Chico Buarque da Mangueira
Introdução:
Ao
escolher Chico Buarque de Holanda para tema enredo. a Estação Primeira
de Mangueira pretende consolidar sua tradição de homenagear personalidades
de grande importância na história e na cultura brasileira.
Chico Buarque, profundo conhecedor da língua portuguesa, é mestre na
arte da construção poética e seu universo não se resume apenas à obra
musical; gravitam nele o teatro, a dança, a literatura e o cinema.
É
o verdadeiro tradutor da alma do ser humano. Chico sabe expressar como
ninguém os sentimentos. É homem e mulher, pobre e rico, adulto e criança,
herói e vilão; sabe sofrer e amar como poucos; sabe da terra, do fogo,
da água e do ar, ser opressor e oprimido. Enfim, sabe, além de tudo, ser
gente, humilde, como nós da Mangueira, que, através do nosso desfile,
tentaremos ser grande o bastante para comportar tanta poesia e sabemos
que mostraremos um pouco, pois tudo seria um “Sonho Impossível”; o que
sobra cabe no coração.
Que Deus nos abençoe nesta parceria!
Boa
Sorte, Mangueira!
Sinopse:
Voa,
linda Mangueira, e canta qual “Sabiá”, em versos de mil canções, que vêm
das cordas da lira mágica de um anjo, gênio da raça, querubim.
“Hoje
o samba saiu. procurando você...” e no som antigo de um “Realejo” meu
desejo, vai encontrá-lo, na melodia que este sonho dedilha e que “Vai
levando” a gente assim como “Valsinha”, formando um “Dueto” de “Samba
de Amor”.
“Quem
é você?”, Chico poeta, que rima o “Cotidiano”, que canta “Gente Humilde”,
“Trocando em Miúdos” a vida e que, singelo, convida todo povo na praça
“pra ver a banda passar...”.
Hoje
a Mangueira, vem verde e rosa, desvenda seu universo, onde você é o sol
que brilha em verso e prosa, no “sonho de um carnaval”.
“O
que Será” que faz de você “A Flor da Terra”, se abrir como “Rosa”, “a
flor da pele” de todas as mulheres, Chico, coração feminino, seresteiro
de tantas musas, a cantar amor e mágoa, de negras, loiras e morenas, de
“olhos tristes”, de “olhos fundos”, de “olhos d’água”?
Mulheres
do mundo, de França, de Angola, de Amsterdã e Atenas. Mulheres da rua,
donas do prazer, senhoras de si. Meninas, mulheres, de trama, de cama,
de drama, de “Folhetim”.
“Quem
te viu, quem te vê”, jamais esquece o tempo quando a canção era o vento
que soprava, tentando despertar “a nossa pátria - mãe, tão distraída...”,
nos memoráveis festivais.
“Bom
Tempo”, “Anos Dourados”, quando nosso povo passou a amar os nossos índios
e a sua música, Chico, era “O Refrão” que, como um “Acalanto”, nos embalava
nos tempos rebeldes e “a voz do dono” era “o dono da voz” da gente, na
“Construção” de uma consciência até então adormecida.
“Mas
eis que chega a roda-viva e carrega o destino prá lá...”, “num tempo,
página infeliz da nossa história...”, tempo que estancou de repente, “Apesar
de você” e o povo que quis ter voz ativa, rodou na roda-gigante da opressão.
sob os cacetes da força.
E
assim. “tijolo por tijolo, num desenho trágico...”, emparedaram os sonhos
e o “Sinal Fechado” era “essa palavra presa na garganta...”, como um gole
amargo de um “Cálice” de sangue.
E
o poeta se foi pra longe...
Porém,
“não chore ainda não...” que, assim como “uma ofegante epidemia...”, “vai
passar, nesta avenida um samba popular...”, pra lavar a alma e transformar
“toda velha cidade...” num “Sanatório Geral”. E, “se você quem for, seja
o que Deus quiser...”, “hoje eu vou sambar na pista...”, com ou “Sem Fantasia”,
“no carnaval esperança, que gente longe morre na lembrança, que gente
triste possa entrar na dança...”, na louca folia, pois a festa é da gente...
Gente
que vai com a Mangueira, primeira e única, “Estação Derradeira”, buarqueando
a vida de Chico, por onde essa vida passou e, sob as luzes dos palcos,
vai encenar seu teatro, acendendo a ribalta, dando vida à morte, triste
sina Severina, do ardor e dor da “terra que querias ver dividida...”.
Da terra seca à “Gota D’Água”, a molhar um coração cheio de mágoa de um
amor fugaz, amor que “faz fila na Vila do Meio-Dia prá ver Maria...” “que
lava a roupa suja da cuja no meio da rua...”.
Canta
um “Fado Tropical”, que o “Boi Voador” quer voar sobre os cacos de vidro
da história de um certo Brasil holandês. Pedaços, pecados, “do lado de
baixo do Equador...”, de “Bárbara”, de Ana e “Calabar”.
E,
“De Tanto Amar” e mar que nem sei, “quando o mar é pano de fundo”, “opaco
é o fim do mundo, pra qualquer navegador...”, espraia na boca de cena
o cais e traz “O Corsário do Rei”, nas ondas do criador.
No
vaivém da ciranda. Chico. saltimbanco poeta. criança a se alimentar de
luz, nos brejos e esquinas, a lembrar da fogueira e dos balões, a dançar
ao meio-dia com a meia-lua no balé das palavras. Chico mágico. místico
do grande circo da vida, maestro das telas, e viajar Brasis afora com
malandros, vagabundos e mambembes.
Chico,
“jovem flu” satisfeito, amante do copo e da bola e das coisas simples
do povo, dono da bola no “Politheama”, onde a alegria roda nas tardes
“de um sol de fazer nada, como a natureza mandou...”
E
“vou que vou pela estrada...” nas ruas da noite boêmia, de um Rio que
não existe mais, com o malandro-poeta, no coração da Lapa, dos cabarés,
becos e sarjetas, ficando na gente como “Tatuagem”, marcando nosso pensamento
que hoje voa num “zepelim prateado” sobre os arcos, que une um “Pedaço
de Mim” e de você.
Chico
sentimento, “Retrato em Preto e Branco”, sem terra, de todas as pátrias,
Chico demais, de tantos carnavais, Chico amigo e parceiro de bambas, Chico
do Brasil, Buarque de Holanda, mas que também é do samba, um “Suburbano
Coração” que bate ao som da Mangueira, que hoje, assim como um piano,
tem muitas teclas pra tocar.
Chico,
enredo e reconhecimento, por aquela que, do alto de seus setenta anos,
desce o morro e faz a ópera no asfalto, “cantando coisas de amor...”.
E seu passado de glórias são confeitos de um lindo bolo verde e rosa,
feito “com açúcar e com afeto...”, fazendo de você, Chico Buarque, da
Mangueira, hoje o filho predileto, como dizia uma, dentre tantas de suas
mulheres, mãe orgulhosa mostrando-o ao mundo inteiro, cantando...
“Olha
aí, é o meu guri!”
Alexandre Louzada
Histórico:
O universo de Chico Buarque de Holanda, vasto e diversificado, centra-se
claramente nas duas facetas mais evidentes do seu talento criador: a
Poesia e a Música. Gravitam neste universo, como decorrência daqueles
dois sóis, vários astros de luz própria, chamados, Teatro, Balé, Cinema,
Futebol, Boemia...
O
poeta Chico Buarque de Holanda produziu alguns dos mais belos versos
da língua portuguesa, viajando no lirismo puro e singelo de “A Banda”
ao corte contundente de “Cálice”. É pela poesia que ele revela um conhecimento
primoroso do idioma, o que lhe permite adotar métricas e criar rimas
originais, surpreendentes. Em “Construção”, a harmonia sonora buarqueana
apóia-se na tonicidade das últimas palavras de cada verso - todas proparoxítonas
trissílabas, dando-se o luxo de rimar náufrago com bêbado, flácido com
príncipe, tráfego com sábado.
O
músico Chico Buarque é, essencialmente, um sambista. Foram sambas, como:
“Tem mais Samba”, “Pedro Pedreiro” e “A Rita”, as suas primeiras composições,
em 1964/65. Foram sambas, igualmente, os seus mais estrondosos sucessos,
como: “Quem te viu, Quem te Vê” (1966), “Roda Viva” (1967), “Até Segunda-Feira”
(1968), “Samba de Orly” e “Apesar de Você” (1970), “Construção” e “Cotidiano”
(1971), “Quando O Carnaval Chegar” e “Partido Alto” (1972), “O Que Será”
(1976), “O Meu Guri” (1981), “Samba do Grande Amor” (1983) e o magnífico
“Vai Passar” ou “Sanatório Geral”, de 1984.
E, não poderia ser de outra maneira, com um belíssimo samba em parceria
com Tom Jobim, Chico Buarque homenagearia a Verde e Rosa em, 1991, com
“Piano Na Mangueira”.
A
obra musical do sambista Chico Buarque envereda pelos mais variados
gêneros e ritmos. Um bolero? - “Anos Dourados”, novamente com o amigo
e parceiro Tom Jobim. Marchas? - “Noite dos Mascarados”, “A Banda”.
Samba-Canção? - “Com Açúcar, Com Afeto”, “Carolina”, “Sem Fantasia”,
“Atrás da Porta”, “Trocando em Miúdos”. Frevo? - “Não existe Pecado
ao Sul do Equador”. E mais Choros, Valsas, Emboladas, Canções, (como
“Sabiá”)...
Como
foi dito acima, o universo de Chico Buarque é amplo e diversificado.
O poeta e sambista fez vários incursões pelo Teatro, a primeira delas
em 1965, quando musicou o poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral
de Meio Neto, montada em São Paulo, pelo TUCA (Teatro da Universidade
Católica - PUC/SP). O auto de Natal do poeta pernambucano ganhou com
a obra de Chico uma extraordinária dramaticidade. Fez uma carreira vitoriosa
em palcos brasileiros e europeus, culminando com o grande prêmio do
Festival de Nancy, na França. Em 1967, Chico escreveu, texto e música,
sua obra teatral mais polêmica: a peça “Roda Viva”, dirigida por José
Celso Martinez Corrêa.
Vítima
da intolerância política vigente naquela época, “Roda Viva” foi um marco
na luta pelas liberdades democráticas; seus algozes de extrema direita
organizaram um grupo paramilitar que, certa noite, invadiu o teatro,
destruiu os cenários e espancou os atores.
O
primeiro embate de Chico com a censura ocorreu com a montagem do show
“Meu Refrão”, montado no Rio de Janeiro em julho de 1966, no qual dividia
o palco com Odete Lara. O samba “Tamandaré”, uma bem humorada alusão
à desvalorização da nota de 1 cruzeiro, foi considerado ofensivo ao
patrono da Marinha e cortado do repertório. Em substituição à música
censurada, Chico compôs, em 48 horas, uma de suas obras-primas, a marcha
“Noite dos Mascarados”.
A
carreira teatral de Chico Buarque é extensa. Além de musicar “Morte
e Vida Severina” e de escrever “Roda Viva”, seu currículo inclui vários
momentos importantes da dramaturgia brasileira: em parceria com o diretor
Ruy Guerra, fez várias composições para o musical “O homem de La Mancha”
e para a peça “Calabar’; nesta. três sucessos também em disco: o frevo
“Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, “Tatuagem” e “Ana de Amsterdam”
(1972).
Três
anos depois, outro sucesso de palco e de disco, com a peça “Gota d’Água”
e, em 1977, mais sucessos com o musical infantil “Os Saltimbancos”.
No mesmo ano, Chico escreveu e montou outro trabalho de fôlego, a “Ópera
do Malandro”, para a qual compôs grandes hits, como: “Folhetim”, “Homenagem
ao Malandro”, “Pedaços de Mim” e a antológica “Geni e o Zepelim”. São
de Chico, igualmente, as músicas de duas peças de Dias Gomes, “O Rei
de Ramos” e “Dr. Getúlio” e de “O Corsário do Rei”, de Augusto Boal.
Em 1989, Chico Buarque fez “A Mais Bonita” para a peça “Suburbano Coração”,
de Naum Alves de Souza.
Para
Chico Buarque, o palco não se limita ao teatro, aos musicais e à ópera.
Em parceria com Edu Lobo, compôs páginas belíssimas para os balés: “O
Grande Circo Místico” e “Dança da Meia Lua”, como a música “Beatriz”,
gravada por Milton Nascimento. O cinema brasileiro, também tem marca
indelével de Chico Buarque. Desde a primeira experiência (“Um Chorinho”,
para o filme “Garota de Ipanema”, de Leon Hirzman), em 1967, Chico compôs
dezenas de músicas para filmes inesquecíveis, como “Joana Francesa”,
filme de mesmo nome de Carlos Diegues; “Vai Trabalhar Vagabundo”, idem,
de Hugo Carvana; as três versões de “O Que Será” para o filme “Dona
Flor e seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto; “Feijoada Completa”, para
“Se Segura Malandro” de Hugo Carvana; “Sob Medida”, para “República
dos Assassinos”, de Miguel Farias Jr. e “Bye Bye, Brasil”, para o filme
de mesmo nome, de Carlos Diegues.
Poesia,
Música, Teatro, Balé, Cinema. Que mais nos reserva o universo de Chico
Buarque? Mais, muito mais.
Embora
não a perseguisse, Chico Buarque conquistou uma notoriedade política
de primeira linha no Brasil do final da década de 60 ao inicio da de
80. O seu partido sempre foram a Música e a Poesia, sua militância a
palavra, sua bandeira a coerência, seu carisma a identificação com a
alma popular. Durante muitos anos, amordaçado pela censura, o Brasil
falou pelos versos de Chico. “Apesar de Você”, que, em épocas e situações
normais, poderia set considerado um samba de (des)amor, transformou-se
em uma espécie de hino da luta pela democracia.
Não
por acaso, a obra de Chico Buarque foi alvo de investidas freqüentes
de todo tipo de abuso do poder, autoritarismo, intimidações e ações
concretas de coerção. Nesse sentido, Chico Buarque foi o líder político
compulsório de toda uma geração de jovens brasileiros, perplexos com
os rumos de seu país e indignados com o obscurantismo que sobre ele
se abateu: “Amanhã, há de ser outro dia...” soava como um brado de esperança,
que prometia “Quando chegar o momento! Esse meu sofrimento! Vou cobrar
com juros, juro...”. Chico sempre recusou essa liderança, assim como
sempre se esquivou de ditar rumos para quem quer que fosse. Perseguido,
partiu para o exílio, em Roma, cidade onde vivera quando menino, nos
anos em que seu pai, Sérgio Buarque de Holanda, historiador e autor
do definitivo “Raízes do Brasil”, lecionou na Universidade Italiana.
Quando
se diz que a obra de Chico Buarque sempre refletiu os anseios, aspirações
e, até mesmo, a molecagem que povoa a alma brasileira, é porque o próprio
Chico, pessoa e cidadão, identifica-se com a realidade que o cerca.
Como qualquer brasileiro comum, Chico Buarque é apaixonado por futebol.
Não contente em torcer fanaticamente por seu clube, o Fluminense, Chico
fundou seu próprio time, o Politheama, que tem campo próprio e joga
todas as semanas. Um doce para quem adivinhar quem é o centro-avante
e titular absoluto desse time... Até os, digamos, pequenos vícios, aproximam
Chico Buarque do brasileiro médio. Fumante inveterado durante décadas,
foi também um belo copo (de uísque) - dois prazeres dos quais foi se
afastando para preservar a saúde.
Poeta,
músico, militante (a seu modo). político, amante da bola e do copo,
Chico Buarque completou o circulo do mais bem acabado perfil de boêmio,
não bastassem o apelo dos amigos, a ciranda de shows, a inevitável esticada
madrugada a dentro, a grande paixão pelo bate-papo, a sensibilidade
à flor da pele captando ao redor corações dilacerados, os amores impossíveis,
muita malandragem e muito “jogo de cintura”.
O
caráter de Chico esteve a teste mil ocasiões ao longo da vida, embora
bastasse apenas uma faceta para testá-lo: ele é mangueirense de coração.
Proclamou essa condição várias vezes, sempre que perguntado ou entrevistado.
Em muitas ocasiões tomou iniciativa de, sem que ninguém lhe pedisse,
revelar seu sangue verde e rosa. Por exemplo, no samba “Estação Derradeira”,
de 1987, e, é claro, em “Piano na Mangueira”, de 1991.
Oswaldo Martins
Bibliografia:
-
Chico Buarque - Letra e Música
Companhia das Letras - 1989
-
A Poética de Chico Buarque Anazildo V. da Silva - Sophos Editora
- 1974
-
A Ópera do Malandro
Chico Buarque - Círculo do Livro - 1978
-
Calabar - Elogio da Traição
Chico Buarque & Ruy Guerra - Círculo do Livro - 1973
OBS.: Foram, também, utilizados
como fonte de consulta para o desenvolvimento deste trabalho, discos,
filmes e entrevistas realizadas com o próprio Chico Buarque.
|