As
três rendeiras do universo
Numa
homenagem à criação do Universo, através do artesanato brasileiro e
da cultura popular, Mangueira pisará o asfalto como grande artesã do
samba, com suas alas e alegorias bordadas em suntuosas rendas. Rendas
de Luz, Rendas da Terra e Rendas D’Água.
E os carnavalescos foram buscar na população ribeirinha da costa brasileira
uma lenda que reconta a criação do mundo, a criação do homem e sua sobrevivência
após a expulsão do Paraíso, através de uma atividade: a fabricação das
rendas.
Expulso
do Paraíso, o homem viu-se diante de um mundo desordenado. Então, para
que a espécie humana pudesse crescer e se multiplicar sobre a face da
Terra, Deus enviou ao homem três feiticeiras astrais. Eram rendeiras
destinadas a organizar a Renda de Luz, a Renda da Terra e a Renda D’Água.
A
primeira rendeira, a mais velha, era uma profetisa e presidia o futuro,
pois tinha o fio da luz. Grande sábia, era detentora da roca, onde tecia
o fio da vida. Ficou encarregada de ordenar o firmamento dos céus, tecendo
uma renda que uniria, ponto a ponto, todos os astros, estrelas e planetas.
E fez então com que todos os planetas tivessem rotação regular sobre
o seu próprio eixo, promovendo a alternância entre o dia e a noite e
a mudança das estações.
Filha
de uma ninfa fiandeira e de um pai imortal, era a segunda rendeira.
A ela coube fazer matas e florestas, enriquecendo o solo para a cultura
de alimentos. Com cuidado trabalhou tudo em rede e renda de várias espécies.
Organizou as cores do arco-íris, deu direção aos ventos, criou formas
mais suaves e cantos mais lindos para as aves, além de dar-lhes plumagens
de raro esplendor. Ordenou que os animais também adquirissem uma imagem
menos selvagem e que até alguns aprendessem a tecer fios de seda, redes
de mel e teias de luz.
A
Terra ficou rica em beleza natural, dona de uma vegetação luxuriante,
pastos ricos, terras férteis, flores e plantas que brotaram por toda
a parte. E regada por águas de frescos riachos. Até que a rendeira encontrou
uma bela índia sentada à entrada de uma caverna, chorando com saudade
do amado. Ela então ensinou a índia a tecer uma renda que a fez ficar
ainda mais bela para o seu amor.
Já
a terceira rendeira era a mais jovem e bela de todas. Dizia-se filha
das águas rendadas do mar. E deu destino aos mares, bordando-lhes belas
espumas com fios de seus próprios cabelos. Foi ela quem ensinou as rendeiras
das populações costeiras a tecer, imitando os corais, os arrecifes,
as algas marinhas e as ondas do mar. E também teceu a luz da lua cheia.
E, ao ver a Floresta Amazônica, a Lua chorou. Uma de suas lágrimas caiu
e transformou-se no Rio Amazonas.
Assim,
entre rendas e lendas a Mangueira irá falar de muitas coisas, mostrando
outras histórias, pontos, bilros, aranhas, botos que se transformam
em encantadores homens para atrair as mulheres dos pescadores. Estas,
para não serem possuídas por seus encantos, fazem suas rendas, cantando
benditos e ladainhas, enquanto esperam seus maridos.
Mas
as três rendeiras estarão no asfalto, vestidas de verde e rosa.