Deus
ajuda a quem cedo madruga?
A
antiga enciclopédia de Moral e Civismo do MEC define O TRABALHO como:
Toda aplicação de força física ou intelectual pela qual o homem transfigura
a natureza para colocá-la a seu serviço ou à disposição do bem comunitário,
do progresso e do desenvolvimento sócio-econômico de uma Nação.
Já para o Cristianismo, O TRABALHO é um dever essencial a todo cidadão
e se funde numa dupla vocação que o homem recebe de Deus, atribuindo-lhe
Uma
apologia AO TRABALHO é a proposta de enredo do GRES FOLIÕES
DE BOTAFOGO para o carnaval 2002. Nossa intenção é, através deste
tema, fazer um breve estudo dos principais aspectos da economia do
nosso país, desde o seu descobrimento, e, ao mesmo tempo, questionar
se há algum fundo de verdade neste antigo ditado quando diz que: “DEUS
AJUDA A QUEM CEDO MADRUGA.”
Histórico
do Enredo
Para
que qualquer Nação se desenvolva, é necessário que sua população ativa
seja a maior possível pois a força do trabalho representa a base para
toda e qualquer economia mundial, permitindo ao homem transformar
a natureza para a produção dos bens materiais necessários à sua existência.
Entretanto,
a Igreja Católica premia o trabalho com um duplo sentido celestial
que justifica o conhecido dito popular “DEUS AJUDA A QUEM CEDO MADRUGA”.
Para o catolicismo, o esforço físico ou mental, credita aos homens
a vocação de prolongar, pela força do trabalho, a obra do criador,
explorando as potencialidades da natureza e realizando assim a sua
própria plenitude.
Além
disso, a tradição bíblico-cristã reconhece que todo o trabalho é penoso,
e ela assume essa pena, imposta por Deus a Adão durante sua expulsão
do paraíso, atribuindo ao trabalho um valor de reparação, de purificação
e de redenção:
“-
Comerás o teu pão com o suor do teu rosto...” (gênesis, versículo3)
A História do Brasil registra que os índios trabalhavam em comunidade,
recolhendo da natureza apenas o que necessitavam para o consumo da
tribo. Eles caçavam, pescavam e moldavam diversos objetos em barro.
Este método rudimentar de trabalho foi o primeiro a ser observado
pelos historiadores no Brasil.
Quando os colonizadores chegaram a nossa terra, o único produto de
algum valor comercial que Portugal acreditava existir por aqui era
o pau-brasil. O contato com o povo indígena permitiu aos portugueses
se empenhar na exploração do vegetal usando o auxílio do próprio índio
como mão-de-obra. Os nativos cortavam as árvores e traziam a mercadoria
até os navios; em troca, recebiam dos “homens brancos” objetos de
pouco valor.
Esta
filosofia simples de vida fêz com que o indígena resistisse intensamente
às exigências do trabalho servil.
A introdução do braço escravo no Brasil foi devido ao estabelecimento
da indústria açucareira. Para assegurar o inevitável progresso da
cultura da cana, negros Bantos foram trazidos da África para executarem
serviços pesados em lavouras, canaviais e nos engenhos de açúcar.
A febre do ouro foi outro fator que intensificou o tráfico negreiro
no Brasil, desequilibrou a economia e interferiu nos aspectos sociais
da colônia. A notícia de grande quantidade do metal descoberto em
Minas atraiu uma população de estrangeiros e muitos “Senhores de Engenho”,
seduzidos pelos altos preços que lhes ofereciam, venderam seus escravos
para que acompanhassem os mineiros pelo vasto e desconhecido território
durante os delírios do sonho aurífero. Quem tivesse maior
número de escravos tinha preferência na escolha das áreas de mineração.
Com
a abolição da escravatura o sistema colonial se desestruturou. O negro,
livre, passou a viver do pequeno comércio ambulante nos centros urbanos
das cidades e, com sua indumentária exótica e colorida, dava um caráter
alegre e despreocupado às ruas como em cenas que foram imortalizadas
pelo pintor Debret.
Outros
grupos significaram abundante mão-de-obra, e barata, para os fazendeiros
que viviam da cultura do algodão. A produção alcançara o seu apogeu
na segunda metade do século XVIII mas encontrava-se em declínio. Mesmo
assim, o produto determinaria o surgimento da indústria têxtil, uma
das mais importantes para a economia do país no final do século XIX.
A
liberdade conquistada permitiu que o negro tivesse melhor condição
para preservar sua cultura e religião. Do contato com os índios e
com o catolicismo romano, surgiu uma nova espécie de culto,
a Umbanda.
No
sincretismo religioso, a imagem de São Jerônimo é associada ao orixá
Xangô dos umbandistas. Este orixá é o patrono do trabalho na umbanda
e suas oferendas são preparadas nos terreiros e colocadas, posteriormente,
numa pedreira. Aqueles que não pertencem a esta religião costumam
classificar estas oferendas como “trabalhos de macumba”.
Com
a decadência da produção de ouro e das lavouras tradicionais - da
cana-de-açúcar e do algodão - a agricultura ressurgiu com um gênero
que, em meados do século XIX, já despontava como o principal produto
agrícola do país: O café.
A
abolição, no entanto, trouxe sérios problemas para a lavoura cafeeira,
mas a solução veio com o pioneirismo do Senador Nicolau de Campos
Vergueiro, fazendeiro do estado de São Paulo, que num período de quase
10 anos, recebeu mais de 70 famílias para trabalharem como assalariados
em sua fazenda.
Os
trabalhadores que imigraram para o Brasil eram originários de áreas
rurais: Alemães, portugueses, japoneses e italianos ocuparam o lugar
dos antigos escravos em troca de remuneração e moradia.
Os
imigrantes contribuíram muito para o cultivo de outros produtos. Enquanto
os italianos se concentraram, basicamente, nas lavouras de café, os
alemães iniciaram a viticultura – plantio da uva – sendo os primeiros
a produzir vinho em terras brasileiras. Já os colonos Japoneses se
especializaram no plantio do trigo, um dos principais produtos agrícolas
do seu país de origem. A triticultura, abandonada pelos portugueses
no século XVII, foi redescoberta para a exportação sob a forma de
grão ou de farinha.
Tanto
nos aspectos econômicos quanto nos culturais, esses homens foram de
grande importância no processo de engrandecimento da nossa Nação.
Os Estados brasileiros mais prósperos são, justamente, os que receberam
a influência dos imigrantes que, com seu suor, contribuíram para uma
nova era do trabalho no Brasil.
Paralelo
ao período de expansão do café, a borracha tornou-se um importante
produto para as exportações brasileiras por ser uma das principais
matérias-primas industriais. A explosão do látex motivou a ida de
inúmeros nordestinos para a Amazônia e trouxe luxo e riqueza para
os Barões da Borracha, mas reservou doenças e misérias para os seringueiros.
Após sua decadência e com a grande crise do café, verificou-se, no
Brasil, uma marcha acelerada para a industrialização e uma forte tendência
para a policultura, com merecido destaque para o plantio do cacau,
cujo a produção estava ligada a indústria do chocolate na Inglaterra
e nos Estados unidos.
A
policultura revelaria mais explicitamente a exploração da mão-de-obra
agrícola e a dura realidade dos “bóias-frias”, trabalhadores rurais
que permaneciam nas periferias das cidades à espera de caminhões que
os levassem às plantações ou colheitas de frutas no norte e nordeste
do país.
A
industrialização, porém, provocaria o desenvolvimento das grandes
cidades, estimulando o surgimento de uma classe constituída de trabalhadores
da indústria e do comércio, dando início ao movimento operário no
nosso país.
Foi
o imigrante italiano quem divulgou as idéias de organização operária
que aconteciam na Europa. As reivindicações dos operários eram contra
os baixos salários, o número excessivo de horas de trabalho e suas
péssimas condições. Aqueles que se uniam a este movimento usavam,
como forma de protesto, uma bandeira vermelha e eram chamados pelas
autoridades de anarquistas.
Com
a crescente urbanização e modernização da cidade ocorrida ainda no
início do século XX, vários cortiços foram demolidos deixando desabrigadas
milhares de pessoas humildes. Associada a isto, a falta de oportunidade
de trabalho no campo aumentou o número de migrações para as cidades,
iniciando um processo de favelização nos morros do município do Rio.
Essa
situação de marginalização social, a vida da gente pobre e mestiça
dos bairros pobres e das favelas, constituía um vasto material para
a música, desde a mulata, até os próprios barracos. Várias canções
exaltavam a vida boêmia do final dos anos 20 e a imagem do malandro
que, com seu estilo de vida descompromissado e lucrativo, conseguia
viver – e sobreviver – bem, sem trabalho fixo. As
letras dessas canções desagradavam demasiadamente as autoridades.
Foi
num ambiente assim que nasceu a primeira escola de samba do Rio de
Janeiro, a Deixa Falar, formada por compositores do bairro do Estácio,
onde havia muitos operários e artesãos. No ano seguinte, outro grupo
de compositores fundaria a Estação Primeira de Mangueira.
O
governo que assumiu em 1930 percebeu que poderia utilizar a organização
das escolas de samba para seus próprios interesses. O prefeito do
Rio decidiu que distribuiria verbas para as agremiações, desde que
elas atendessem a determinadas normas, tais como, a de escolher nomes
mais a gosto das autoridades e temas que enaltecessem a pátria, o
incentivo ao trabalho e não à malandragem.
Estava
surgindo assim, a partir do ano de 1932, o DESFILE OFICIAL DAS ESCOLAS
DE SAMBA DO RIO DE JANEIRO, promovido, na ocasião, por uma iniciativa
do jornal Mundo Sportivo.
E, baseando-se nesse fato, que foi o ponto de partida do que hoje
é reconhecido como o maior espetáculo audiovisual do mundo, aproveitamos
nosso enredo para lembrarmos dos 70 anos desse primeiro desfile que,
apesar de sua transformação em espetáculo turístico, é expressivamente
baseado na cultura popular, ganhando terreno em alguns pontos e adaptando-se
a outros, mas sem nunca abrir mão de toda a sua malandragem, afinal,
essa cultura resistiu a mais de três séculos de regime escravista
e não seria a elitização dos últimos setenta anos que iria abatê-la.
Na
verdade, o próprio carnaval, tem sido uma tribuna livre para repassar
a nossa história e questionar os problemas sociais do país, e é por
isto que o GRES FOLIÕES DE BOTAFOGO, se aproveita
desta mesma tribuna para mostrar como a força da mão-de-obra de tantos
homens foi a base para a construção da economia desse imenso Brasil.
Desta
forma, esperamos conscientizar a todos de que o importante é que cada
vêz mais homens tenham oportunidades de emprego, e que, com sua contribuição,
possam influenciar, ainda mais, no fortalecimento da nossa economia.
Somente assim, pela força do trabalho e pelo enobrecimento que ele
causa a alma humana, influenciando diretamente no bem estar de toda
a sociedade, é que poderemos afirmar, como diz o velho ditado:“DEUS
AJUDA A QUEM CEDO MADRUGA!”
Sinopse
do Enredo
Quando a lua na imensidão escura ainda brilha
e os primeiros raios de sol começam a despontar no horizonte,
o manto azul do céu adquire um tom lilás, indicando o fim da
madrugada e o início do alvorecer de um novo dia.
É nessa hora que o lavrador do campo, o operário, o
bóia-fria, o peão e tantos outros, de tantas classes trabalhadoras,
despertam para a luta do dia-à-dia, adquirindo um caráter celestial,
pois, como os anjos, sabem que podem, com a força do seu trabalho,
auxiliar e completar a esplêndida obra do criador, compreendendo que,
por isso, Deus os ajuda - abençoa - permitindo que a luta do
trabalho os favoreça na redenção de seus pecados e a na purificação
de suas almas.
Sabendo que trabalhar é preciso os nossos índios
retiravam da natureza o que necessitavam para o seu consumo. Eles
viviam tranqüilamente da caça, da pesca e de suas modelagens
em barro, quando o colonizador chegou e, com sua ambição, usou
a mão-de-obra do índio para explorar o pau brasil.
Não conseguindo escravizar o índio, o "homem branco"
trouxe negros bantos para os engenhos de açúcar e os canaviais.
Mas o negro também sofreu e muito suou com a febre e os delírios do
ouro em Minas Gerais.
Eis que surge a liberdade e o negro, livre, passou
a viver do comércio na cidade, enquanto outros, padecendo com a exploração,
foram trabalhar em fazendas que viviam do plantio de algodão.
Libertos do "Sinhô", os negros, macumbeiros,
puderam cultuar seus orixás e arriando seus trabalhos de macumba
na pedreira, pediam proteção e carreira nos cantos em louvor ao pai
Xangô. Mas os terreiros do negro foram invadidos pelo italiano,
o japonês e o alemão, a mão-de-obra que veio d’além
mar (de além mar).
Os imigrantes, semearam outras culturas em nossa
terra, e com seu suor, muito contribuíram para o progresso da nossa
Nação e o engrandecimento da nossa economia, principalmente os italianos
que substituíram os antigos escravos e representaram o braço forte
das lavouras do café.
O ciclo da borracha atraiu o cabra-da-peste
do nordeste, que migrou para o norte mas por lá só encontrou, também,
a exploração dos "barões da borracha", doenças e misérias.
Após a decadência do látex e da crise do café, o Brasil
entendeu que era preciso passar da monocultura para a policultura,
obrigando os "bóias-frias" a saírem de sua terra
em busca de trabalho, embrenhando-se pelo mato e pelas estradas do
país conforme a necessidade de mão-de-obra nas colheitas de frutas
tropicais, com merecido destaque para o plantio do cacau.
A crescente industrialização fêz surgir o movimento
operário contra a exploração da mão-de-obra do trabalhador. Muitos
homens do campo, em busca de melhores oportunidades, vieram
para as grandes cidades trabalhar nas indústrias, mas com as poucas
chances de emprego e com os baixos salários, acabaram povoando morros
e favelas.
Ali eles se juntaram aos descendentes dos antigos escravos
formando comunidades marginalizadas pela sociedade. A mistura dessa
gente pobre e mestiça permitiu o surgimento de uma classe de malandros,
artesãos e operários que encontraram na sua amarga condição, motivos
para driblar as tristezas e inspirar canções. A mulata,
o barraco, a boemia, a malandragem eram temas constantes dos sambas
que desceram do morro e conquistaram seu espaço na cultura musical,
ocasionando a criação da primeira Escola de Samba, surgida
no morro do Estácio, a Deixa Falar.
Logo outras Escolas também surgiram e as autoridades,
incomodadas com a exaltação à malandragem, decidiram intervir
organizando o primeiro desfile oficial ocorrido há 70 anos
atrás, em 1932.
Mesmo com a organização imposta por uma sociedade elitista,
as Escolas de Samba jamais renegaram o seu passado. Elas são
descendente direta de uma mistura de índios, escravos, imigrantes
e nordestinos.
Sua raiz é composta pela riqueza cultural dessa gente
que tanto trabalhou para construir esse país, por isso, essa raiz
resiste a qualquer manipulação e, mesmo sendo um trabalhador, o
sambista, na sua essência, é o eterno malandro que, como
seus antepassados, dribla as dificuldades do dia-à-dia e renasce a
cada ano, nos aplausos que recebe na avenida.