, Dircinha, Elizeth, Elis Regina e Clementina de Jesus que vem se
juntar às meninas que seguem seus passos e atar ainda mais este laço que
nos une e nos conduz.
Avante Mangueira valente, sempre em frente, este é o momento, faz do samba
o sentimento de amor e gratidão, atravessa O túnel do tempo que o futuro
vai te abraçar e o novo século, a sua semente, vamos juntos plantar, para
que o Samba seja sempre Samba, até no ano dois mil, pois o novo sempre
vem e, ainda que seja “pagode”, sua raiz será sempre Samba e estará sempre
batendo no coração do Brasil.
E assim será, como agora, a Estação Primeira, o nosso planeta Verde e
Rosa, onde o Samba será sempre a morada e irá reluzir como “Alvorada”
e raiar num novo tempo, pois lá no alto do morro o céu a terra abraça
e a poesia batiza com uma chuva de rosas, que vem das estrelas, escorrendo
das cordas de alguma viola, nos envolvendo feito “Moinho”. Em Mangueira
o tempo se eterniza porque lá se dá sempre o encontro do menestrel Carlos
Cachaça com Cartola e Nelson Cavaquinho.
E quando pisamos em “Folhas Secas” estamos caminhando na poesia, sobre
o céu do samba, Samba que como diz Nelson Sargento, “Agoniza mas não morre”
porque a Mangueira empunha este estandarte e, com ele, atravessa o tempo.
Mangueira é a voz do samba, é Jamelão, baluarte, é a arte que faz do morro
seu hino, um cenário de beleza. Mangueira é a própria natureza, eternamente
jovem como o vinho e o Samba é como Fênix, que das cinzas renasce e faz
na Mangueira o seu ninho.
Autor do Enredo: Oswaldo Martins
Concepção: Conselho de Carnaval
Desenvolvimento do Enredo e Carnavalesco: Alexandre Louzada
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