Lapa: estrela da vida inteira
Justificativa:
Contam que faz pouco mais de uma
década que a Lapa ressurgiu. Se, antes disso, suas ruas e ladeiras
estavam escuras e quase desertas; decadentes nas fachadas, maltrapilhas
e desfiguradas, borradas, hoje, pulsam vivas, vibrantes, intensas e
brilhantes. É cosmopolita. Carioquíssima.
A Sociedade Recreativa Escola de Samba Lins Imperial vem
celebrar esse ressurgir das cinzas de horas que pareciam sem fim deste
bairro que resume a alma desta cidade e de sua gente, e vem exaltar sua
história, suas personagens e sua cultura.
Pretende contar, neste enredo, a metáfora de uma estrela que
desponta na manhã, atravessa o dia e reluz intensa ao cair da noite e no
esplendor da madrugada, todos os dias, como que através dos tempos: sua
arquitetura, cenário de uma paixão avassaladora, pintada com seus
personagens por Debret; barulhento mercado exótico; berço dos
desocupados, viajantes, solitários, sobreviventes; palco e alcova dos
artistas, intelectuais, poetas, sambistas e de gente comum. Passarela de
blocos e cordões onde se misturam os dramas comuns e ridículos das
paixões com suas invejas, ciúmes e traições.
Para isso, a Águia Imperial também quer vê-la sob o olhar de
um de seus mais ilustres moradores: o poeta Manuel Bandeira (1886-1968),
que residiu anos na rua Moraes e Vale, o Beco do Rato, e que, assim como
os primeiros artistas pintaram a Lapa em óleo e aquarela, desenhou-lhe
com palavras. A Lins inspira-se na sua obra para emoldurar os quadros,
na verdade, cenas dinâmicas. Sim, a Lins também quer fazer poesia. Um
poema-visual.
E “põe pra jogo” sua linguagem, sua diversidade musical, sua
juventude, que também é empreendedora na diversão, na cultura, nas ações
sociais e nos negócios, com seus bares, teatros e restaurantes, alma
viva desta Lapa sempre contemporânea. Malandríssima, esta Lapa!
Eternamente. A vida inteira.
Sinopse:
A Lapa é a estrela do carnaval da S.R.E.S. Lins Imperial. E toda estrela nasce, cresce, amadurece. Conta a Ciência que morre também, mas, seu brilho permanece anos-luz. Porém, na sua poesia, a Lapa é estrela diferente, ainda que tenham espalhado por aí que ela já não era mais a mesma: só existia nostálgica na lembrança dos antigos. Todavia, ainda cintila na paisagem desta Muy Leal Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro com brilho próprio porque surgiu para encantar pintores, cronistas, poetas, cantores e seresteiros.
Nasceu e cresceu em torno da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Lapa do Desterro (24 de outubro de 1750). Desterro é lugar onde vivem os desterrados, os banidos. Lapa, nos informa o dicionário, é “grande pedra ou laje que forma um abrigo.”[1] Portanto, desde sempre é a “pátria” dos forasteiros, dos “exilados”.
Em sua aurora, já brindava a província com as águas cariocas, encantava artistas e foi moldura de uma lenda amorosa. Adornaram-lhe as feições: foi lagoa, ganhou Arcos, esculpiram-lhe fontes e geometrizaram-na em suas formas. A luz da manhã intensificou-lhe a vocação para o burburinho das gentes e suas multicoloridas origens, desejos e necessidades. Sua oferta sempre foi generosa e diversificada.
Suas pontas vão da Glória, pela rua Conde Lage (e mais as ruas Taylor e Joaquim Silva, consagradas ao miché), percorre e atravessa os Arcos (que desemboca no Largo da Carioca, antigo Tabuleiro da Baiana), segue a Riachuelo (a imortal rua de Mata-cavalos de Machado de Assis), paralela à rua Mem de Sá, chegando até a Praça Tiradentes. Por este quase corredor, a cidade foi crescendo, penetrando o sertão.
A Lapa é mulher que se entrega (sem pudor) ao olhar devasso dos amantes. Bordada e em enfeites, abriu-se aos aventureiros de outras terras. Lapa de Debret.
Enfeitiçou, com seu jeito faceiro e dengoso, quem se permitiu ousar. Estrela vésper. Lapa das baianas.
Entregou-se Mulher aos andarilhos como a lua ao poeta e fez da noite o seu retrato definitivo. Lupanares.
Se o Estado era novo e a ordem era trabalhar – como? -, sobreviver, sim, sempre foi o mister. Malandro é um Ás que encaçapa a vida na sorte.
E o poeta de sua janela, cronista de tudo, admirando-a, mistura-se à turba sonora, aos loucos, aos bêbados, às prostitutas bonitas e nem tão bonitas, aos clowns e enjeitados, comungando da mesma solidão que passa imperceptível e secreta sob sua inevitável alegria noturna, juvenil, contemporânea. Como escreveu o poetinha Vinícius de Moraes, “A Lapa de Bandeira ”[2] era um Beco e, como uma escarpa, em cujo cimo brilhava o farol da poesia, era um aceno de um porto seguro às almas sem norte, sem leme, sem rumo. Rosa dos Ventos.
Este Beco é a rua Moraes e Vale, uma das primeiras ruas do Rio, criada em 1773, quando se fez famosa por sua Folia de Reis e sua festa anual do Divino. É o que restou de seu outrora deslumbrante casario: viu passar o féretro da Rainha Maria I e serviu de cenário a autores como Joaquim Manoel de Macedo e Machado de Assis.
Foi rota e “parada” de Mestre Valentim, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré, Sinhô, Villa-Lobos, Portinari, João do Rio, João Gilberto, Vinícius de Moraes, Noel Rosa, Aracy de Almeida. Centro da boêmia carioca, coração da Lapa de Di Cavalcanti e Jayme Ovalle, desde 1916. Rua de Eneida, Madame Satã e Manuel Bandeira que a imortalizou com os Poemas do Beco. Reduto do samba e berço do carnaval (nela nasceu o entrudo) e do modernismo brasileiro (iniciado por Di Cavalcanti, com desenhos da mesma rua). Área 1 do Corredor Cultural, hoje reduzida a um único e importante quarteirão.
O Beco: dos exilados morais e amorosos; dos expatriados nacionais, das polacas e francesas – a Montmartre carioca.
Mas, onde está a malandragem? O que foi feito da “Montmartre” tropical?
“Foram os dois últimos anos da Lapa que marcaram época. Vieram logo depois o fechamento dos prostíbulos e a decretação da ilegalidade do jogo. Os malandros iriam ficar por ali, esperando o quê? Dispersaram-se, empobreceram, arribaram nos subúrbios, em casas de parentes humildes que os esperavam, cheios de fé, com uma cama por forrar e um prato a mais a pôr na mesa”, lembra queixoso e entristecido um de seus ex-moradores mais ilustres.[3]
Já não havia mais o Beco, o Grande Hotel, os bordéis, nem Madame Satã. Não há mais aquele Poeta. “Homenagem ao malandro”[4], apenas um “Passado de Glória”[5].
Porém, dos subúrbios voltam os “filhos” dos bambas e malandros e começam as primeiras rodas de samba sob os Arcos e no Beco do Rato. Da Zona Sul, aporta um “Circo sem lona”. Na companhia do Cabaré Casanova, da Sala Cecília Meirelles, da Escola de Música da UFRJ, da Escola de Balé Maria Olenewa, da Gafieira, do Museu da Imagem e do Som, a cidade então chamada “Partida” reata-se. A Fundição é progresso, é futuro. São esses jovens sonhadores e empreendedores que pintam as novas “Cores da Lapa”. É caleidoscópio, é universal, é jovem, contemporânea. Ainda eternamente OFF, livre, deliciosamente transgressora e “marginal”.
Novos tempos, novas palavras. Mas, sempre Malandra, boêmia, “abrigo” das mesmas gentes nada comuns.
Enredo de Rogério Rodrigues, Eduardo Gonçalves e Flávio Melo
Pesquisa e textos: Rogério Rodrigues
Roteiro de Desfile: Comissão de Carnaval
Desenvolvimento:
Notas:
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa. 4ª. edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
[2] Existia, e ainda existe Um certo beco na Lapa Onde assistia, não assiste Um poeta no fundo triste No alto de um apartamento Como no alto de uma escarpa. Em dias de minha vida Em que me levava o vento Como uma nave ferida No cimo da escarpa erguida Eu via uma luz discreta Acender serenamente. Era a ilha da amizade Era o espírito do poeta A buscar pela cidade Minha louca mocidade. Como uma nave ferida Perambulando patética. E eu ia e ascensionava A grande espiral erguida Onde o poeta me aguardava E onde tudo me guardava Contra a angústia do vazio Que embaixo me consumia. Um simples apartamento Num pobre beco sombrio Na Lapa, junto ao convento... Porém, no meu pensamento Era o farol da poesia Brilhando serenamente. (Rio de Janeiro, 1952. Para viver um grande amor)
[3] Antônio Maria. In: LUSTOSA, Isabel. Lapa do desterro e do desvario – uma antologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001.
[4] Eu fui fazer um samba em homenagem à nata da malandragem
Que conheço de outros carnavais
Eu fui à Lapa e perdi a viagem
Que aquela tal malandragem
Não existe mais
Agora já não é normal
O que dá de malandro regular, profissional
Malandro com aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
Malandro com contrato, com gravata e capital
Que nunca se dá mal
Mas o malandro pra valer
Não espalha
Aposentou a navalha
Tem mulher e filho e tralha e tal
Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe e chacoalha
Num trem da Central
(Chico Buarque de Holanda)
[5] “Passado de glória”, samba de Monarco. Selo Eldorado, 1980. “Um dia tu foste à Lapa ver a malandragem Perdeste o tempo e a viagem Como teu samba diz. Eu fui à Portela ver os meus sambistas Mas, consultando a minha lista, Também não fui feliz... Lá, falaram-me sobre um terreiro Onde eles passam o dia inteiro Num lugar qualquer de Oswaldo Cruz Fica lá perto de Bento Ribeiro Aonde Paulo e seus companheiros Faziam sambas que até hoje ‘seduz'”
Roteiro do desfile:
Nº |
Nome da Fantasia |
Nome da ala |
Descrição |
Responsável pela
ala |
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Comissão de Frente |
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1ª Alegoria: A Lapa
do tempos dos monarcas: os primórdios do sagrado e do
profano
Representação Artística:
As igrejas do Rio de Janeiro no
tempo dos Vice-Reis eram muito simples na fachada, porém,
possuíam interiores ricos e adornados com diversas peças em
ouro e prata.
Representação Específica:
A alegoria traz elementos sacros
que remetem ao interior da Igreja de Nossa Senhora da Lapa
do Desterro, como castiçais, a pia batismal, os resplendores
e a pomba do Divino Espírito Santo, complementados por
composições que representam as festas do Imperador do
Divino, Folias de Reis. Quatro figuras de carregadores ao
fundo do carro, aqueduto, a pomba do Divino Espírito Santo,
quatros castiçais, fonte e frontispício em alusão ao Passeio
Público. Dois anjos laterais superiores e dois anjos na
parte no meio do carro compõem a alegoria.
Principais destaques: Ricardo Ferrador |
1° Setor: Estrela da manhã
A Lapa remonta aos tempos dos Vice-Reis e tem na sua origem
a construção de três monumentos que a caracterizam até hoje:
a Igreja de Nossa Senhora da Lapa, o Aqueduto da Carioca e o
Passeio Público.
“Lapa” significa gruta e esta palavra está associada a uma
santa cuja história remonta à Idade Média, época em que os
mouros invadiram Portugal.
Contam que, quando um convento beneditino foi atacado,
algumas religiosas conseguiram escapar e esconderam uma
imagem de Maria em uma pequena gruta. Cinco séculos mais
tarde, uma menina muda encontrou a escultura esquecida e a
levou para casa, pensando ser uma boneca. A menina recuperou
a fala milagrosamente e a gruta virou um local de culto.
Esta milenar invocação rendeu à cidade do Rio de Janeiro a
construção da igreja mais antiga do bairro nomeado a partir
da Santa.
Fundada originalmente com o nome de Igreja de Nossa Senhora
da Lapa, a igreja teve sua construção iniciada em 1751, um
ano após o Capitão Antônio Rabelo Pereira ter doado o
terreno para um seminário de padres. A igreja funcionava
normalmente, até que, em 1810, Dom João VI decidiu ocupar a
Praça XV, onde moravam os padres carmelitas da cidade. Em
troca, D. João cedeu a Igreja Na. Sra. da Lapa como nova
moradia para os padres. No mesmo ano, os carmelitas
rebatizaram a igreja, que passou a se chamar Igreja de Na.
Sra. do Carmo da Lapa do Desterro, agora com a imagem das
duas santas.
Em 1824, após um grande incêndio, a igreja inicia uma longa
reforma, ganhando (entre outras coisas) azulejos raros para
suas duas torres.
Em 1827, ergueu-se o arco cruzeiro na construção, e, em
julho de 1849, quando a reforma foi, finalizada, a Igreja
ganhou status de templo abençoado. Entre o que restou depois
do incêndio, foram resgatadas peças de valor histórico, como
telas atribuídas a João de Souza, imagens de apóstolos
chapeadas em prata, atribuídas a Mestre Valentim – também
responsável pela construção do altar-mór de Nª Sra do Carmo
–, um órgão francês do séc. XIX, e também os restos mortais
de Frei Pedro de Souza de Santa Mariana, preceptor do
infante D. Pedro II – um freqüentador assíduo das festas do
Império do Divino do Espírito Santo.
Em 1673, foi iniciada a construção do Aqueduto da Carioca
com o objetivo de levar as águas do rio Carioca à cidade, as
primeiras a serem canalizadas. A idéia de aproveitá-las
surgiu durante o governo de Martim Correia de Sá
(1602-1608), quando se pretendeu levar suas águas até o
local de Nossa Senhora da Ajuda, atual Cinelândia. As águas
seguiam por toscos canais que desembocavam próximos ao
Convento de Santo Antônio. Esse sistema só foi aperfeiçoado
no século seguinte. O aqueduto foi construído em estilo
romano, de dupla fileira, com 42 arcadas. Em 1896, vira
viaduto e passa a ser usado pelos bondes elétricos que fazem
a ligação da Lapa à Santa Teresa.
Mas a Lapa, também, surgiu quando havia a lagoa do
Boqueirão... Nesta época, já se contava a história do 4º.
Vice-Rei do Brasil, D. Luiz de Vasconcelos, que teria uma
namorada, Susana, que morava às margens dessa lagoa. Conta a
lenda que, como prova de seu amor, o Vice-Rei mandou
construir no local um belo jardim, o Passeio Público, com a
fonte dos amores – primeira praça da cidade. Para aterrar a
lagoa, foi feito o desmonte do Morro das Mangueiras, que
fazia parte do maciço de Santa Teresa. Para executar o
jardim foi contratado Valentim da Fonseca e Silva, o famoso
Mestre Valentim. Embora tenha nascido nas Minas Gerais, foi
um dos principais arquitetos do Rio de Janeiro, tendo
deixado sua marca em importantes obras no Período Colonial.
Mestre Valentim construiu um jardim geométrico, em estilo
francês – como o jardim das Tulherias e do Palácio de
Versalhes. Dele são também o Chafariz dos Jacarés, em estilo
Barroco (a estátua de uma criança foi roubada e substituída,
anos mais tarde, por uma reprodução); as duas pirâmides
ainda existentes; e os dois mirantes, de onde as pessoas
podiam apreciar a paisagem da Baía de Guanabara, porque o
mar chegava até o Passeio. |
1 |
Negras e negros aguadeiros |
|
Os negros e suas cuias e seus
potes e as escravas formosas, com seus torsos coloridos,
seus jarros de barro, carregavam da fonte do aqueduto água
fresca para as casas dos senhores. |
Julio |
2 |
Folias na Lapa no tempo dos
vice-reis |
Águia Imperial |
São famosas as festas do Divino
Espírito Santo na cidade. E, não poderia ser diferente no
entorno da Igreja de Nossa Senhora da Lapa do Desterro. |
Marcelo Rocha |
3 |
Lampadeiros |
|
Quando cai a noite, o forte
cheiro de óleo usado para a iluminar as ruas invade a
cidade. |
Ronaldo Abrahão |
4 |
Fonte dos amores |
|
Representa a
fonte esculpida por Mestre Valentim, por encomenda do
Vice-Rei para sua amada. |
S.R.E.S. Lins Imperial |
2° Setor: Estrela da tarde
Com a chegada da Família Real, em 1808, e a conseqüente
transformação no cotidiano da acanhada província que era o
Rio, este recanto, que já tinha vocação para acolher pessoas
de diversas origens, começou a ser palco e personagem de
artistas que nela buscaram abrigo e inspiração: Jean-Baptiste Debret, que chegou com a Missão Artística
Francesa, retratou, sob a luz intensa do sol tropical, usos,
costumes e gentes no percurso que fazia entre o Paço
Imperial e seu ateliê, no Catumbi. A Lapa já era musa
inspiradora. Eram negros escravos, negros forros, damas da
corte, funcionários do governo... |
5 |
Figuras de Debret: pregoeiros,
damas e pajens |
Ala Imperial |
O cotidiano da provinciana
cidade nas gravuras e quadros do famoso pintor francês. |
Graça |
6 |
As vendedoras de flores
e ervas |
Baianas |
Vendedoras de flores
e ervas. |
Tia Márcia |
Tripé: Tabuleiro da baiana
Quase sempre abandonadas pelos companheiros e
com muitos filhos para serem criados, as baianas ofereceriam
nas ruas, praças e largos seus quitutes de todos os tipos. A
grande escultura da baiana traz o famoso tabuleiro, que, no
enredo, também representa o nome como ficou famoso o Largo
da Carioca, na extremidade do antigo Aqueduto da Carioca e
agora Arcos da Lapa, ponto final dos bondes que descem de
Santa Teresa.
Representação Artística:
Embora os negros já fossem
representativos em número, no Rio de Janeiro, sobretudo os
provenientes da região de Angola, foi a partir da chegada
dos negros baianos, de cultura iorubá, em meados do século
XIX, que começou a forte presença dos negros capoeiras e a
tradição das baianas quituteiras, que faziam de sua
habilidade culinária nos doces e salgados meio de
subsistência.
Representação Específica:
A escultura representa uma dessas
personagens tão comuns na vida carioca de então.
Notadamente, Ialorixás (matriarcas de terreiros de
candomblé) e Iaôs (filhas de santo), tornaram-se parte da
paisagem carioca, com suas roupas, turbantes e colares
coloridos e seu tabuleiros de guloseimas, tão comuns nas
aquarelas e gravuras do pintor francês Jean-Baptiste Debret,
que passava pela Lapa, no trajeto do Paço Imperial até seu
ateliê, no Catumbi. |
7 |
Malandro capoeira |
|
Os primeiros
tipos da malandragem: negros forros, sem ocupação definida e
que faziam da ginga e das pernadas meio de defesa e ataque.
Mas, também, um passatempo lúdico. |
Vitória e Solange |
3° Setor: Libertinagem
Os malandros que viveram nas primeiras décadas do século
XX e “protegeram” a Lapa, pode-se dizer, são a ligação no
século XIX, dos grupos que eram denominados desocupados com
as “academias” de capoeiras que irão começar a se alastrar
no Rio.
Essa malandragem foi surgindo nos morros e no Centro, mais
precisamente, na Lapa, durante a década de 20. E, ao mesmo
tempo, ia surgindo também a primeira geração de sambistas do
morro, também malandros.
Na década de 30, o termo malandro era visto como nome de
rei. Já nos anos 40, o malandro usa um disfarce: o terno de
linho limpo e bem cortado, imagem que permanece até hoje no
imaginário que cerca a Lapa da época. Ficaram famosos nomes
como Meia-noite, Beto Batuqueiro, Edgar, Sete Coroas,
Miguelzinho e muitos outros.
Além dos malandros tradicionais, muitos travestis que
chegavam da Europa também ficaram famosos na época. O
travesti mais comentado nas crônicas lapianas foi Leonor Cammarão. Dizem que morreu enquanto tomava um banho de
champanhe e era a boneca por quem mais de um homem se matou.
Mas, nenhum outro malandro ficou mais famoso do que Madame
Satã (João Francisco dos Santos, 1900-1976) e, talvez,
jamais existiu alguém mais maldito do que ele, considerado o
perfeito malandro carioca. Ele imperou na Lapa entre 1920 e
1950. Também ficou conhecido como “Caranguejo da Praia das
Virtudes”, onde nadava diariamente, e, mais tarde, como
“Mulata do balacochê”. Foi pivete de rua, garçon e
transformista nos cabarés da área. Era forte e ficou
conhecido pela habilidade na capoeira e pelas inúmeras
brigas com policiais e com qualquer outro que atravessasse
seu caminho.
“Malandro, naquele tempo, não queria dizer exatamente o
que quer dizer hoje. Malandro era quem acompanhava as
serenatas e freqüentava os botequins e cabarés e não corria
de briga, mesmo quando era contra a polícia! Cada malandro
usava a sua navalha, cuja melhor era a sueca (sic)... que
tinha o apelido de pastorinha.”, dizia.
Com a proibição do jogo no Governo Gaspar Dutra e o Estado
Novo de Getúlio Vargas, a vida do malandro fica pior, pois,
com a ideologia do culto ao trabalho e à produção, é
iniciada uma severa repressão aos “ociosos”, ou seja, aos
malandros da boêmia carioca. Fecham-se os cassinos, bordéis,
demolem-se hotéis... |
8 |
Malandro rei |
|
Muitos foram malandros, porém, em determinados lugares e
épocas, só havia espaço para um. E este era o rei do pedaço |
S.R.E.S. Lins Imperial |
9 |
Jogos de malandro |
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Carteado e
jogos de azar são lazer e “ocupação” dos malandros da Lapa. |
S.R.E.S. Lins Imperial |
10 |
Madame Satã |
|
Representa a
exuberância feminina e a valentia do malandro mais famoso da
Lapa. |
S.R.E.S. Lins Imperial |
11 |
Perseguição à malandragem |
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De
bar em bar As forças de repressão do Estado perseguiam os
desocupados, os travestis, todos aqueles à margem da ordem
moral e social vigente. |
Graça |
2ª Alegoria: Cabarés
e lupanares
Representação Artística:
A Lapa caracteriza-se,
definitivamente, como a região da permissividade e da
luxúria. Tornam-se famosos os bares, hotéis e cabarés.
Famosas também são francesas e polacas que chegam ao local.
Mas, também, os programas atendem aos fregueses que procuram
“bonecas” e rapazes.
Representação Específica:
A escultura central da alegoria
tem uma grande roleta representando o carteado praticado nos
estabelecimentos da região, mesmo depois da proibição do
jogo no Brasil. Ao fundo, duas grandes esculturas
representam a repressão policial sobre os malandros,
travestis e “desocupados” do local. O grande chapéu panamá
com asas representa o famoso Madame Satã. Nas sacadas do
carro, polacas e francesas. Na escadaria, mulheres com
sombrinhas. Composições representando rapazes que fazem “michês”.
Quatro semidestaques: dois frontais e dois laterais
representando as donas de cabarés.
Principais destaques: Nedilson, como Madame Satã |
12 |
Bloco Caçadores de Veado |
|
Bloco
carnavalesco fundado por Madame Satã e seus amigos para
ridicularizar os policiais. |
Cláudio |
4° Setor: Carnaval
A Lapa Boêmia atingiu seu período de ouro nas décadas de
30 e 40. Em suas ruas e becos e em seus famosos hotéis,
cafés, restaurantes, bares, boates e leiterias, passaram
músicos, sambistas, artistas, diplomatas, políticos e
intelectuais. Marcaram época o bar Siri, o Café Colosso, o
Capela, o Café Bahia, o Café Imperial, os cabarés Apolo,
Royal Pigalle, Vienna-Budapeste, Novo México, Casanova, o
incrível “Cu da mãe!” e o Cassino High Life, onde
parisienses, polacas e brasileiras se apresentavam quase
nuas.
Por tudo isso, foi um dos principais pontos de referência
da vida noturna da cidade e passou a ser chamada “Montmartre
Carioca”, em comparação ao famoso bairro boêmio de Paris.
O grande poeta Manuel Bandeira (1896-1968) morou entre
1933 e 1953 no local que era considerado o epicentro da Montmartre Carioca – rua Moraes e Vale, o famoso Beco.
A Rua Moraes e Vale foi uma das primeiras do Rio (1773),
quando se fez famosa por sua Folia de Reis e sua festa anual
do Império do Divino. Seu deslumbrante casario viu passar o
féretro da Rainha Maria I e serviu de cenário a autores como
Joaquim Manoel de Macedo e Machado de Assis, entre outros e
freqüentada Mestre Valentim, Chiquinha Gonzaga, Ernesto
Nazaré, Sinhô, Villa-Lobos, Portinari, João do Rio, João
Gilberto, Vinícius de Moraes, Noel Rosa, Aracy de Almeida.
Mas, foi especialmente Bandeira, do alto de sua janela que
dava para este famoso beco, quem mais bem observou e viveu
toda a agitação desta pequena rua que não dormia, centro que
foi da boêmia carioca, coração da Lapa de Di Cavalcanti e
Jayme Ovalle, rua de Eneida, de Madame Satã. Mas, para
sempre, o Beco de Manuel Bandeira. O verdadeiro berço do
carnaval, pois, nela teria nascido o entrudo, mas, já
foliona, desde os tempos das festas nascidas religiosas e
transformadas pelo povo em alegria pagã. E inspirou, também,
o Modernismo Brasileiro, antes da Semana de 1922: Di
Cavalcanti, com seus traços nada figurativos, a desenhou em
sua torta inspiração.
"Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do
horizonte? - O que eu vejo é o beco”, escreveu Manuel
Bandeira. |
13 |
Clowns |
|
A alma do palhaço, que
faz rir sendo ridículo. |
Gera |
14 |
Melindrosas e almofadinhas |
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Fantasias das mais famosas no carnaval, representam o que
existe de mais jovem e coquete nos tipos da Lapa de todos os
tempos. |
Erô e Oliveira |
1º Casal de Mestre
Sala e Porta Bandeira: O baile de máscaras |
15 |
Seresteiros |
Bateria |
Prostituta ou não, muitos poetas e amantes ficaram
sob as janelas da Lapa para cantarem seus amores e desejos
às eleitas. |
Mestre Adílio |
16 |
Ases do gingado |
Passistas |
Nas
gafieiras mais famosas do bairro, todos os pés-de-valsa
exibiam suas habilidades na dança. A ginga e o requebrado e
os passos maneirosos riscavam o chão. |
Ciro do Agogô |
17 |
Carnaval: pierrôs, colombinas
e arlequins |
|
Os personagens da Commedia Dell”Arte italiana
representam, à moda carioca, o triângulo amoroso, as brigas,
as disputas de dois amantes pelo amor de uma mulher. É
carnaval. |
Jorge Torresmo, Paulo Marrocos e Glória |
18 |
Evoé, Momo! |
|
Tudo o que
representa desmedida, excesso, embriaguês e alegria está
simbolizado nesta fantasia. O sonho de que a terça-feira
seja gorda existe. |
S.R.E.S. Lins Imperial |
3ª Alegoria: Boêmia e
“Sonhos de uma terça-feira gorda” na Montmartre Carioca
Representação Artística:
Manuel Bandeira, um dos mais ilustres moradores do bairro,
escreveu o livro Carnaval, em que as figuras carnavalescas
do Pierrô, da Colombina e do Arlequim representam os dramas
e a solidão dos apaixonados. A Lapa acolhe todos aqueles que
procuram amor e é cenário das paixões arrebatadoras.
Destaques laterais representam os Bailes de Carnaval e
dentro do bonde os mascarados.
Representação Específica:
A Montmartre Carioca, como ficou
conhecida a Lapa por abrigar artistas e intelectuais também,
é palco das batalhas de carnaval e dos seresteiros.
Principais destaques: Grupo Raízes do Lins, Marquinhos de
Oswaldo Cruz, Ivan Milanez |
5° Setor: Ritmo dissoluto
A história da Lapa é marcada pela constante transformação
do seu espaço físico. A despeito de ora reerguer-se ora cair
no esquecimento, parece manter viva a energia e a capacidade
de sempre renovar-se.
Mesmo com a demolição, no século XX, de parte considerável
de seu casario e o alargamento de algumas ruas, foram
mantidas as principais características de espaço da cultura,
como a Sala Cecília Meirelles, a Escola de Música da UFRJ e
a Escola de Danças Maria Olenewa. A estes
prédios/instituições somam-se bares e restaurantes
tradicionais como o Bar Brasil e o Nova Capela.
Em 1980, instala-se o Circo Voador e, posteriormente, a
Fundição Progresso . Na segunda administração do Governador
Leonel Brizola (1990-1993), é criado o projeto Quadra da
Cultura para a reutilização de parte dos sobrados da área da
avenida Mem de Sá para atividades culturais, sendo
contempladas as seguintes instituições: Centro Teatro do
Oprimido (Augusto Boal), Grupo de Teatro Tá na Rua (Amir
Haddad), Grupo Hombu de Teatro, Instituto Palmares/Casa
Brasil-Nigéria e Federação dos Blocos Afros e Afoxés do Rio
de Janeiro .
O Projeto Quadra da Cultura ajudou a sinalizar a área como
local em vias de recuperação: estabeleceu-se um circuito que
incluía espetáculos, bailes e festas no Circo Voador, na
Fundição Progresso, nas casas da Quadra de Cultura, e no Asa
Branca (atual Pizzaria Guanabara); posteriormente, surgiu
uma nova área de atividades boêmias composta por
restaurantes e bares do trecho inicial da rua Joaquim Silva,
da rua Visconde de Maranguape e do Largo da Lapa.
Em fins dos anos 90, um grupo de sambistas liderados por
Marquinhos de Oswaldo Cruz, Ivan Milanês e outros inicia uma
roda de samba sob os Arcos e surgem os primeiros bares com
música ao vivo, tornando as noites ali muito concorridas e
com ampla cobertura na imprensa , que noticia o
“renascimento” da Lapa. Centenas de ambulantes que se
instalam no calçadão junto aos prédios, na praça em frente
aos Arcos e na própria pista de rolamento da rua Joaquim
Silva, exibem uma organização que desafia a fiscalização e
garantem a divisão espacial da área, servindo bebidas,
churrasquinhos e cachorros quentes.
Essa movimentação junto aos Arcos expandiu-se em direção à
rua do Riachuelo e à avenida Mem de Sá. Lá foram abertas
casas de música como o Carioca da Gema, o Café Cultural
Sacrilégio, a Estrela da Lapa, o Teatro Odisséia, enquanto
outros espaços continuaram a atrair grupos mais
alternativos. Também foram redescobertos o Clube dos
Democráticos e a rua do Lavradio – esta, após grande obra de
reurbanização, foi incorporada à nova atividade boêmia, com
seus antiquários-bares, com a programação musical de samba,
choro e mpb.
Em 2000, foi criado, através de decreto estadual, o
Distrito Cultural da Lapa que pretendia ampliar a idéia do
projeto Quadra da Cultura, englobando as seguintes ruas:
avenida Mem de Sá, rua do Riachuelo, avenida Gomes Freire,
Largo da Lapa, rua do Lavradio, rua dos Arcos, rua Joaquim
Silva, travessa do Mosqueira, rua do Resende, rua da Relação
e rua Visconde de Maranguape.
Além dessa iniciativa pública, destaque-se a atuação dos
empresários na área gastronômica e do setor da construção
civil, com empreendimentos imobiliários residenciais, com
extraordinário sucesso de vendas.
Hoje, com novas propostas de requalificação sócio-econômico-cultural, a Lapa mostra-se cada vez mais
jovem e renovada.
Com toda a certeza é a face mais diversificada e
cosmopolita do Rio de Janeiro contemporâneo. Reúne o
tradicional e o moderno; o sofisticado e o popular.
Estrela da vida carioca, inteira. |
19 |
Memória Cultural |
Velha Guarda |
A Lapa, em sua diversidade, é um acervo cultural e histórico
de suma importância para o Rio de Janeiro e para o Brasil. A
Velha Guarda da Lins Imperial representa com garbo esta
primazia. |
Rita |
20 |
Damas |
Departamento Feminino |
As moças de família também freqüentavam as vesperais e
bailes do Automóvel Club do Brasil, mas, sobretudo, faziam o
“footing” antes e depois das missas. |
Tia Dilma |
21 |
Partideiros e cabrochas:
ressurgimento das rodas de samba |
|
Depois de um longo período
de degradação e esquecimento, a despeito das iniciativas
oficiais tímidas de requalificação do bairro,
espontaneamente, sambistas do subúrbio realizam suas rodas
de samba sob os Arcos, que ficaram famosas e começaram, no boca-a-boca, a correr a cidade. O carioca retorna à Lapa. |
Geovana |
2° Casal de Mestre
Sala e Porta Bandeira: Ressurgir das cinzas |
22 |
Turistas: quem é você no mundo
do samba? |
|
Turistas e “novos sambistas e malandros” lotam os
bares, casas de samba e ruas da Lapa. Para muitos
entendidos, turista e novo sambista são a mesma coisa. E
enchem a Lapa de alegria. |
Rosemary |
23 |
Do chopp à gastronomia |
|
O
bairro boêmio recebe com velocidade espantosa, novos bares e
restaurantes, tornando-o um verdadeiro e diversificado
centro gastronômico. |
William |
Casais de Mestre
Sala e Porta Bandeira Mirins: Fundição Progresso |
24 |
Rua do Lavradio – sebos e
bares-antiquários |
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Esta rua, reformada nos anos 2000, possui
diversos antiquários e sebos que se transformam em casas de
samba à noite. Sempre no primeiro sábado de cada mês, é
realizada uma grande feira cultural. |
S.R.E.S. Lins Imperial |
25 |
Baleiros e malabares
– O circo chegou! |
Crianças |
Os projetos sociais de inclusão de
crianças que ficavam pelos sinais vendendo balas ou pedindo
dinheiro aos motoristas revelam que ser malabarista não
significa expor-se ao perigo e à humilhação. Malabares é a
arte da habilidade. O Circo Voador e outras instituições
mostram isso, abrindo suas dependências para que as crianças
vivam sonhos de criança mesmo. A Lapa é um circo sem lona. |
Tia Lúcia |
4ª Alegoria: A Lapa
de todas as tribos, a verdadeira cidade da música
A verdadeira cidade da música, do agito, dos
encontros sociais, amorosos e lazer. Como uma fênix a Lapa
ressurge das cinzas.
Representação Artística:
Contando com mais de 30 bares e
casas de samba, abrigando a Sala Cecília Meireles, a Escola
de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a
Fundição Progresso e o Circo Voador, a Lapa, hoje, é a
verdadeira Cidade da Música. Todos os ritmos são ouvidos no
bairro e pessoas de todas as faixas etárias, de todo os
lugares, circulam pela região, sempre prontas para apreciar
desde o erudito até a música eletrônica, passando,
obviamente, pelo samba.
Representação Específica:
Grandes caixas de som, tulipas e
as fachadas da Fundição Progresso e da Sala Cecília Meireles
compõem o carro, centro musical e gastronômico diverso,
ressurgindo a vocação boêmia do bairro. Composições no lado
direito do carro representam a musicalidade e do lado
esquerdo, os ritmos. Sobre o surdo, os sambistas que
ajudaram no “ressurgimento” da Lapa, na década de 80.
Destaque Central Alto: Ednelson
Destaque Central Baixo:
Fantasia: Noites Musicais
Representa todos os ritmos tocados nas noites da Lapa.
Principais destaques: Ednelson representando “Noites
musicais” |
26 |
Ritmos da noite |
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Samba, rock, funk, rap, afoxé, choro, música erudita, tecno: todos os
ritmos convivem e fazem a festa desta verdadeira “Cidade da
Música” de todos as tribos. |
S.R.E.S. Lins Imperial |
Bibliografia:
- Dicionário do Folclore Brasileiro -
CASCUDO, Luís da Câmara. - Global - 2000
- As Escolas de Samba do Rio de
Janeiro - CABRAL, Sérgio. - Lumiar - 1986
- Lapa do desterro e do desvairio –
uma antologia - LUSTOSA, Isabel (org) - Casa da Palavra - 2001
- Manuel Bandeira – visão geral de sua
obra - PONTIERO, Giovani Pontiero. - José Olympio - 1986
- Obra Completa - BANDEIRA, Manuel. -
Nova Aguilar - 1986
- Tia Ciata e a pequena África no Rio
de Janeiro - MOURA, Roberto M. - Funarte - 1985
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