A Festa do Círio de Nazaré
Introdução:
Carnaval
é festa, é alegria, é o povo na rua, é o canto e o passo dos Sambistas,
em toda pujança, na representação maior dos folguedos dedicados a Momo.
Como uma força estranha que envolve homens, mulheres e crianças, em
frenéticos requebros de danças contorcidas, a festa carnavalesca tem
suas raízes nos cultos da antiguidade, apresentando-se em nossa terra
como uma demonstração do comportamento humano com características diversas
das de outras plagas, sendo motivo maior de comunicação e união de massas.
Ainda que seja uma festa profana, o Carnaval precede em tempo certo
à Quaresma, estando inserido no Calendário Católico e constituído pelos
três dias, imediatamente anteriores à imposição das Cinzas, que marcam
o início do período de meditação cristã.
Sem dúvida alguma, é na apresentação das Escolas de Samba o ponto alto
do Carnaval, quando cada agremiação desfilante, através de um enredo,
leva às ruas, num espetáculo sadio de empolgação e alegria, a História,
o Folclore, personagens de destaque e os temas religiosos e sócio-culturais
do povo, exaltando-os todos, numa demonstração de apreço artístico e
cultural.
Parece mesmo que o Desfile do Samba é um sistema que procura combinar
os princípios de vários sistemas, através um sincretismo, no qual: a
realidade histórica se emparelha com as raízes lendárias e os elementos
pagãos se ladeiam ao culto popular cristão, como se fora uma representação
ecumênica do sentimento popular e religioso do brasileiro.
Nada melhor, portanto, do que uma festa do povo mostrada a outros povos,
na mais popular de todas as festividades.
Razões Históricas:
Celebrada todos os anos, em outubro, em Belém do Pará, há quase dois
séculos, A Festa do Círio de Nazaré é uma manifestação sócio-cultural,
de cunho religioso, cuja abertura tem lugar em triunfal romaria matinal
– O Círio – com contagiantes festejos nazarenos, seguidos pelas
noites feéricas do arraial, ocasião em que as preces dos romeiros se
casam às músicas dos carrilhões famosos da Basílica onde é venerada
a Santa Padroeira, num comovente hino de amor, como canta o poeta paraense
Corrêa Pinto:
“Belém! Verde Belém!
Terra onde um povo, unido pela fé,
cultua, em sua berlinda senhoril,
a Virgem-Mãe, Virgem de Nazaré,
na procissão mais bela do Brasil!”
Origem e Lendas:
Como todos os grandes acontecimentos que influenciaram poderosamente
na história do Brasil, também a devoção a Nossa Senhora de Nazaré, iniciada
em Portugal, se envolve em algumas lendas graciosas e fascinantes.
Foi ao tempo do imortal Rei de Portugal, Afonso Henrique, que
o seu irmão Alcaide de Porto de Mos, Dom Fuas Roupinho,
durante uma caçada, num momento de morte iminente, invocou a Santa Virgem
da lapa, sendo salvo milagrosamente, e como reconhecimento mandou erguer-lhe
uma igreja, no lugar da lapa, a que o povo chamou a Capela da Memória,
construída em 1182.
No Brasil, a devoção à Senhora de Nazaré já existia, quando em certo
dia do ano de 1700, um caboclo de nome Plácido, quando cortava
lenha, encontrou a imagem da Virgem dentro de um nicho no meio da selva,
construindo no ponto do encontro uma choupana em sua honra, dando início
à veneração em Belém.
O Culto
Várias foram as edificações em honra da Virgem, após a primeira ermida
construída pelo caboclo Plácido, difundindo-se a crença na Santa
de tal maneira que o notório e crescente número de graças alcançadas
produziu até um profundo desenvolvimento no então arraial de Nazaré,
cuja terceira igreja concluída em 1838 passou à categoria de paróquia.
A quarta edificação já possuía a categoria de igreja Matriz, mas pela
afluência cada vez maior dos inúmeros fiéis, pela dignidade do culto
e pelos progressos do lugar, que se transformou na nova cidade de Belém,
reclamou a consolidação de uma igreja que realmente fizesse honra à
Virgem, a qual foi construída então com a economia do povo e elevada
à categoria de Basílica, a 19 de julho de 1923, constituindo-se numa
das mais belas obras artesanais do gênero.
Primeiro Círio
Segundo a história, foi o então governador do Grão-Pará, Dom Francisco
de Souza Coutinho, quem determinou que a partir de 1793 fossem prestadas
à Virgem as maiores homenagens possíveis, nascendo do entusiasmo daquele
fidalgo a grande procissão que se transformou num dos maiores espetáculos
de fé em nossos tempos.
O próprio governador se fez presente à primeira procissão integrada
por muitos índios e índias, participando ainda, do cortejo, legisladores,
cavaleiros, fidalgos, brancos e cafuzos, além da soldadesca.
Determinou ainda o governador a criação de uma grande, em meio aos festejos,
sendo inaugurada naquele ano de 1793 uma exposição de todos os produtos
agrícolas e industriais paraenses e, durante uma semana de festas, o
arraial esteve cheio de barracas de palha onde se encontravam cacau,
guaraná, mandioca, urucum, cerâmica marajoara, tabaco, redes de fio,
pirarucu salgado, cestos, esteiras, cordas, cipós e uma infinidades
de quinquilharias e bebidas produzidas em todas as regiões vizinhas.
As Inovações
Até 1855, foram várias as inovações introduzidas no Círio, o qual, a
partir de então, passou a ser realizado no mês de outubro.
Segundo alguns autores, em 1885, à hora da procissão, transbordou a
baia de Guajará, tendo os diretores da festa tido a idéia de mandar
passar uma grande corta em torno da Berlinda da Santa, a fim de que
os fiéis a puxassem, para vencer o atoleiro que se formara nas cercanias
do mercado de Ver-o-Peso.
Suprimida durante certo período, em 11-10-1931 – a Corda – a mais forte
tradição do Círio, foi restabelecida, sendo puxada por uma comissão
de quarenta pessoas. Atualmente, contudo, ela é muito mais extensa do
que aquela, sendo carregada por milhares de devotos pagadores de promessas.
O período áureo da festa foi a partir de 1938, devendo-se a Felix Rocque,
um paraense de espírito dinâmico e verve teatral, a montagem dos teatros
do arraial de Nazaré e pelos quais passaram nomes famosos como: Beatriz
Costa, Orlando Silva, Jararaca e Ratinho, Moreira da Silva, Dercy Gonçalves,
Gilda de Abreu e Vicente Celestino, Ângela Maria, Colé, Aurora Miranda,
Carlos Galhardo, Emilinha Borba, Elizete Cardoso e muitos outros.
Atualmente, no arraial, além do comércio o mais variado, funcionam também
um parque de diversões com carrossel, roda-gigante e casa de horrores,
barracas de cachorro-quente e pratos e bebidas típicas, como o tacacá
e o açaí, programando-se ainda a apresentação de espetáculos de arte,
com conjuntos folclóricos, tudo isso aliado ao espírito hospitaleiro
do paraense que tudo faz para agradar às centenas de milhares de romeiros
que acorrem a Belém.
Apresentação:
Para melhor desenvolvimento do empolgante tema, a Unidos de São Carlos
apresenta seu festivo enredo dividido em duas partes, mostrando através
de suas alegorias os símbolos mais marcantes do evento, tendo nos figurantes
de destaque, inseridos no contexto, os personagens ou o simbolismo relacionado
à festividade, enquanto que por meio de inúmeras alas são representados
os tipos característicos encontrados no passar do Círio pelos séculos.
A primeira parte mostra O Círio, que é a manifestação de cunho
religioso da festa, orgulho dos paraenses e particularmente da população
de Belém, constituída pela procissão dos romeiros, na qual a imagem
pequenina da Virgem de Nazaré é conduzida numa Berlinda, desde a Catedral
até sua Basílica.
Na segunda parte é mostrado O Arraial, parte profana da tradicional
festa do Norte do Brasil, representado pelos brinquedos, diversões e
comércio, além das apresentações artísticas feitas nas instalações armadas
na praça, onde se situa a igreja em que se venera a Santa e para onde
acorrem todas as noites, durante duas semanas, milhares de pessoas.
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O abre-alas -
Artística concepção, simbolizando a Capela da Memória erigida pelo fidalgo
português Dom Fuas Roupinho, da qual saem dois anjos anunciando o milagre
que deu origem à veneração da Santa.
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A Comissão de Frente
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Constituída por quinze pagens, cada um conduzindo um círio, simbolizando
a quinzena de festas realizada em Belém há quase dois séculos.
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Dom Fuas Roupinho
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Figura de destaque, representando o Alcaide de Porto de Mós, irmão do
imortal Rei de Portugal Afonso Henrique, que sendo devoto da Virgem
e em agradecimento por sua salvação, mandou erguer a primeira Capela
em homenagem à Madona.
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Grupo português -
Caracterizado e dançando o “Vira”, simboliza o entrelaçamento histórico
com a terra portuguesa onde se iniciou a devoção à Senhora de Nazaré.
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Plácido -
Figura de destaque, representando o caboclo que encontrou a pequenina
imagem da Santa, no nicho da selva, junto ao igarapé Murutucu e iniciou
o culto da Virgem em Belém do Pará.
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Esplendor nativo -
Figura de destaque, apresentada em meio a alas de índios e índias, simbolizando
a beleza da selva amazônica que há dois séculos era grandemente habitada
por tribos indígenas, muitas das quais participaram dos primeiros Círios.
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O governador -
Figura de destaque, representando a autoridade máxima do Grão-Pará e
Rio Negro o Capitão-de-Fragata e Grão-Cavaleiro de Malta, Dom Francisco
de Souza Coutinho, que em 1793 determinou a realização do 1° Círio e
da 1ª Feira de Produtos Paraenses.
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Anunciação -
Figura de destaque, simbolizando o arauto que deu notícia ao povo, das
determinações do governo, para que todo o ano se realizasse a grande
festividade em Belém do Pará.
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O Círio -
Figura de destaque, simbolizando a beleza exuberante da festa máxima
do Norte do Brasil.
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Autoridades -
Grupo constituído pela velha guarda da escola, simbolizando as autoridades
constituídas que todos os anos desfilam por ocasião do Círio.
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Pagadores de promessa
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Ala concebida para simbolizar aqueles que em pagamento de uma graça
alcançada se apresentam durante o Círio segurando a tradicional e enorme
Corda que contorna a Berlinda.
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A berlinda -
Artística alegoria, concebida como réplica, representativa em simbolismo,
daquela lindíssima carruagem onde é conduzida a imagem da Virgem durante
a procissão dos romeiros, representados pela ala dos Laçadores de
Marajó.
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Ver-o-Peso - Alegorias de mão, simbolizando o tradicional mercado onde atracam centenas
de saveiros, colorindo com suas velas e mastros enfeitados o local onde
se concentram peregrinos de todos os pontos, para assistir a bela passagem
do Círio.
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Espocar de fogos
- Figura de destaque, em homenagem aos Estivadores de Belém, que todos
os anos realizam um espetáculo pirotécnico de rara beleza, seguida pela
ala dos Fogueteiros.
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Felix Rocque -
Estandarte em homenagem àquele paraense de verve teatral e espírito
artístico, que imprimiu grande alegria ao arraial de Nazaré, criando
os teatros onde se apresentaram famosos artistas do cenário brasileiro.
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Luxo e riqueza -
Figura de destaque, representando a pompa e a riqueza da arte cênica
que desfilou algumas décadas no arraial de Nazaré.
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Coreto -
Artística concepção, em homenagem simbólica a todos os conjuntos musicais
que se apresentaram pelos inúmeros coretos encontrados em Belém e que
por muitos anos foram a alegria dos romeiros.
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Gaioleiro -
Figura de destaque, seguida pela ala dos Gaioleiros, representativa
dos vendedores de pássaros e outras espécies animais.
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Mascate do arraial
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Figura de destaque, seguida pelas alas do Papa-Vento e dos Vendedores
de Buriti, representando as centenas de vendedores de quinquilharias,
encontrados em Belém à época do Círio.
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Louvação ao nascente
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Figura de destaque, simbolizando a alvorada do segundo domingo de outubro
em que começa a grande Festa do Pará.
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Glorificação celestial
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Figura de destaque, simbolizando a beleza do céu paraense, nas noites
festivas do arraial de Nazaré.
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O carrossel -
Alegoria que sintetiza a representação dos diversos brinquedos existentes
no parque montado no arraial e que é a alegria maior das crianças.
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Os horrorosos
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Grupo mascarado, representativo das figuras encontradas na Casa dos
Horrores montada no arraial.
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Tacacazeiros
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Ala representativa dos vendedores de tacacá, cujas carrocinhas são pontos
de atração turística, seguidos pelas barraquinhas de comidas e bebidas
típicas da região.
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Grupo de carimbó
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Conjunto folclórico do Norte, mostrando o ritmo quente da região na
sua melhor representação original.
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A rainha do cheiro
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Figura de destaque, liderando a ala do Cheiro, apresentando o aroma
paraense contido nas raízes e ervas perfumadas da Amazônia como o
Patichulim,
o Cheiro-Cheiroso, a Priprioca e outras.
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A basílica
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Alegoria de fecho, simbolizando a fachada monumental da igreja famosa
de Belém, onde se venera a Santa, que todos os anos cativa milhares
de romeiros de todas as regiões.
Pesquisa bibliográfica:
-
Arthur Vianna – Tratado existente no Museu
Goeldi, em Belém
do Pará
-
Eidorfe Moreira –
Visão Geo-Social do Círio
-
Padre Florêncio Dubois – A devoção à Virgem de
Nazaré
-
Ernesto Cruz – História do
Pará
-
Carlos Rocque – Caderno Especial – “A Província do Pará”, de
13-10-74
-
A Voz de Nazaré – Número Especial (História da Devoção a N. S. de Nazaré
em Belém do Pará)
-
O Estadão
– Suplemento de Turismo de 6-10-74
-
Coletânea do Serviço de Defesa do
Folclore
-
O Círio de Nazaré 1974 – Programa da Festa
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