Glória
em Pedra Sabão (O Aleijadinho)
Antonio Francisco Lisboa, nome do nosso maior escultor,
apelidado de Aleijadinho pelo povo, devido à moléstia que sofreu e
o deformou sem piedade, nasceu a 29 de agosto de 1738, no bairro de
Bom Sucesso, na cidade de Ouro Preto, antiga capital da Província
de Minas Gerais, chamada outrora Vila Rica, por causa do ouro que
lhe forneceu a opulência.
Era filho natural de Manoel Francisco Lisboa, afamado
arquiteto português e de Isabel, uma escrava africana.
O pai libertou-o no momento do batismo.
Durante a infância, o Aleijadinho deve ter ouvido comentários
sobre as perversidades de D. Pedro de Almeida, Governador luso. Contaram-lhe
decerto a destruição bárbara, ordenada por ele, das choupanas situadas
na crista do Morro de Ouro Preto, lugar onde se refugiavam os aguerridos
escravos do Mestre de Campo, Pascoal da Silva Guimarães.
Na adolescência, observou os descontentamentos, cada vez
maiores, irrompidos no meio da massa, pela cobrança dos “quintos”,
taxas obrigatórias que a colônia tinha de pagar ao Reino, os quais
se tornaram intoleráveis em virtude da exaustão dos veios auríferos.
O ouro, apesar de tudo, trouxe o progresso, pois incrementou
o povoamento do oeste e do centro do nosso país, gerando uma constelação
de cidade e vilas. Foi o ouro, além disso, o criador de um grande
mercado de escravos, gado e tropas, que mais tarde facilitaria a implantação
da lavoura de café no Vale do Paraíba e nas regiões fluminenses.
Tarefa árdua, pontilhada de obstáculos, era a extração
do ouro nos tabuleiros. Negros banhados de suor levavam o cascalho
à cabeça, nas pequenas caixas chamadas “carumbes”. Em seguida se procedia
à lavagem desse cascalho e a água, muitas vezes, atravessava uma extensão
de léguas, descia pelas escarpas das montanhas, cortava os vales no
bojo dos colossais aquedutos de madeira, chamados “bicames”.
Este trabalho continuo produzia doenças e a mortalidade
era bem alta entre os escravos.
Para melhor suportar o trabalho e esquecer o infortúnio,
os negros procuravam a companhia de “moça branca”, chamavam a cachaça!.
O lisboeta Simão Ferreira Machado, assim descreveu, a
majestade de Vila Rica.
Nesta vila, habitam os homens de maior comércio, cujo
tráfego excede, em comparação, o maior dos maiores homens de Portugal;
a ela como porta se encaminham as grandiosas somas de ouro de todas
as minas, para a Real Casa da Moeda; nela moram os homens de maiores
letras, seculares e eclesiásticas; nela tem assento toda a nobreza
e a força da milícia e, por situação da natureza, é cabeça de toda
América e pela opulência das riquezas, a perola preciosa do Brasil.
Desejo citar este belo soneto de Salomão Jorge, para podermos
melhor compreender a alma de Antonio Francisco Lisboa:
“Minas Gerais, das garimpas altaneiras
E dos rios que sonham sob as pontes,
Das almas, com a terra, hospitaleira,
Braços abertos, largos horizontes.
Minas Gerais, das íngremes ladeiras
De Ouro Preto, da música das fontes,
E das igrejas patriarcais, mineiras,
Cheias de Deus, na solidão dos montes!
Minas da Inconfidência, Aleijadinho
De Marilia chorando de saudade
Olhando, ao longe, às curvas do caminho
Minas entre dois céus, dois céus distantes;
Em cima, os astros pela imensidade,
Embaixo, ouro, esmeraldas e diamantes...!
A capitania das Gerais, quando o Aleijadinho começou a
alcançar a celebridade, achava-se depauperada.
O ouro, o mágico ouro que dera para tudo, inclusive, para
as fantásticas loucuras do excêntrico Barão de Catas Altas, que em
seus banquetes célebres no Brasil inteiro, pois servia aos convidados
almôndegas de ouro, usava castiçais de ouro, mandava colocar ferradura
de ouro nos seus cavalos e do ricaço português João Fernandes de Oliveira,
que desejando satisfazer uma das inúmeras vontades de sua amada, a
caprichosa Chica da Silva, mandou construir no Bairro do Tijuco um
lago enorme no qual fez colocar uma autentica galera, para em dias
serenos, cheios de encantos, espairecer ao lado de sua amada, ia desaparecendo.
D. João V, beato, esbanjou a largo o metal arrancado das
entranhas de Minas. Queria se esmoler-mor do catolicismo.
A plebe, a sacrificada e esquecida plebe, vingava-se compondo
quadrinhas burlescas:
Nos tivemos cinco Reis
Todos chamados Joões
Os quatro valem milhões
O quinto nem cinco reis.
Mestiço, pardo escuro, pertencendo a uma casta considerada
inferior, olhada com desprezo, apareceu-nos como o símbolo do homem
brasileiro, desprovido de dogmas e preconceitos raciais, contrario
a escravidão e amante da sua liberdade.
Vários fatores de ordem psicológica, cooperaram para essa
indisciplina : a cor do mestiço, a doença, e, talvez o despotismo
dos Governadores.
Apesar de tudo, não se deu por vencido, pois soube vingar-se,
legando a posteridade uma arte barroca que paira, nas mais altas regiões
da beleza!
Que tem o Aleijadinho com o triunfo eucarístico? Na verdade
, sob certos aspectos, nada, pois na época era uma criancinha de uns
2 a 3 anos.
Segundo o relato do escritor português Simão Ferreira,
aditado a pedido dos irmãos Pretos da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário, o triunfo eucarístico, foi à transferência do Sacramento
Eucarístico, num grande aparato do templo de Nossa Senhora do Rosário
para o templo de Nossa Senhora do Pilar.
É impossível resumir em poucas linhas, essa procissão
única em nossa história. Não há lembranças que visse o Brasil e nem
consta que se fizesse na América, ato de maior grandeza...!
Os folguedos participaram com diversos mascarados anunciando
aos sons de ressonantes trombetas e fogos de artifício, o futuro desfile.
Antes, duas bandeiras de damasco carmesim foram hasteadas,
na frente da igreja do Rosário e do Pilar.
Na manhã do dia da procissão, as ruas de Vila Rica, despertaram
floridas repletas de damascos e sedas.
Entre o absoluto respeito do povo, celebrou-se missa,
oficiada a dois coros de música, de cujos ministros a riqueza dos
paramentos dava gosto aos olhos, devoção aos corações !!
Após esse ritual, o cortejo saiu da Igreja do rosário,
precedido de três danças: uma de turcos e cristãos, outra de romeiros
e a terceira de músicos. Estes envergando sedas fulgurantes, possuíam
dos carros de pintura singular.
O veículo menor transportava uma cobra artificial, enquanto
o segundo, o maior, continha um mecanismo esférico que escondia um
cavaleiro !
Quando o mecanismo se escancarava, o cavaleiro, de súbito,
aprecia montado a cabeça de serpente...
Em seguida vinham a cavalo as figuras alegóricas dos quatro
ventos.
Depois dos quatro ventos, aparecia a fama.
Após, vinha a figura representativa de Ouro Preto, a qual
dava o ar de sua graça, cintilando num turbante tão rico “que não
se via nele mais que ouro e diamante”!!
Desfilavam em seguida personagens que simbolizavam os
sete planetas.
Vinham a seguir, representantes de diversas irmandades.
E só então, depois desse cortejo, cercado de pompa e grandiosidade,
idêntico aos que existem nos fantásticos contos de “Mil e Uma Noites”
é que surgia o Divino Sacramento Eucarístico, debaixo de um palio
carmesim, e, atrás desse palio, como desfecho aristocrático é que
vinham as autoridades da época.
Após a benção, houve seis dias de divertimentos em que
o povo dançou, comeu e bebeu, assistindo sermões, cavalhadas, touradas,
fogos de artifício e teatro ao ar livre.
O triunfo eucarístico, deve ser considerado como a maior
festa, que houve em todo o período colonial, um autentico retrato
da opulência da sociedade de Vila Rica e do prestigio da religião.
O Aleijadinho, obteve os seus conhecimentos de desenho,
arquitetura e escultura, na escola prática do seu pai, Manoel Francisco
Lisboa, mestre das obras reais na capitania de Minas, durante o governo
de Gomes Freire.
O segundo mestre de Aleijadinho, foi o abridor de cunhos
da Casa de Fundição de Ouro de Vila Rica, João Gomes Batista, de nome
lusitano de nascimento e membro de tradicional família de artistas.
O terceiro mestre de Aleijadinho, da mesma nacionalidade
dos outros dois, chama-se Francisco Xavier de Brito, que exercia a
profissão de ornamentista e no Rio de Janeiro trabalhou na Igreja
da Ordem da Penitência.
Antonio Francisco Lisboa, recebeu também as benéficas
lições dos franciscanos e de outros religiosos. Nas suas obras em
cedro, evidenciam a presença do estilo gótico e bizantino.
Os franciscanos devem ter lhe emprestado grande auxilio,
cedendo as obras sacras, como a obra de Vitruvio, o “livro das Horas”
e a “Bíblia”, que constituíram os textos inspiradores de sua arte
espiritual.
É tão preponderante, a supremacia da religião na obra
do mestiço, que não descobrimos quase nenhum trabalho de sua autoria,
destituído de caráter sagrado.
Não se pode negar a forte e marcante influência religiosa na arte
de Aleijadinho. A arte no Brasil cresceu e brilhou sob a proteção
da Igreja.
Na vida de Aleijadinho, temos alguns fatos interessantes,
dos quais cumpre-nos assinalar um deles: “O General Dom Bernardo José
de Lorena, Governador da Capitania, mandou chamar o Aleijadinho, para
que ele executasse uma estatua de São Jorge. A imagem do Santo deveria
sair a cavalo pelas ruas de Vila Rica, no dia da procissão de “Corpus
Christi”. Meio a contra gosto, de mau humor, após muitas instâncias,
Antonio Francisco Lisboa foi ao palácio. Logo que o avistou, o Coronel
José Romão,, ajudante de ordens, disse recuando:
Homem feio: Homem feio.
O escultor, ante esta acolhida nada lisonjeira, perguntou
de modo áspero, fazendo menção de retirar-se:
É para isso que Sua Excelência me ordenou que aqui viesse?
Nisto apareceu à figura cordata, bonachona de Dom Bernardo
José de Lorena, que procurou acalmar-lhe os nervos. Depois passou
a informá-lo como precisava ser feita a estatua: apresentaria o tamanho
natural de um homem. Querendo dar o melhor exemplo, indicou José Romão.
Os olhos de Aleijadinho cintilaram. Uma feliz idéia de vingança acudiu
ao seu cérebro. E com ar displicente, encarando o ajudante de Ordens
saiu sorrindo sacudindo a cabeça.
A imagem de São Jorge, uma vez pronta, saiu à rua e o
povo de Vila Rica, no meio de enormes gostosas gargalhadas, divertiu-se
bastante ao vê-la na procissão.
É que a fisionomia do Coronel José Romão se achava reproduzida,
de maneira cômica, na estatua...!
Tanto assim que, de imediato, uma quadrinha se tornou
conhecida:
O São Jorge que ali vai,
Com ares de santarrão,
Não é São Jorge nem nada
É o alferes Zé Romão.
O São Jorge de Aleijadinho desfilava, outrora, na procissão
de “Corpus Christi”, uma das mais faustosas de Ouro Preto e que era
promovida pela Casa da Câmara, hoje, encontra-se no Museu dos Inconfidentes
em Ouro Preto.
Na véspera da procissão, Vila Rica amanhecia risonha com
as ruas embandeiradas e cobertas de flores.
A imagem do santo, antes da missa na Matriz do Pilar,
saia da Casa da Câmara montada num ginete, seguida pelo Oficial Alferes
um menino a cavalo, que era o Anjo da Guarda, e pela colorida escolta
de honra, composta de quatro estribeiros e de um piquete, cujos animais
enfeitados de laços e fitas, marchavam de modo garboso com os seus
cascos prateados.
O oficial Alferes, trajando à romana, carregava a espada
e lança de prata, enquanto o menino tinha um turbante recamado de
pedrarias.
Também o Senhor Governador e as altas autoridades, magníficas
nos seus uniformes, tomavam parte na procissão.
São Jorge, entre alas do povo, descia a Rua Direita, indo
passar em revista as tropas perfiladas desde o Largo da Matriz até
a Rua São José.
Finda a missa solene, na Igreja do Pilar, os sinos repicavam,
estrugiam as descargas dos mosquetes, os batalhões apresentavam armas
e, num ritmo compassado, soberbo, a procissão movimentava-se.
À frente, de lança em riste, com os seus cabelos cacheados,
o seu chapéu de plumas, sobraçando o pequenino escudo, São Jorge recebia
as ovações da multidão e a continência das tropas.
Depois que o santo regressava da Matriz de N. S. da Conceição
de Antonio Dias, os batalhões formados no Morro de Santa Quitéria,
em ordem de parada, prestavam-lhe às honras de General.
Os soldados, encerrada a procissão, recolhiam-se aos seus
quartéis e São Jorge entrava na Casa da Câmara, onde permanecia até
as festividades de “Corpus Christi” do ano seguinte.
Aleijadinho é o ser que vive nas igrejas barrocas entregue
ao sonho obsessivo da criação artística e cinzelar, em suave e submissa
pedra azulada, imagens risonhas e trêfegas de querubins.
O lugar em que Aleijadinho deixou a maior quantidade de
obras foi onde nasceu: Ouro Preto.
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Planta da Igreja de São Francisco de Assis.
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Talha e escultura de frontispício em pedra sabão .
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Os dois púlpitos em pedra sabão.
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O chafariz da eucaristia em pedra sabão.
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Anjos do Altar Mor.
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Imagens das Três Pessoas da Santíssima Trindade.
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Talha e escultural alusiva à ressurreição de Cristo, no altar mor
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A figura do cordeiro sobre o Sacrário.
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Escultural do teto da capela mor
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Obras na Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
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Obras na Capela São Miguel e Almas, também chamada Bom Jesus das Cabeças.
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O chafariz conhecido como Marilia e Dirceu.
Na igreja das Mercês de Cima, atribuem ao Aleijadinho a seguinte obra:
Na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, fez
a cabeça da figura de Santa Helena.
Na capela de São Miguel das Almas, fez a imagem de São
Miguel Arcanjo e a opulenta porta de estética com o friso do purgatório
em pedra sabão.
Na matriz de Nossa Senhora do Pilar, narra a tradição
que o Aleijadinho fez o oratório da sacristia e a imagem de Nossa
senhora do Rosário.
Também lhe pertencem, no mesmo templo, os riscos e a figura
de Deus Padre.
São conservados, no museu da Inconfidência, antigo Paço
Municipal outros trabalhos do escultor, como a estatua de São Jorge,
o altar da Fazendo da Serra Negra, quatro figuras de presépio, uma
imagem de Cristo flagelado e duas imagens de Nossa Senhora.
A estatua de Boa Samaritana, que ornamenta os jardins
suspensos da Mansão dos Lages.
Divulgando a história a Chico Rei, diz que ele incumbiu
ao Aleijadinho de executar, para a Irmandade dos Homens Negros do
Alto da Cruz, em ouro Preto, a igreja e a imagem de Santa Efigênia
(princesa do remoto reino da Núbia).
Lembrando Aleijadinho evocamos Vila Rica. São dois seres
ligados intimamente.
Mas fala ao nosso espírito, de modo mais expressivo, este
soneto de Manuel Bandeira:
Ouro Branco ! Ouro Preto ! Ouro Podre! De cada
Ribeirão trepidante e de cada recosto
Da montanha o metal rolou na cascalhada
Para o Fausto Del-Rei, para a gloria do imposto
Que resta do esplendor de outrora? Quase nada:
Pedras...templos que são fantasmas ao sol-posto
Esta agencia postal era a Casa de Entrada...
Este escombro foi um solar... Cinza e desgosto !
O bandeirante decaiu – é funcionário
Ultimo sabedor da crônica estupenda,
Chico Diogo escarnece o último visionário
E avulta apenas, quando a noite de mansinho
Vem, na pedra sabão, lavrada como renda,
Sombra descomunal, a mão do Aleijadinho !
Na cidade de Mariana, executou na capela de São Francisco
de Assis o majestoso frontispício em pedra sabão, ornamentado de elegantes
relevos, em cujo alto se divisa uma cruz estrelada e na parte inferior,
três formosas cabeças de anjinhos, que constitui uma das mais delicadas
jóias da nossa arte barroca.
Os púlpitos foram executados com tal capricho, que parecem
suspensos no ar, carregados por querubins.
Na quinta do palácio Episcopal de Mariana, vamos encontrar
uma fonte de pedra sabão, talhada pelo Aleijadinho. É um inestimável
trabalho artístico, representando o encantador episodio no qual Jesus,
com fino perfil judaico, junto do poço de Jacó, debaixo de uma tamareira
em flor prega à Samaritana uma daquelas puras lições de bondade.
A mulher, muito atenta, descansa o cântaro sobre os rebordos
da fonte e parece ouvir, a imorredoura verdade da Palavra Divina:
“Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque
a água que eu lhe der fará nele uma fonte que brota para a vida eterna”.
O portal da igreja de Nossa Senhora do Carmo, também feito
pelo Aleijadinho.
Na cidade mineira de Sabará, em companhia de artistas
famosos da época, como Francisco Vieira Lemos e Joaquim Gonçalves
da Rocha, construíram a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no sitio
chamado Cruz das Almas.
São da sua lavra, no referido templo, as armas e detalhes
do frontispício, às imagens de São João da Cruz e São Simão Stock,
bem como os baixos relevos dos dois púlpitos, os Atlantes com suas
colunas, o gradil torneado de Jacarandá, a pia batismal de pedra sabão
e o cedro coberto de ouro do altar mor.
Em são João Del Rey, atribuem ao Aleijadinho, diversas
obras nas Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e de São Francisco de
Assis.
A Igreja de São Francisco de Assis está situada na encosta
do Morro do Bonfim e segundo o Professor Robert Smith, da Universidade
da Pensilvânia ela é, talvez, o mais belo edifício colonial do nosso
país.
Em São João Del Rey, conforme uma narrativa popular, se
achava outra imagem de São Bom Jesus, toda de madeira da lavra do
Aleijadinho.
Os fieis da cidade de Campanha, que eram fervorosos adeptos
dessa imagem, iniciaram um movimento para obtê-la.
Dirigiram diversos pedidos aos sacerdotes são-joainenses,
responsáveis pela relíquia. Os apelos foram infrutíferos.
Então resolveram empregar a força. E, certo dia, um grupo
de fieis, com muita dificuldade, arrebatou a escultura. Depois de
caminhar um mês a cavalo, São Bom Jesus deu entrada em Campanha.
Lenda ou verdade, o fato é que uma imagem de madeira,
representando o Bom Jesus, enobrece o altar mor da Igreja Matriz desta
piedosa cidade mineira, a qual as sextas-feiras santas, sai em procissão.
Em Congonhas do Campo, a Irmandade do Bom Jesus, encarregou
no ano de 1766, ao Aleijadinho, de esculpir as estatuas dos Passos
da Via Sacra em madeira, em numero de sessenta e seis.
E lá encontram distribuídas em seis capelas, representados
– num tamanho quase natural, trabalhos no cedro-rosa, as figuras que
tomaram parte na tragédia do Calvário, os Apóstolos, a Virgem, Maria
Madalena, Verônica,os ladrões e os soldados que foram pintados em
cores vivas por Manoel da Costa Atayde.
Uma das obras primas do Aleijadinho é Jesus, olhando para
o céu com uma expressão tão cheia de misticismo que chega a nos comover.
Prontas às figuras dos Passos da Via Sacra, firmou novo
contrato para esculpir as estatuas dos Profetas.
Eça de Queiros escreveu que as religiões só podem sobreviver
através da arte, pois esta é a única capaz de dar eternidade aos deuses,oferecendo-lhes
a forma. O Aleijadinho, arrancando os granulosos blocos de pedra sabão
suas criações cheias de energia, insuflou novo e cálido sopro de vida
aos milenares profetas do Velho Testamento: Isaias, Amós, Joel, Abdias,
Daniel, Jeremias, Naúm, Oséias, Jonas, Habacuque, Ezequiel, Baruque,
ganharam dupla imortalidade: a que vem narrada nas Santas Escrituras
e a que se acha esculpido no adro do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos,
em Congonhas do Campo.
Na feitura dessas obras de arte, teve ajuda alem dos escravos
que o acompanhavam como ajudantes, chamados Agostinho, Mauricio e
Januário, o canteiro Tomás de Maia que transportava e preparava os
blocos de pedra sabão, a fim de suavizar a labuta do mestre.
Plantados no topo de uma colina, recortados contra a luz
do firmamento, distribuídos sobre as amuradas do adro, os Profetas
fornecem a impressão de que se encontram num estado de transe, sob
o efeito de visões apocalípticas, e o que não se discute é o impacto
que todos sentem quando contemplam essas figuras de pedra sabão azulada.
Com a linda poesia de Jamil Almansur Haddad, finalizamos
a biografia do Aleijadinho:
“Fulgura-lhe o escopro nas mãos sem dedos
Uma dor terrível como tempestade lhe dilacera o corpo
Rola em rutila corrente,
Fosforescente,
O seu sangue.
E o sangue cora,
De um vermelho rútilo de aurora,
As estatuas que ele esculpi.
Ao Moises apocalíptico suplicou Miguel: Parla !
As estatuas lavradas em pedra sabão, implorou Antonio
Francisco Lisboa: Vive !
Meu sangue jorra
Na ânsia dolorida
De insuflar à pedra a palpitação
Misteriosa da vida.
Jorram-lhe as lagrimas
Para ver se pode nascer na pedra
A fonte tormentosa do pranto.
Calou-se
E em Ouro Preto, Congonhas, Mariana e São João Del Rey, os santos,
que eram silenciosos, começaram a rezar...”
Jorge Fontoura
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