Meu
Padim, Pade Cisso
Introdução:
Um
apregoado “milagre” fez eclodir o denominado “Movimento” de Juazeiro.
Na manhã de 1° de março de 1889, o piedoso capelão, Padre Cícero Romão
Batista, ministrava a Comunhão a uma das devotas do lugar. Em poucos
momentos, passou-se a acreditar que a hóstia branca tinha-se “milagrosamente”
transformado em sangue divino.
A
crença coletiva assim gerada tornou-se, daí por diante, a pedra fundamental
de um movimento religioso, enquanto o Padre Cícero, posteriormente suspenso
de ordens pela hierarquia eclesiástica, veio a ser o famoso chefe do
“Movimento”.
Durante
muito tempo, tanto o “Movimento” quanto o seu líder atraíram a atenção
e o interesse dos brasileiros, provocando uma considerável controvérsia.
As divergências políticas e religiosas inspiradas por Padre Cícero e
pelo “Movimento” se situam entre as mais acaloradas dos anais da história
brasileira.
Surgiu,
além disso, uma vasta literatura mítica; bardos nordestinos dos sertões
e cantadores apropriaram-se da figura profética do Padre Cícero e introduziram-no
no seu repertório popular. Assim fazendo, transfiguraram o sacerdote
suspenso de ordens num ente milagroso e num dos heróis legendários da
crença popular regional.
“Faz quarenta e tanto ano
Que chegô no Juàzero
Construiu uma matriz,
Botô na frente um crucêro,
Celebrô a Santa Missa,
Deu benção ao mundo intêro.
Meu Padim é quem possui
Talento, força e podê
Dado pela Providênça!
Quem duvidá – venhá vê!
Ele é quem dá a dereção
Do que se tem que fazê...
Viva a Deus, primeiramente,
Viva São Pedro chavero,
Viva o santo Juàzero,
Que é nosso Jerusalém,
Viva o Padim Pade Cisso,
Para todo, sempre, Amém !”
(João Mendes de Oliveira - Cantador e Poeta popular de Juazeiro in literatura
de cordel.)
Sinopse
do Enredo:
1ª
Parte – O Cariri
A
herança mística do sertão é tão antiga quanto os povoadores. Logo
após o descobrimento regional, os missionários foram servindo de chefes
às nascentes populações e catequizando os índios. A indiada construía
antes de mais nada uma pequena capela, sob a regência dos missionários,
e, além dos deveres religiosos, ocupava-se da plantação e da caça.
Assim
também foi no Vale do Cariri...
O
Vale do Cariri, situado na extremidade sul do atual Estado do Ceará,
foi povoado no início do século XVIII por criadores de gado provenientes
da Bahia e de Pernambuco, atraídos pelas terras férteis e pelas fontes
perenes de água. Graças a esses recursos naturais, constituía-se num
verdadeiro oásis, cercado por infindáveis extensões de terras planas,
assoladas, ciclicamente, pelas secas. A agricultura, especialmente
a plantação da cana-de-açúcar, veio a predominar sobre as atividades
pastoris. Foi no final do século XVIII que a Cidade do Crato, onde
nasceu Padre Cícero, em 1844, surgiu como a mais populosa e importante
do Vale, recebendo a denominação de “Pérola do Cariri”. Possuindo
um dos melhores solos do Vale, tornou-se o Crato o principal produtor
e fornecedor de excedentes de alimentos para o sertão árido, e eixo
das atividades comerciais da região, importante centro de distribuição
no interior das manufaturas européias, importadas, através dos mascates.
Suas
elites agrárias e mercantis, ligavam-se mais estreitamente a Recife,
principal porto do Nordeste e florescente capital da era colonial,
do que a Fortaleza, insignificante sede administrativa portuguesa
da Capitania Geral do Ceará.
Os laços
com Recife foram de importância política vital. A cidade-porto era
foco de fermentação de movimentos nacionalistas e separatistas, cuja
ideologia foi introduzida no Vale do Cariri, que assim se tornou um
centro de exércitos patrióticos que buscavam a independência, após
uma luta árdua contra os antigos senhores portugueses de Fortaleza
e de Icó, os dois centros importantes em população e riqueza do Ceará,
naquele tempo.
As elites
do Cariri tinham uma maneira mítica e supersticiosa para conseguir
benefícios materiais. Assim se fazia principalmente na época de seca.
Os padres achavam que as secas cíclicas e devastadoras eram um castigo
divino para com os povos desregrados. Padres e proprietários de terras
praticavam uma antiga liturgia, carregando as imagens dos santos padroeiros
das paróquias, em procissão, implorando chuva a Deus, por sua intercessão.
Novenas e outras práticas litúrgicas eram também correntes, com o
intuito de sanar os males do mundo, no tocante do Vale, dissoluto
e anárquico.
Contudo,
anunciava-se para o Cariri uma era de renascimento e mudança. A região
assumiu o título de “celeiro do Nordeste”. Expandia-se sobretudo a
produção de cana-de-açúcar, em todas as terras disponíveis do Vale.
O principal produto da região não era o açúcar granulado, e sim a
rapadura, bloco retangular de açúcar preto, bruto, que até hoje é
um dos componentes mais importantes da alimentação das classes pobres
do nordeste brasileiro. O algodão, cultivado em algumas partes do
Vale, era destinado à exportação. Fibras mais baratas, consumidas
internamente, por pequenas indústrias caseiras.
Porém
o açúcar e o engenho foram os principais responsáveis pela formação
da hierarquia social do Vale. No seu ápice achavam-se os fazendeiros
de cana, que gozaram de proeminência política e social até o fim do
século XIX.
Os braços
da região, empregados do campo, eram livres, sendo, do ponto de vista
racial, mestiços. Viviam, contudo, no limite mais baixo da subsistência
e eram, de fato, permanentemente ligados aos produtores de açúcar,
como bem indica a expressão usada para esses trabalhadores: agregados.
As tarefas dos agregados não se limitavam à produção. Em tempos de
rivalidade entre os proprietários de terras, aos trabalhadores eram
entregues armas para que defendessem com lealdade os interesses dos
patrões. Poucas vezes ocorreu uma rebelião contra os patrões, pois
os laços sociais e religiosos representados pelo compadrio e pela
afilhagem ligavam entre si proprietários e trabalhadores, numa rede
de relações e obrigações mútuas. As estruturas que começavam a tomar
forma durante esse período vieram a produzir o contexto dentro do
qual se desenvolveria o “Movimento de Juazeiro”.
O
progresso do meado do século reavivou a ambição política do Vale.
A corte imperial conservadora, entretanto, bloqueou a esperança de
vir alguma cidade do Vale a sediar a autoridade provincial em Fortaleza.
Os líderes políticos do Vale iniciaram uma campanha em prol da autonomia
dentro do Império, propondo a criação de uma nova província, com o
nome de Cariris Novos. O plano fracassou, apesar do acolhimento que
teve no Rio de Janeiro. A visão de um Cariri maior não morreu facilmente.
Em principio do século XX coube ao Padre Cícero reavivar a chama desse
ideal.
2ª Parte – O Mito
Quando
o Padre Cícero chegou a Juazeiro, a cidade não passava de um insignificante
lugarejo situado na extremidade nordeste do município do Crato. Fora
povoado em 1827 pelo Padre Pedro Ribeiro da Silva, que construiu a
capela, a casa paroquial e um engenho de açúcar. Em 1875, o arraial
ainda conservava os traços de uma fazenda de cana-de-açúcar; sua população
de dois mil habitantes. Cinco famílias, os Gonçalves, Macedos, Sobreiras,
Landins e Bezerra de Menezes, eram os proprietários das terras. A
população consistia de trabalhadores das fazendas de açúcar das mencionadas
famílias. Muitos desses trabalhadores descendiam de escravos do Padre
Pedro e de mestiços brancos. O povo vivia totalmente à margem da economia
de troca e começava a dar sinais de descontentamento na época em que
o Padre Cícero chegou.
Aqueles
que convidaram o padre acreditavam que sua presença iria fazer muita
coisa pelo progresso e pela tranqüilidade da cidade. Padre Cícero
cuidou dos desordeiros da população de Juazeiro. Eram dados à bebida
e ao samba, naquela época considerado sensual e degenerado, por ser
originário de escravos. Padre Cícero proibiu as danças, fez com que
os homens parassem de beber e, relativamente em pouco tempo, Juazeiro
retornou à ordem graças do trabalho de seu capelão.
A reputação
que tinha Padre Cícero era de ser desprendido e pobre. Muito raramente
aceitava dinheiro para ministrar os sacramentos aos habitantes do
Cariri. Em conseqüência disso, era o jovem padre tão pobre que os
benfeitores e amigos ricos do Vale costumavam fornecer-lhe batinas,
sapatos e até mesmo os cobres para os cortes de cabelo.
As alegadas
visões do clérigo eram tidas como de inspiração sobrenatural. Quando
mandou para as terras devolutas do alto Araripe muitas vítimas da
seca, – que haviam fugido do sertão em busca do Vale, obrigando-as
a plantar mandioca para aliviar a fome, os sobreviventes agradecidos
atribuíram mais tarde sua salvação ao padre que consideravam santo.
No
decorrer do ano de 1899 a seca de oito anos tomou conta do Vale. O
povo retornou com tristeza às suas orações em busca da consolação
divina, enquanto os padres da região o conduziam com renovado fervor.
Apenas um fato novo, a presença de Maria de Araújo, uma lavadeira
de vinte e oito anos, solteira, natural de Juazeiro e beata residente
com a família de Padre Cícero.
No primeiro
dia de março de 1899, Maria de Araújo era uma das devotas que se encontravam
na capela de Juazeiro para assistir à missa e acompanhar os rituais
que se celebravam todas as sextas-feiras do mês. Foi uma das primeiras
a receber a Comunhão. De repente a imaculada hóstia branca que acabava
de receber tingiu-se de sangue. O fato extraordinário repetiu-se todas
as quartas e sextas-feiras da Quaresma.
O “milagre”
teve insignificante repercussão pública no Nordeste, até que, cerca
de dois anos mais tarde, ele repetiu-se na Semana Santa. A cobertura
que lhe deu a imprensa do Ceará precipitou um conflito eclesiástico
que agitou profundamente a hierarquia católica do Brasil e levou e
um cisma nas fileiras do catolicismo no Nordeste.
Ninguém
em Juazeiro duvidava da ocorrência do “milagre”, cuja finalidade tinha
sido revelada a Maria de Araujo: Deus escolhera Juazeiro para ser
o centro de onde converteria os pecadores e salvaria a humanidade.
A prova da missão divina do arraial estava nas levas infindáveis de
romeiros que chegavam a Juazeiro. Os fiéis fortaleciam a sua fé, havia
curas milagrosas. Ao partirem de volta, os romeiros levavam consigo
um talismã, uma fita ou um pedaço de fazenda que tinha sido esfregado
no vidro da redoma onde se guardavam os panos e as toalhas manchados
de vermelho pelo que se acreditava ser o precioso sangue divino.
Nas
cidades das redondezas, quase toda a população, entre a qual se encontravam
ricos comerciantes e grandes fazendeiros, permanecia firme nessa crença.
O povo, entretanto, demonstrava ser o mais entusiasta dos milagres.
A fé que neles depositava, bem como no Padre Cícero jamais desvaneceu.
Estudos
sobre o “Movimento de Juazeiro” atribuem suas origens e evolução a
personalidade do Padre, ao fanatismo religioso e à cultura folk das
massas rurais. A luta do Padre Cícero com a hierarquia cearense lhe
ocasionara suspeitas governamentais e censuras eclesiásticas. Essa
hostilidade, da parte do Estado e da Igreja, levou o povo a explosões
de violência e defesa armada a favor do Padre Cícero. Tais atos de
protesto contra as autoridades dominantes da sociedade brasileira
não chegavam entretanto a revolução. Padre Cícero jamais endossou
as expressões agressivas de solidariedade; tudo fez para controlá-las
e evitá-las. A personalidade do sacerdote e seu desejo profundo de
reconciliação com a Igreja exigiam de seus adeptos docilidade, subserviência
e apolitismo. Os camponeses, meeiros e trabalhadores de enxada, vinculados
às propriedades das redondezas, tornaram-se a espinha dorsal do movimento
religioso popular de Juazeiro. Para eles a principal atração de Juazeiro
era a religião popular que começou a manifestar-se, e não a discussão
teológica em torno da qual se debatia o clero do Ceará. As beatas
de Juazeiro vieram a ser as propagadoras da religião popular. A princípio,
somente a lavadeira, de origem modesta, Maria de Araujo, partilhava
da publicidade de Juazeiro, em companhia de Padre Cícero. Entretanto
outras beatas apareceram em cena. Pouco tempo depois, “visões”, “êxtases”
e “revelações” tiveram ampla publicidade em todo o Cariri. Várias
dessas beatas ofuscaram rapidamente a taciturna e retraída lavadeira,
reivindicando participação naqueles poderes sobrenaturais. As novas
beatas tornaram-se assim os oráculos populares de Juazeiro. Pertencendo
à mesma classe social da maioria dos romeiros, que chegavam dia a
dia, as novas “santas” do povo manipulavam o credo religioso com retumbante
sucesso. As beatas deram asas à religião popular que nascia. A pedra
de toque da fé popular propaganda pelas beatas era a visão apocalíptica
da iminente destruição do mundo. Além da visão do Apocalipse, a nova
religião oferecia aos crentes alívio imediato dos sofrimentos terrenos.
De um centro de fanatismo religioso à importante força econômica e
política do Vale do Cariri, foi essa a transição que se operou no
Juazeiro.
3ª Parte – A Romaria
Juazeiro,
como outros centros ortodoxos do Brasil, foi inundado de peregrinos
que lá iam em busca de curas para os seus males. Muitos iam fazer
promessa, outros iam pagar promessas anteriormente feitas. Ao contrário
de outros locais de devoção popular no Brasil, os romeiros de Juazeiro
não veneravam um santo poderoso, mas apenas uma pequena urna de vidro
existente na capela do local. Dentro da urna havia uma variedade de
panos com visíveis manchas, que se dizia terem sido feitas pelo precioso
sangue divino, por ocasião das comunhões de Maria de Araújo. Um dos
componentes da nascente religião popular de Juazeiro era a sua contagiante
euforia espiritual. Transformou-se o lugarejo num acampamento que
se constituía no posto avançado do renascimento espiritual. Todos
os dias chegavam novos contingentes de romeiros: homens, mulheres
e crianças, leigos e clérigos, ricos e pobres, pessoas ilustres e
simples desconhecidos. Superlotavam a capela nas horas de missa e
lá iam para confessar os pecados e venerar a urna sagrada.
Nessa
época beatas corriam pelas ruas apinhadas exibindo crucifixos de bronze
que sangravam “milagrosamente”, havendo ainda as que caiam em “êxtases”
e “transes” no meio da multidão. O fanatismo religioso de Juazeiro
chegou à provocação às autoridades eclesiásticas, que viram-se obrigadas
a revidar com vigor o que achavam ser de seu dever, convencidas, porém,
de que o Padre Cícero era incapaz de qualquer embuste, por mais teimoso,
ingênuo e rebelde que fosse, acabando por acreditar que a culpa cabia
à beata Maria de Araújo.
Não
foi fácil desvendar a farsa de que se suspeitava. Nem um só chefe
político, profissional liberal ou fazendeiro do Cariri proferira sequer
uma palavra de descrédito. Muito pelo contrário, a maior parte das
elites do Cariri continuava a defender politicamente o Padre, apesar
do depoimento confidencial de algumas figuras proeminentes locais
denunciando a farsa dos “milagres”. Era claro que para os coronéis
do interior os adeptos do Padre Cícero formavam um movimento.
Foi
somente a partir de 1895 que se constituiu uma organização formal
e, assim mesmo, sob o manto de irmandade, para apoiar o “Movimento”:
a Legião da Cruz. O dogma principal era a crença na origem divina
dos “milagres” de Juazeiro. Por outro lado, o povo transformava o
Padre Cícero num grande fazedor de “milagres” e no árbitro de suas
almas. A cidade tinha o costume, por ocasião do Natal, de organizar
uma quermesse, dominada pela jogatina, que por fim foi proibida pela
autoridade eclesiástica Local.
Tratado
como se fosse uma seita e até privado de comemorar as festas religiosas,
o povo logo encontrou práticas para manifestar sua lealdade a Padre
Cícero. Enfeitava suas casas com retratos do Padre e da beata Maria
de Araújo, que eram tidos e estimados como novos “santos”; usava em
volta do pescoço correntes com medalhas cunhadas na Europa, portando
a efígie de seus heróis. Padre Cícero tornou-se um dos chefes políticos
mais importantes do Nordeste brasileiro. Seu “Movimento”, antes religioso,
passou a ser eminentemente político e o baluarte das forças conservadoras.
Isto porque, à época, o crescimento demográfico e as esporádicas secas
contribuíram enormemente para transformar pacíficos camponeses de
outrora em salteadores famintos.
Na
medida em que os chefes locais lutavam entre si pelo controle do Cariri,
voltava à tona o cangaceirismo. Agora era o próprio fazendeiro, isto
é, o chefe político, que, no seu interesse pessoal, tornara-se o capitão,
o recrutador e o promotor de jagunços e cangaceiros. Padre Cícero
estava velhinho quando Lampião, o Capitão Virgulino Ferreira da Silva,
chegou no Juazeiro. Na madrugada, o Padre saiu de casa para visitar
e abençoar Lampião. Não queria ser visto. O capitão não amanheceu
na cidade. Depois da visita ao padre, voltou para o sertão. Levava
com ele a patente de capitão da Polícia do Ceará e a bênção do seu
padrinho.
Um dos
mitos que continuam até hoje é o de que o Padre Cícero enfrentou a
morte reconciliado com a Igreja. Sua esperança de reaver as ordens
sagradas jamais se realizou. Durante os últimos dias, a enfermidade,
a cegueira e a idade conspiraram com a relutância da Igreja em impedi-lo
de fazer a última e tão almejada viagem a Roma, da qual ele acreditava
resultaria a sua reintegração. O Patriarca, entretanto, não faleceu
fora da Igreja.
Milhares
de fiéis desfilaram diante de seu corpo, mantido em pé atrás da janela
da residência de onde fizera “milagres”. Sessenta mil pessoas e quase
uma centena de padres, provenientes das cidades do Vale do Cariri,
acompanharam o cortejo fúnebre. Decorreram quase quatro horas até
que os fiéis chegassem a seu destino, a alguns quarteirões da casa
do clérigo, hoje “Museu do Padre Cícero”. Ao meio dia a lousa de mármore
baixou sobre a sepultura que havia sido cavada no santuário da capela,
próximo ao altar.
O
Patriarca morrera. Na mente de alguns dos mais importantes moradores
e comerciantes da cidade, assim, também Juazeiro. Alguns começaram
a cerrar as portas de suas lojas e abandonar a cidade, cujos verdes
campos eles pensavam iriam fenecer. Não há duvida de que a estátua
do Patriarca, em tamanho natural, erguida na Praça da Liberdade, era
um pobre substitutivo. Mas, não obstante, os romeiros continuaram
a chegar. Na sua perene miséria muitos acreditavam e ainda acreditam
que o Padre Cícero voltará em breve.
Enquanto
aguardam, e graças ao seu trabalho, a outrora insignificante aldeia
continuou a crescer. Floresceu a indústria algodoeira, suas escolas
aumentaram, novas fábricas foram instaladas e até a hierarquia eclesiástica
reconciliou-se com os “fanáticos” miseráveis, para os quais a justiça
ainda está para chegar.
Com
efeito, até que os pobres herdem a terra, Juazeiro, com a promissão
passada e presente de um milagre, parece fadado a continuar sendo
o pouso mais procurado do Nordeste brasileiro.
Finale
Uma
antiga profecia, repetida pelos beatos anuncia que um dia, o Cariri
será inundado pelas águas.
Contam,
no Vale, a história do carreeiro que afundou num sumidouro com sua
junta de bois. No brejo encantado, ressoam aboios dentro da noite.
Dizem que foram os índios, antigos donos da região, que se vingaram
dos primeiros colonizadores, tapando nascentes...
O Vale
um dia será inundado...
Vaqueiros
fincaram currais nos sertões do Nordeste. Povoados e missões pontilharam
de longe em longe. Na solidão das caatingas permaneceram os vaqueiros
tangendo o gado. Os donos das terras começaram a construir as primeiras
casas de taipa nas vilas e povoados dos sertões. Viajavam dias e meses
a cavalo para negociar gado, adquirir miudezas e gêneros, freqüentar
sacramentos, assistir a missões, comprar sal e rapadura, inteirar-se
da política, retornando às fazendas com anacoretas de aguardente,
moedas, objetos de prata e de ouro. Os caçuas dos comboios voltavam
repletos.
Os engenhos
com suas moendas e correntes, os ariscos cobertos de mandiocais, os
canaviais subindo pelas encostas das serras.
Assim
era no tempo...
Os vaqueiros
pastoreavam o gado, os fazendeiros pastoreavam o povo e os padres
pastoreavam as almas.
O Padre
Cícero pastoreava as almas de Juazeiro e corria pela boca do povo
a fama de santidade.
Dizem
que um cometa surgiu no céu no dia da sua ordenação.
Verdade
e lenda, testemunho e imaginação, invenção e documento, assim cantou
o poeta sertanejo a aventura do Patriarca do Juazeiro:
“Conheçam bem pecadores
Quem a Cisso respeitá
Ficará cum Deus eterno
Não irá para o inferno
Meu Padim, Pade Cisso
Foi pro céu vendo o povo sem sorte
Meu Padim foi pedi a Jesus
Proteção prus romeiro do Norte.”
Bibliografia:
-
Milagre em Joaseiro
– Ralph Della Cava – Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1976.
-
Padre Cícero, O
Santo do Juazeiro – Edmar Morel – Edições “O Cruzeiro”, Rio de Janeiro,
1946
-
O Padre e a Beata
– Nertan Macedo – Edições “O Cruzeiro”, Rio de Janeiro
-
Padre Cícero: Mito
e Realidade – Otacílio Anselmo e Silva – Editora Civilização Brasileira,
Rio de Janeiro, 1968
-
Cantadores – Leonardo
Mota – Imprensa Universitária do Ceará, Fortaleza, 1960
-
Cangaceiros e Fanáticos
– Rui Faço – Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963
-
Heróis e Bandidos
(Os Cangaceiros do Nordeste) – Gustavo Barroso – Rio de Janeiro,
1917
-
Joaseiro do Padre
Cícero – Manoel Bergstrom Lourenço Filho – Edições Melhoramentos,
São Paulo, 1926
-
Coronel e Coronéis
– Marcus Vinicius Vilaça e Roberto C. Albuquerque – Editora Tempo
Brasileiro, Rio de Janeiro, 1965
-
Literatura Popular
em Verso – Casa de Rui Barbosa – Catálogo, Vol 1, Rio de Janeiro,
1962.
Alegorias
Abre-Alas: A águia imperial símbolo da Escola
Tripés: Cactos com o símbolo do enredo
Tripé: Abertura da 1ª parte do desfile “O Cariri”
Tripés: Vendas do interior, tendinhas, baiúcas
Painéis: Pinturas alusivas ao enredo: A Morte e A Fome
Tripé: Roda de ralar mandioca e pilão
Estandartes: Literatura de Cordel
“O Meu Padim. Pede Cisso
Protege a qualquê pessoa
Vem gente até de Alagoa
de mais longe e de mais perto”
“É um pastor dedicado
É a nossa proteção
É o salvador das almas
O Pede Cisso Romão”
1ª
Alegoria: O Vale do Cariri - Moenda de cana de açúcar
Tripé: Abertura da 2ª parte do desfile: “O Mito”
Painéis: Pinturas alusivas ao enredo: O Flagelo e A Seca
Tripés: A Caatinga: vegetação nordestina, facheiros, xique-xique,
mandacarus, cardeiros e os urubus
Tripé: Cabeça de Boi
Estandartes: Literatura de Cordel
“Viva o Padim
Pade Cisso
Para todo sempre,
Amém”
“Pade Cisso é uma pessoa
Da Santíssima Trindade”
2ª
Alegoria: “O Apocalipse” - Uma visão onírica do drama do nordestino
A fome, a seca e a peste são representadas por uma hidra tricéfala em
oposição aos cavaleiros do exército do bem, protetor dos retirantes
Tripé: Abertura da 3ª parte do desfile: “A Romaria”
Tripés: Almofadas de Bilros, das renderias nordestinas
Tripés: A caatinga e o Sol inclemente cactos com sóis
Painéis: Pinturas alusivas ao enredo: A Miséria e Retirantes
Tripé: Cantadores do sertão – O sanfoneiro e o violeiro do sertão,
eternos cantadores e contadores das histórias do sertão nordestino
Tripés: Barracas das Festas – Comidas típicas, frutas da região,
rapadura e carne de sol
Estandartes: Literatura de Cordel
“Meu
Padim, Pade Cisso
Foi pró céu
Vendo o povo sem sorte
Meu Padim foi pedi
Proteção prus romeiro do Norte”
“Viva a cruz da redenção
E o Pede Cisso Romão
Viva!
Viva, eternamente!”
3ª
Alegoria: A Benção de Pede Cisso – A figura da cabocla simboliza
a redenção e a liberdade do povo nordestino, da seca, da peste e da
fome, o grande sonho do Padre Cícero.
A figura do Patriarca do sertão, em escultura, abençoa o cangaceiro
Lampião
Painel: A Esperança – O povo nordestino, na sua perene miséria
acredita que o Padre Cícero voltará um dia e com ele uma nova era, de
fartura e de bonança, para aquela gente sofrida.
Desfile:
- Abre-Alas:
Águia imperial
- Tripé:
Cactos com o símbolo do enredo
- Comissão
de Frente – Ala Quinze de Ouro
- Tripé
Abertura da 1ª parte do enredo: O Cariri
- Indiada:
Ala Infantil
- Escravos
de Engenho: Ala da Integração
- Mucamas:
Ala das Comodistas
- Tripés:
Vendas do Interior
- Destaque:
O Vale do Cariri – Edimar Souza de Oliveira
- Vaqueiros:
Ala das Endiabradas
- Algodoeiros:
Ala das Cobiçadas
- Plantadores
de Cana: Ala das Rainhas
- Estandartes:
Literatura de Cordel
- Destaque:
A Cana de Açúcar – Silvia Santana
- Mascates:
Ala Quem Quiser Pode V
- Vendedores
do Mercado: Ala Perdidos na Noite
- Painéis:
A Morte e A Fome
- Destaque:
A Mandioca – Georgina Amorim
- Escravos
de Ganho: Ala Caxambu
- Plantadores
de Mandioca: Ala das Idams
- Tripé:
Roda de ralar mandioca
- Damas:
Ala das Decididas
- Senhores
portugueses: Ala Os derrepentes
- Exército
patriótico: Ala Gaviões da Cotia
- Passistas:
Ala Ás de Ouro
- 1ª
Alegoria: O Vale do Cariri
- Destaque
- Bateria:
Ala da Bateria
- Tripé:
Abertura da 2ª parte do enredo: O Mito
- Coronéis:
Ala dos Gaviões
- Trabalhadores
de Enxada Ala das Estrelas
- Comerciantes:
Ala dos Fidalgos
- Painéis:
O Flagelo e A Seca
- Destaque:
Beato – Gerôncio Dias de Castro
- Jagunços:
Ala do Limão
- Camponesas:
Ala Só Acredito Vendo
- Tripés:
Caatinga
- Destaque:
1° Mestre-Sala: José Carlos
Destaque: 1ª Porta-Bandeira: Rosângela
- Fiéis
na procissão das chuvas: Ala Coringa
- Lavadeiras:
Ala da Cidade
- Tripé:
Cabeça de Boi
- Beatas:
Ala das Dengosas
- Destaque:
O Bem – Sonia de Araujo Paz
- Destaque:
O Mal – Gecenyra Ribeiro
- Passistas:
Ala do Poder
- Tripés:
Caatinga
- Destaque:
O Cometa – Mauricélia Bento Fernandes
- Estrelas:
Ala Aqui e Agora
- Jornalistas:
Ala das Bonequinhas
- Passistas:
Ala Rique
- Estandarte:
Literatura de Cordel
- Destaque:
O Apocalipse – Paulo Américo Mota Aguiar
- Retirantes:
Grupo Família
- Passistas:
Ala da Penha
- 2ª
Alegoria: O Apocalipse
- Grupo
de Samba Show: Almir Moraes e as mulatas pecado
- Tripé:
Abertura da 3ª parte do enredo: A Romaria
- Cavaleiros
da Legião da Cruz: Ala dos Vasados
- Tripés:
Almofadas de Bilros
- Cangaceiros:
Ala Infantil
- Cangaceiros:
Ala Navega quem Pode
- Cangaceiras:
Ala das Frenéticas
- Tripés:
Barracas das festas
- Destaque:
2° Mestre-Sala: Itamar
Destaque: 2ª Porta-Bandeira: Maria Auxiliadora
- Jogadores:
Ala das Bacanas
- Cartas
de Baralho:Ala das Melindrosas
- Tripés:Cacto
com sóis
- Destaque:
Florista – Cotinha
- Destaque:
Abacaxi – Carlos Vitor
- Barraqueiros:
Ala Estamos aí
- Feirantes:
Ala Damas de Ouro
- Painéis:
A Miséria e Retirantes
- Destaque:
Lampião – Wilson Dutra Dessa
- Destaque:
Maria Bonita – Jocelita Rosa Froes
- Grupo
de Danças Folclóricas: Ala Veneno da Cachoeira
- Destaque:
Rainha do Reisado – Dona Gabriela
- Reisado:
Ala das Gatas
- Cucumbis:
Ala dos Curiosos
- Passistas:
Ala das Bailarinas
- Tripé:
Cantadores do Sertão
- Pastorinhas:
Ala dos Dragões
- Baianinhas:
Ala das Charmosas
- Passistas:
Grupo Soul do Lins
- Tripés:
Cactos com sóis
- Destaque:
Juazeiro – Osvaldina Fernandes
- Santeiros:
Ala dos Magnatas
- Vendedores
de Lembranças: Ala das Supremas
- Cantadores
do sertão: Ala Faz quem sabe
- Romeiros:
Ala Mocidade Unida
- 3ª
Alegoria: A Bênção de Pede Cisso
- Baianinhas:
Ala da Guia
- Passistas:
Ala da França
- Estandartes:
Literatura de cordel
- Baianas
ricas
- Baianas
tradicionais: Ala das baianas tradicionais da Lins Imperial
- Tripé:
A Esperança
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