FICHA TÉCNICA 1981

 

Carnavalesco     José Félix
Diretor de Carnaval     ..............................................................
Diretor de Harmonia     ...............................................................
Diretor de Evolução     .............................................................
Diretor de Bateria     ................................................................
Puxador de Samba Enredo     ................................................................
Primeiro Casal de M.S. e P. B.     José Carlos e Rosângela
Segundo Casal de M.S. e P. B.     Itamar e Maria Auxiliadora
Resp. Comissão de Frente     ................................................................
Resp. Ala das Baianas     ................................................................
Resp. Ala das Crianças     ................................................................

 

SINOPSE 1981
Meu Padim, Pade Cisso

Introdução:

          Um apregoado “milagre” fez eclodir o denominado “Movimento” de Juazeiro. Na manhã de 1° de março de 1889, o piedoso capelão, Padre Cícero Romão Batista, ministrava a Comunhão a uma das devotas do lugar. Em poucos momentos, passou-se a acreditar que a hóstia branca tinha-se “milagrosamente” transformado em sangue divino.
          A crença coletiva assim gerada tornou-se, daí por diante, a pedra fundamental de um movimento religioso, enquanto o Padre Cícero, posteriormente suspenso de ordens pela hierarquia eclesiástica, veio a ser o famoso chefe do “Movimento”.
          Durante muito tempo, tanto o “Movimento” quanto o seu líder atraíram a atenção e o interesse dos brasileiros, provocando uma considerável controvérsia. As divergências políticas e religiosas inspiradas por Padre Cícero e pelo “Movimento” se situam entre as mais acaloradas dos anais da história brasileira.
          Surgiu, além disso, uma vasta literatura mítica; bardos nordestinos dos sertões e cantadores apropriaram-se da figura profética do Padre Cícero e introduziram-no no seu repertório popular. Assim fazendo, transfiguraram o sacerdote suspenso de ordens num ente milagroso e num dos heróis legendários da crença popular regional.

“Faz quarenta e tanto ano
Que chegô no Juàzero
Construiu uma matriz,
Botô na frente um crucêro,
Celebrô a Santa Missa,
Deu benção ao mundo intêro.

Meu Padim é quem possui
Talento, força e podê
Dado pela Providênça!
Quem duvidá – venhá vê!
Ele é quem dá a dereção
Do que se tem que fazê...

Viva a Deus, primeiramente,
Viva São Pedro chavero,
Viva o santo Juàzero,
Que é nosso Jerusalém,
Viva o Padim Pade Cisso,
Para todo, sempre, Amém !”

(João Mendes de Oliveira - Cantador e Poeta popular de Juazeiro in literatura de cordel.)

Sinopse do Enredo:

1ª Parte – O Cariri

          A herança mística do sertão é tão antiga quanto os povoadores. Logo após o descobrimento regional, os missionários foram servindo de chefes às nascentes populações e catequizando os índios. A indiada construía antes de mais nada uma pequena capela, sob a regência dos missionários, e, além dos deveres religiosos, ocupava-se da plantação e da caça.
          Assim também foi no Vale do Cariri...
          O Vale do Cariri, situado na extremidade sul do atual Estado do Ceará, foi povoado no início do século XVIII por criadores de gado provenientes da Bahia e de Pernambuco, atraídos pelas terras férteis e pelas fontes perenes de água. Graças a esses recursos naturais, constituía-se num verdadeiro oásis, cercado por infindáveis extensões de terras planas, assoladas, ciclicamente, pelas secas. A agricultura, especialmente a plantação da cana-de-açúcar, veio a predominar sobre as atividades pastoris. Foi no final do século XVIII que a Cidade do Crato, onde nasceu Padre Cícero, em 1844, surgiu como a mais populosa e importante do Vale, recebendo a denominação de “Pérola do Cariri”. Possuindo um dos melhores solos do Vale, tornou-se o Crato o principal produtor e fornecedor de excedentes de alimentos para o sertão árido, e eixo das atividades comerciais da região, importante centro de distribuição no interior das manufaturas européias, importadas, através dos mascates.
          Suas elites agrárias e mercantis, ligavam-se mais estreitamente a Recife, principal porto do Nordeste e florescente capital da era colonial, do que a Fortaleza, insignificante sede administrativa portuguesa da Capitania Geral do Ceará.
          Os laços com Recife foram de importância política vital. A cidade-porto era foco de fermentação de movimentos nacionalistas e separatistas, cuja ideologia foi introduzida no Vale do Cariri, que assim se tornou um centro de exércitos patrióticos que buscavam a independência, após uma luta árdua contra os antigos senhores portugueses de Fortaleza e de Icó, os dois centros importantes em população e riqueza do Ceará, naquele tempo.
          As elites do Cariri tinham uma maneira mítica e supersticiosa para conseguir benefícios materiais. Assim se fazia principalmente na época de seca. Os padres achavam que as secas cíclicas e devastadoras eram um castigo divino para com os povos desregrados. Padres e proprietários de terras praticavam uma antiga liturgia, carregando as imagens dos santos padroeiros das paróquias, em procissão, implorando chuva a Deus, por sua intercessão. Novenas e outras práticas litúrgicas eram também correntes, com o intuito de sanar os males do mundo, no tocante do Vale, dissoluto e anárquico.
          Contudo, anunciava-se para o Cariri uma era de renascimento e mudança. A região assumiu o título de “celeiro do Nordeste”. Expandia-se sobretudo a produção de cana-de-açúcar, em todas as terras disponíveis do Vale. O principal produto da região não era o açúcar granulado, e sim a rapadura, bloco retangular de açúcar preto, bruto, que até hoje é um dos componentes mais importantes da alimentação das classes pobres do nordeste brasileiro. O algodão, cultivado em algumas partes do Vale, era destinado à exportação. Fibras mais baratas, consumidas internamente, por pequenas indústrias caseiras.
          Porém o açúcar e o engenho foram os principais responsáveis pela formação da hierarquia social do Vale. No seu ápice achavam-se os fazendeiros de cana, que gozaram de proeminência política e social até o fim do século XIX.
          Os braços da região, empregados do campo, eram livres, sendo, do ponto de vista racial, mestiços. Viviam, contudo, no limite mais baixo da subsistência e eram, de fato, permanentemente ligados aos produtores de açúcar, como bem indica a expressão usada para esses trabalhadores: agregados. As tarefas dos agregados não se limitavam à produção. Em tempos de rivalidade entre os proprietários de terras, aos trabalhadores eram entregues armas para que defendessem com lealdade os interesses dos patrões. Poucas vezes ocorreu uma rebelião contra os patrões, pois os laços sociais e religiosos representados pelo compadrio e pela afilhagem ligavam entre si proprietários e trabalhadores, numa rede de relações e obrigações mútuas. As estruturas que começavam a tomar forma durante esse período vieram a produzir o contexto dentro do qual se desenvolveria o “Movimento de Juazeiro”.
          O progresso do meado do século reavivou a ambição política do Vale. A corte imperial conservadora, entretanto, bloqueou a esperança de vir alguma cidade do Vale a sediar a autoridade provincial em Fortaleza. Os líderes políticos do Vale iniciaram uma campanha em prol da autonomia dentro do Império, propondo a criação de uma nova província, com o nome de Cariris Novos. O plano fracassou, apesar do acolhimento que teve no Rio de Janeiro. A visão de um Cariri maior não morreu facilmente. Em principio do século XX coube ao Padre Cícero reavivar a chama desse ideal.

2ª Parte – O Mito

          Quando o Padre Cícero chegou a Juazeiro, a cidade não passava de um insignificante lugarejo situado na extremidade nordeste do município do Crato. Fora povoado em 1827 pelo Padre Pedro Ribeiro da Silva, que construiu a capela, a casa paroquial e um engenho de açúcar. Em 1875, o arraial ainda conservava os traços de uma fazenda de cana-de-açúcar; sua população de dois mil habitantes. Cinco famílias, os Gonçalves, Macedos, Sobreiras, Landins e Bezerra de Menezes, eram os proprietários das terras. A população consistia de trabalhadores das fazendas de açúcar das mencionadas famílias. Muitos desses trabalhadores descendiam de escravos do Padre Pedro e de mestiços brancos. O povo vivia totalmente à margem da economia de troca e começava a dar sinais de descontentamento na época em que o Padre Cícero chegou.
          Aqueles que convidaram o padre acreditavam que sua presença iria fazer muita coisa pelo progresso e pela tranqüilidade da cidade. Padre Cícero cuidou dos desordeiros da população de Juazeiro. Eram dados à bebida e ao samba, naquela época considerado sensual e degenerado, por ser originário de escravos. Padre Cícero proibiu as danças, fez com que os homens parassem de beber e, relativamente em pouco tempo, Juazeiro retornou à ordem graças do trabalho de seu capelão.
          A reputação que tinha Padre Cícero era de ser desprendido e pobre. Muito raramente aceitava dinheiro para ministrar os sacramentos aos habitantes do Cariri. Em conseqüência disso, era o jovem padre tão pobre que os benfeitores e amigos ricos do Vale costumavam fornecer-lhe batinas, sapatos e até mesmo os cobres para os cortes de cabelo.
          As alegadas visões do clérigo eram tidas como de inspiração sobrenatural. Quando mandou para as terras devolutas do alto Araripe muitas vítimas da seca, – que haviam fugido do sertão em busca do Vale, obrigando-as a plantar mandioca para aliviar a fome, os sobreviventes agradecidos atribuíram mais tarde sua salvação ao padre que consideravam santo.
          No decorrer do ano de 1899 a seca de oito anos tomou conta do Vale. O povo retornou com tristeza às suas orações em busca da consolação divina, enquanto os padres da região o conduziam com renovado fervor. Apenas um fato novo, a presença de Maria de Araújo, uma lavadeira de vinte e oito anos, solteira, natural de Juazeiro e beata residente com a família de Padre Cícero.
          No primeiro dia de março de 1899, Maria de Araújo era uma das devotas que se encontravam na capela de Juazeiro para assistir à missa e acompanhar os rituais que se celebravam todas as sextas-feiras do mês. Foi uma das primeiras a receber a Comunhão. De repente a imaculada hóstia branca que acabava de receber tingiu-se de sangue. O fato extraordinário repetiu-se todas as quartas e sextas-feiras da Quaresma.
          O “milagre” teve insignificante repercussão pública no Nordeste, até que, cerca de dois anos mais tarde, ele repetiu-se na Semana Santa. A cobertura que lhe deu a imprensa do Ceará precipitou um conflito eclesiástico que agitou profundamente a hierarquia católica do Brasil e levou e um cisma nas fileiras do catolicismo no Nordeste.
          Ninguém em Juazeiro duvidava da ocorrência do “milagre”, cuja finalidade tinha sido revelada a Maria de Araujo: Deus escolhera Juazeiro para ser o centro de onde converteria os pecadores e salvaria a humanidade. A prova da missão divina do arraial estava nas levas infindáveis de romeiros que chegavam a Juazeiro. Os fiéis fortaleciam a sua fé, havia curas milagrosas. Ao partirem de volta, os romeiros levavam consigo um talismã, uma fita ou um pedaço de fazenda que tinha sido esfregado no vidro da redoma onde se guardavam os panos e as toalhas manchados de vermelho pelo que se acreditava ser o precioso sangue divino.
          Nas cidades das redondezas, quase toda a população, entre a qual se encontravam ricos comerciantes e grandes fazendeiros, permanecia firme nessa crença. O povo, entretanto, demonstrava ser o mais entusiasta dos milagres. A fé que neles depositava, bem como no Padre Cícero jamais desvaneceu.
          Estudos sobre o “Movimento de Juazeiro” atribuem suas origens e evolução a personalidade do Padre, ao fanatismo religioso e à cultura folk das massas rurais. A luta do Padre Cícero com a hierarquia cearense lhe ocasionara suspeitas governamentais e censuras eclesiásticas. Essa hostilidade, da parte do Estado e da Igreja, levou o povo a explosões de violência e defesa armada a favor do Padre Cícero. Tais atos de protesto contra as autoridades dominantes da sociedade brasileira não chegavam entretanto a revolução. Padre Cícero jamais endossou as expressões agressivas de solidariedade; tudo fez para controlá-las e evitá-las. A personalidade do sacerdote e seu desejo profundo de reconciliação com a Igreja exigiam de seus adeptos docilidade, subserviência e apolitismo. Os camponeses, meeiros e trabalhadores de enxada, vinculados às propriedades das redondezas, tornaram-se a espinha dorsal do movimento religioso popular de Juazeiro. Para eles a principal atração de Juazeiro era a religião popular que começou a manifestar-se, e não a discussão teológica em torno da qual se debatia o clero do Ceará. As beatas de Juazeiro vieram a ser as propagadoras da religião popular. A princípio, somente a lavadeira, de origem modesta, Maria de Araujo, partilhava da publicidade de Juazeiro, em companhia de Padre Cícero. Entretanto outras beatas apareceram em cena. Pouco tempo depois, “visões”, “êxtases” e “revelações” tiveram ampla publicidade em todo o Cariri. Várias dessas beatas ofuscaram rapidamente a taciturna e retraída lavadeira, reivindicando participação naqueles poderes sobrenaturais. As novas beatas tornaram-se assim os oráculos populares de Juazeiro. Pertencendo à mesma classe social da maioria dos romeiros, que chegavam dia a dia, as novas “santas” do povo manipulavam o credo religioso com retumbante sucesso. As beatas deram asas à religião popular que nascia. A pedra de toque da fé popular propaganda pelas beatas era a visão apocalíptica da iminente destruição do mundo. Além da visão do Apocalipse, a nova religião oferecia aos crentes alívio imediato dos sofrimentos terrenos. De um centro de fanatismo religioso à importante força econômica e política do Vale do Cariri, foi essa a transição que se operou no Juazeiro.

3ª Parte – A Romaria

          Juazeiro, como outros centros ortodoxos do Brasil, foi inundado de peregrinos que lá iam em busca de curas para os seus males. Muitos iam fazer promessa, outros iam pagar promessas anteriormente feitas. Ao contrário de outros locais de devoção popular no Brasil, os romeiros de Juazeiro não veneravam um santo poderoso, mas apenas uma pequena urna de vidro existente na capela do local. Dentro da urna havia uma variedade de panos com visíveis manchas, que se dizia terem sido feitas pelo precioso sangue divino, por ocasião das comunhões de Maria de Araújo. Um dos componentes da nascente religião popular de Juazeiro era a sua contagiante euforia espiritual. Transformou-se o lugarejo num acampamento que se constituía no posto avançado do renascimento espiritual. Todos os dias chegavam novos contingentes de romeiros: homens, mulheres e crianças, leigos e clérigos, ricos e pobres, pessoas ilustres e simples desconhecidos. Superlotavam a capela nas horas de missa e lá iam para confessar os pecados e venerar a urna sagrada.
          Nessa época beatas corriam pelas ruas apinhadas exibindo crucifixos de bronze que sangravam “milagrosamente”, havendo ainda as que caiam em “êxtases” e “transes” no meio da multidão. O fanatismo religioso de Juazeiro chegou à provocação às autoridades eclesiásticas, que viram-se obrigadas a revidar com vigor o que achavam ser de seu dever, convencidas, porém, de que o Padre Cícero era incapaz de qualquer embuste, por mais teimoso, ingênuo e rebelde que fosse, acabando por acreditar que a culpa cabia à beata Maria de Araújo.
          Não foi fácil desvendar a farsa de que se suspeitava. Nem um só chefe político, profissional liberal ou fazendeiro do Cariri proferira sequer uma palavra de descrédito. Muito pelo contrário, a maior parte das elites do Cariri continuava a defender politicamente o Padre, apesar do depoimento confidencial de algumas figuras proeminentes locais denunciando a farsa dos “milagres”. Era claro que para os coronéis do interior os adeptos do Padre Cícero formavam um movimento.
          Foi somente a partir de 1895 que se constituiu uma organização formal e, assim mesmo, sob o manto de irmandade, para apoiar o “Movimento”: a Legião da Cruz. O dogma principal era a crença na origem divina dos “milagres” de Juazeiro. Por outro lado, o povo transformava o Padre Cícero num grande fazedor de “milagres” e no árbitro de suas almas. A cidade tinha o costume, por ocasião do Natal, de organizar uma quermesse, dominada pela jogatina, que por fim foi proibida pela autoridade eclesiástica Local.
          Tratado como se fosse uma seita e até privado de comemorar as festas religiosas, o povo logo encontrou práticas para manifestar sua lealdade a Padre Cícero. Enfeitava suas casas com retratos do Padre e da beata Maria de Araújo, que eram tidos e estimados como novos “santos”; usava em volta do pescoço correntes com medalhas cunhadas na Europa, portando a efígie de seus heróis. Padre Cícero tornou-se um dos chefes políticos mais importantes do Nordeste brasileiro. Seu “Movimento”, antes religioso, passou a ser eminentemente político e o baluarte das forças conservadoras. Isto porque, à época, o crescimento demográfico e as esporádicas secas contribuíram enormemente para transformar pacíficos camponeses de outrora em salteadores famintos.
          Na medida em que os chefes locais lutavam entre si pelo controle do Cariri, voltava à tona o cangaceirismo. Agora era o próprio fazendeiro, isto é, o chefe político, que, no seu interesse pessoal, tornara-se o capitão, o recrutador e o promotor de jagunços e cangaceiros. Padre Cícero estava velhinho quando Lampião, o Capitão Virgulino Ferreira da Silva, chegou no Juazeiro. Na madrugada, o Padre saiu de casa para visitar e abençoar Lampião. Não queria ser visto. O capitão não amanheceu na cidade. Depois da visita ao padre, voltou para o sertão. Levava com ele a patente de capitão da Polícia do Ceará e a bênção do seu padrinho.
          Um dos mitos que continuam até hoje é o de que o Padre Cícero enfrentou a morte reconciliado com a Igreja. Sua esperança de reaver as ordens sagradas jamais se realizou. Durante os últimos dias, a enfermidade, a cegueira e a idade conspiraram com a relutância da Igreja em impedi-lo de fazer a última e tão almejada viagem a Roma, da qual ele acreditava resultaria a sua reintegração. O Patriarca, entretanto, não faleceu fora da Igreja.
          Milhares de fiéis desfilaram diante de seu corpo, mantido em pé atrás da janela da residência de onde fizera “milagres”. Sessenta mil pessoas e quase uma centena de padres, provenientes das cidades do Vale do Cariri, acompanharam o cortejo fúnebre. Decorreram quase quatro horas até que os fiéis chegassem a seu destino, a alguns quarteirões da casa do clérigo, hoje “Museu do Padre Cícero”. Ao meio dia a lousa de mármore baixou sobre a sepultura que havia sido cavada no santuário da capela, próximo ao altar.
          O Patriarca morrera. Na mente de alguns dos mais importantes moradores e comerciantes da cidade, assim, também Juazeiro. Alguns começaram a cerrar as portas de suas lojas e abandonar a cidade, cujos verdes campos eles pensavam iriam fenecer. Não há duvida de que a estátua do Patriarca, em tamanho natural, erguida na Praça da Liberdade, era um pobre substitutivo. Mas, não obstante, os romeiros continuaram a chegar. Na sua perene miséria muitos acreditavam e ainda acreditam que o Padre Cícero voltará em breve.
          Enquanto aguardam, e graças ao seu trabalho, a outrora insignificante aldeia continuou a crescer. Floresceu a indústria algodoeira, suas escolas aumentaram, novas fábricas foram instaladas e até a hierarquia eclesiástica reconciliou-se com os “fanáticos” miseráveis, para os quais a justiça ainda está para chegar.
          Com efeito, até que os pobres herdem a terra, Juazeiro, com a promissão passada e presente de um milagre, parece fadado a continuar sendo o pouso mais procurado do Nordeste brasileiro.

Finale

          Uma antiga profecia, repetida pelos beatos anuncia que um dia, o Cariri será inundado pelas águas.
          Contam, no Vale, a história do carreeiro que afundou num sumidouro com sua junta de bois. No brejo encantado, ressoam aboios dentro da noite. Dizem que foram os índios, antigos donos da região, que se vingaram dos primeiros colonizadores, tapando nascentes...
          O Vale um dia será inundado...
          Vaqueiros fincaram currais nos sertões do Nordeste. Povoados e missões pontilharam de longe em longe. Na solidão das caatingas permaneceram os vaqueiros tangendo o gado. Os donos das terras começaram a construir as primeiras casas de taipa nas vilas e povoados dos sertões. Viajavam dias e meses a cavalo para negociar gado, adquirir miudezas e gêneros, freqüentar sacramentos, assistir a missões, comprar sal e rapadura, inteirar-se da política, retornando às fazendas com anacoretas de aguardente, moedas, objetos de prata e de ouro. Os caçuas dos comboios voltavam repletos.
          Os engenhos com suas moendas e correntes, os ariscos cobertos de mandiocais, os canaviais subindo pelas encostas das serras.
          Assim era no tempo...
          Os vaqueiros pastoreavam o gado, os fazendeiros pastoreavam o povo e os padres pastoreavam as almas.
          O Padre Cícero pastoreava as almas de Juazeiro e corria pela boca do povo a fama de santidade.
          Dizem que um cometa surgiu no céu no dia da sua ordenação.
          Verdade e lenda, testemunho e imaginação, invenção e documento, assim cantou o poeta sertanejo a aventura do Patriarca do Juazeiro:

“Conheçam bem pecadores
Quem a Cisso respeitá
Ficará cum Deus eterno
Não irá para o inferno

Meu Padim, Pade Cisso
Foi pro céu vendo o povo sem sorte
Meu Padim foi pedi a Jesus
Proteção prus romeiro do Norte.”

Bibliografia:

  • Milagre em Joaseiro – Ralph  Della Cava – Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1976.
  • Padre Cícero, O Santo do Juazeiro – Edmar Morel – Edições “O Cruzeiro”, Rio de Janeiro, 1946
  • O Padre e a Beata – Nertan Macedo – Edições “O Cruzeiro”, Rio de Janeiro
  • Padre Cícero: Mito e Realidade – Otacílio Anselmo e Silva – Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968
  • Cantadores – Leonardo Mota – Imprensa Universitária do Ceará, Fortaleza, 1960
  • Cangaceiros e Fanáticos – Rui Faço – Editora  Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963
  • Heróis e Bandidos (Os Cangaceiros do Nordeste) – Gustavo Barroso – Rio de Janeiro, 1917
  • Joaseiro do Padre Cícero – Manoel Bergstrom Lourenço Filho – Edições Melhoramentos, São Paulo, 1926
  • Coronel e Coronéis – Marcus Vinicius Vilaça e Roberto C. Albuquerque – Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1965
  • Literatura Popular em Verso – Casa de Rui Barbosa – Catálogo, Vol 1, Rio de Janeiro, 1962.

Alegorias

Abre-Alas: A águia imperial símbolo da Escola
Tripés: Cactos com o símbolo do enredo
Tripé: Abertura da 1ª parte do desfile “O Cariri”
Tripés: Vendas do interior, tendinhas, baiúcas
Painéis: Pinturas alusivas ao enredo: A Morte e A Fome
Tripé: Roda de ralar mandioca e pilão
Estandartes: Literatura de Cordel

“O Meu Padim. Pede Cisso
Protege a qualquê pessoa
Vem gente até de Alagoa
de mais longe e de mais perto”

“É um pastor dedicado
É a nossa proteção
É o salvador das almas
O Pede Cisso Romão”

1ª Alegoria:  O Vale do Cariri - Moenda de cana de açúcar
Tripé: Abertura da 2ª parte do desfile: “O Mito”
Painéis: Pinturas alusivas ao enredo: O Flagelo e A Seca
Tripés: A Caatinga: vegetação nordestina, facheiros, xique-xique, mandacarus, cardeiros e os urubus
Tripé: Cabeça de Boi
Estandartes: Literatura de Cordel

“Viva o Padim
Pade Cisso
Para todo sempre,
Amém”

“Pade Cisso é uma pessoa
Da Santíssima Trindade”

2ª Alegoria: “O Apocalipse” - Uma visão onírica do drama do nordestino A fome, a seca e a peste são representadas por uma hidra tricéfala em oposição aos cavaleiros do exército do bem, protetor dos retirantes
Tripé: Abertura da 3ª parte do desfile: “A Romaria”
Tripés: Almofadas de Bilros, das renderias nordestinas
Tripés: A caatinga e o Sol inclemente cactos com sóis
Painéis: Pinturas alusivas ao enredo: A Miséria e Retirantes
Tripé: Cantadores do sertão – O sanfoneiro e o violeiro do sertão, eternos cantadores e contadores das histórias do sertão nordestino
Tripés: Barracas das Festas – Comidas típicas, frutas da região, rapadura e carne de sol
Estandartes: Literatura de Cordel

“Meu Padim, Pade Cisso
Foi pró céu
Vendo o povo sem sorte
Meu Padim foi pedi
Proteção prus romeiro do Norte”

“Viva a cruz da redenção
E o Pede Cisso Romão
Viva!
Viva, eternamente!”

3ª Alegoria: A Benção de Pede Cisso – A figura da cabocla simboliza a redenção e a liberdade do povo nordestino, da seca, da peste e da fome, o grande sonho do Padre Cícero.
A figura do Patriarca do sertão, em escultura, abençoa o cangaceiro Lampião
Painel: A Esperança – O povo nordestino, na sua perene miséria acredita que o Padre Cícero voltará um dia e com ele uma nova era, de fartura e de bonança, para aquela gente sofrida.

Desfile:

  1. Abre-Alas: Águia imperial
  2. Tripé: Cactos com o símbolo do enredo
  3. Comissão de Frente – Ala Quinze de Ouro
  4. Tripé Abertura da 1ª parte do enredo: O Cariri
  5. Indiada: Ala Infantil
  6. Escravos de Engenho: Ala da Integração
  7. Mucamas: Ala das Comodistas
  8. Tripés: Vendas do Interior
  9. Destaque: O Vale do Cariri – Edimar Souza de Oliveira
  10. Vaqueiros: Ala das Endiabradas
  11. Algodoeiros: Ala das Cobiçadas
  12. Plantadores de Cana: Ala das Rainhas
  13. Estandartes: Literatura de Cordel
  14. Destaque: A Cana de Açúcar – Silvia Santana
  15. Mascates: Ala Quem Quiser Pode V
  16. Vendedores do Mercado: Ala Perdidos na Noite
  17. Painéis: A Morte e A Fome
  18. Destaque: A Mandioca – Georgina Amorim
  19. Escravos de Ganho: Ala Caxambu
  20. Plantadores de Mandioca: Ala das Idams
  21. Tripé: Roda de ralar mandioca
  22. Damas: Ala das Decididas
  23. Senhores portugueses: Ala Os derrepentes
  24. Exército patriótico: Ala Gaviões da Cotia
  25. Passistas: Ala Ás de Ouro
  26. 1ª Alegoria: O Vale do Cariri
  27. Destaque
  28. Bateria: Ala da Bateria
  29. Tripé: Abertura da 2ª parte do enredo: O Mito
  30. Coronéis: Ala dos Gaviões
  31. Trabalhadores de Enxada Ala das Estrelas
  32. Comerciantes: Ala dos Fidalgos
  33. Painéis: O Flagelo e A Seca
  34. Destaque: Beato – Gerôncio Dias de Castro
  35. Jagunços: Ala do Limão
  36. Camponesas: Ala Só Acredito Vendo
  37. Tripés: Caatinga
  38. Destaque: 1° Mestre-Sala: José Carlos
    Destaque: 1ª Porta-Bandeira: Rosângela
  39. Fiéis na procissão das chuvas: Ala Coringa
  40. Lavadeiras: Ala da Cidade
  41. Tripé: Cabeça de Boi
  42. Beatas: Ala das Dengosas
  43. Destaque: O Bem – Sonia de Araujo Paz
  44. Destaque: O Mal – Gecenyra Ribeiro
  45. Passistas: Ala do Poder
  46. Tripés: Caatinga
  47. Destaque: O Cometa – Mauricélia Bento Fernandes
  48. Estrelas: Ala Aqui e Agora
  49. Jornalistas: Ala das Bonequinhas
  50. Passistas: Ala Rique
  51. Estandarte: Literatura de Cordel
  52. Destaque: O Apocalipse – Paulo Américo Mota Aguiar
  53. Retirantes: Grupo Família
  54. Passistas: Ala da Penha
  55. 2ª Alegoria: O Apocalipse
  56. Grupo de Samba Show: Almir Moraes e as mulatas pecado
  57. Tripé: Abertura da 3ª parte do enredo: A Romaria
  58. Cavaleiros da Legião da Cruz: Ala dos Vasados
  59. Tripés: Almofadas de Bilros
  60. Cangaceiros: Ala Infantil
  61. Cangaceiros: Ala Navega quem Pode
  62. Cangaceiras: Ala das Frenéticas
  63. Tripés: Barracas das festas
  64. Destaque: 2° Mestre-Sala: Itamar
    Destaque: 2ª Porta-Bandeira: Maria Auxiliadora
  65. Jogadores: Ala das Bacanas
  66. Cartas de Baralho:Ala das Melindrosas
  67. Tripés:Cacto com sóis
  68. Destaque: Florista – Cotinha
  69. Destaque: Abacaxi – Carlos Vitor
  70. Barraqueiros: Ala Estamos aí
  71. Feirantes: Ala Damas de Ouro
  72. Painéis: A Miséria e Retirantes
  73. Destaque: Lampião – Wilson Dutra Dessa
  74. Destaque: Maria Bonita – Jocelita Rosa Froes
  75. Grupo de Danças Folclóricas: Ala Veneno da Cachoeira
  76. Destaque: Rainha do Reisado – Dona Gabriela
  77. Reisado: Ala das Gatas
  78. Cucumbis: Ala dos Curiosos
  79. Passistas: Ala das Bailarinas
  80. Tripé: Cantadores do Sertão
  81. Pastorinhas: Ala dos Dragões
  82. Baianinhas: Ala das Charmosas
  83. Passistas: Grupo Soul do Lins
  84. Tripés: Cactos com sóis
  85. Destaque: Juazeiro – Osvaldina Fernandes
  86. Santeiros: Ala dos Magnatas
  87. Vendedores de Lembranças: Ala das Supremas
  88. Cantadores do sertão: Ala Faz quem sabe
  89. Romeiros: Ala Mocidade Unida
  90. 3ª Alegoria: A Bênção de Pede Cisso
  91. Baianinhas: Ala da Guia
  92. Passistas: Ala da França
  93. Estandartes: Literatura de cordel
  94. Baianas ricas
  95. Baianas tradicionais: Ala das baianas  tradicionais da Lins Imperial
  96. Tripé: A Esperança

 

SAMBA ENREDO                                                1981
Enredo     Meu padim, pade Cisso
Compositores     Carlinhos Melodia e Buica

Meu povo homenageia este mito
Da crença popular:
O piedoso capelão
Que no sertão semeava a união.
Nas terras secas ele plantou
A mensagem de amor e fé.
Vendo o povo sem sorte,
Pediu proteção ao Divino
Para os romeiros do norte.

Cisso Romão, o mensageiro,
Foi herói em Juazeiro.

No celeiro do nordeste brasileiro
A crença, o mito e o ritual.
Os romeiros que chegavam dia a dia
Em busca de um mundo ideal.
Até o cangaceiro
Foi buscar sua bênção,
No templo dos milagres
Em fuga da perseguição

Meu padim é Pade Cisso,
Nada tenho a temer.
Tenho fé e esperança
De um novo amanhecer