No universo da beleza,
Mestre Pitanguy
Introdução:
Consciente
de sua reputação de Escola de vanguarda, já responsável pela elaboração
e apresentação de uma memorável série de enredos polêmicos, iniciados
na década de 80, a Caprichosos de Pilares decidiu aceitar um grande
desafio para revolucionar os conceitos e dar nova " visão plástica
" aos desfiles carnavalescos dos próximos anos.
O enredo escolhido para o Carnaval que antecede a chegada do 3o Milênio
– fato extremamente importante para a atual geração, poderá ser caracterizado
como histórico, artístico, político e científico acima de tudo, mas
não deixará de ser, também, místico e espiritual.
Portanto, todos os temas, tradicionalmente utilizados para a concepção
de enredos serão reunidos em um só, o que tornará o nosso trabalho diversificado,
instigante, além de polêmico.
O grau de "dificuldade da operação" começou pela necessidade
de vencer a relutância do nosso homenageado, sempre relutando emprestar
o seu nome, sua carreira, seu prestígio social, para a elaboração do
enredo, o que só foi possível depois de vários apelos e questionamentos
a respeito da sua reconhecida generosidade, liberalidade e nobreza de
sentimentos, sempre voltado e disposto a colaborar com as manifestações
de natureza popular.
Para ser completamente retratada, nos mais diferentes assuntos, a obra
do Mestre Pitanguy, pela sua extensão e magnitude, exigiria, pelo menos,
dezenas de outros trabalhos carnavalescos. Entretanto, seguindo o exemplo
do nosso homenageado, que não se detém diante de nenhum obstáculo, procuraremos,
dentro das limitações e da relação tempo x espaço, e sem nenhum compromisso
de analisar as questões acadêmicas, ressaltar o seu trabalho e sua importância
dentro da respeitada e conceituada medicina plástica exercida em nosso
País.
Desenvolvimento:
A primeira criação artística, depois do próprio Universo, segundo registros
bíblicos, foi a modelagem do Homem, a criatura do Criador, a partir
do barro.
O Grande Mestre, certamente, poderia realizar a sua inigualável obra,
sem similar, com um simples aceno de mão, ou apenas a manifestação de
um desejo. Mas seria pouco e a inspiração não seria notada, para a sua
satisfação. Então, utilizou argila e modelou-a com as próprias mãos,
para expressar o seu amor, carinho e preferência pela mais admirável
das obras, transmitindo-lhe aparência, contornos, mobilidade, sentimentos
e até mesmo o direito de ser semelhante ao seu Mestre Escultor. E ainda
não satisfeito, reproduziu uma cópia, o gênero feminino e, conseqüentemente,
a espécie humana.
Depois de pronto e revisado, com aspecto físico definido, o Homem esperou
milhares, talvez milhões de anos para evoluir e modificar seus hábitos
de vestir. Então, passou a utilizar, além de peles, roupas de lã animal,
primitivamente confeccionadas, sem nenhum estilo, ou capricho. Com novas
roupas, garantindo maior liberdade de movimento, devido o feitio e conforto
proporcionado pela lã, o Homem sentiu necessidade de dar maior atenção
à aparência física, e procurou alinhar os cabelos, utilizando gordura
de animais abatidos. Anos depois, com o auxílio de pedras afiadas nas
extremidades passou a cortar o excesso de cabelo. Manifestava-se, assim,
o sentimento da vaidade humana.
Como em tudo existe um princípio, o nosso enredo começará com a Comissão
de Frente, representada pelo "Homem de Barro", que deu origem
à espécie, impossível de ser reproduzida, no máximo restaurada, com
a permissão do seu Criador.
Seguindo-se à Comissão de Frente, o magnífico e original Abre-Alas da
Caprichosos de Pilares, segundo o ponto de vista da Escola, representará
o sublime e jamais repetido momento da Criação do Mundo, com a presença
dos principais elementos da natureza, ainda sem sofrer os prejuízos
causados pelas inconseqüentes ações do Homem.
Sob a frondosa vegetação, lindas mulheres se destacarão em meio ao denso
nevoeiro, próprio da época da formação do mundo, segundo a inspiração
dos nossos artistas.
Primeira
Enfermaria:
Já no limiar da Antigüidade a Criatura Humana passou a se interessar
e a cultuar a forma física, a aparência e a se comparar, disfarçadamente,
com o seu semelhante. Quando insatisfeitos recorriam às tintas preparadas
à base de carvão vegetal para realçar o contorno dos olhos, e de raízes
vermelhas para realçar o formato das faces.
Na Grécia Antiga a vaidade feminina era latente e os Homens, querendo
agradá-las, mostravam-lhes esculturas magníficas e as comparavam às
mesmas em elegância e beleza.
O aperfeiçoamento das esculturas e pinturas paralelamente ao respeito
do povo pelas coisas espirituais, provocou o aparecimento de várias
divindades, uma delas Afrodite, a digna representante da beleza.
Até nos gestos a beleza era cultuada. Os cidadãos gregos não demonstravam
o menor sinal de deselegância em público ou em ambientes privados. Por
isso explica-se o uso da Harpa como instrumento musical, devido o seu
manuseio exigir movimentos delicados, compatíveis com os padrões de
beleza, requinte e elegância da época.
Focalizando esse período da História, lembramos de Helena de Tróia,
que o simples olhar estremecia os corações masculinos, devido a concentração
da mais pura, radiante e instigante forma de beleza nas maçãs do seu
rosto, de sua boca sedutora, enfim, estaremos lembrando e falando de
Helena de Tróia, simplesmente Helena, a conquistadora dos corações indomáveis.
Considerando que a vaidade não é característica feminina, mas de toda
a espécie, os homens gregos também procuraram, assim como os de hoje,
exercer o direito de melhorar a aparência física, praticando esportes
e toda forma de embelezamento do corpo, e criaram, para ser seguido,
como exemplo, a esbelta figura de Apolo, que também virá da Grécia,
a convite, para participar do desfile de 1999 e, segundo soubemos, só
retornará após o desfile do Sábado das Campeãs, porque vaidoso como
é gostará de se apresentar duas vezes neste Carnaval.
Segunda Enfermaria:
A beleza não tem fronteiras nem distingue cor, sexo ou condição social.
É um direito de todos, especialmente do gênero feminino, habitante de
qualquer extremo da Terra.
As orientais são exigentes quando se trata, principalmente, de beleza
e requinte. Além dos esforços para preservar a beleza dentro dos próprios
conceitos, as mães orientais, particularmente as Japonesas, obrigam
as suas filhas a suportarem, até a adolescência, calçados menores, para
evitar o crescimento dos pés. A inobservância desse costume qualifica
a mãe como omissa e descompromissada com o ritual da beleza que muitas
vezes, vai além do santuário do corpo. Isso explica também a profusão
de artísticas e delicadas lanternas, enfeitando e iluminando os ambientes
domésticos, porque a mulher oriental considera que a organização e o
bom aspecto do lar é uma extensão da sua beleza e personalidade.
Nem mesmo as coloridas sombrinhas, complemento inseparável das orientais,
deixarão de ser mostradas pelas lindíssimas mulheres da Escola, que
vão utilizá-las, como escudo, para exercitar a curiosidade masculina,
sempre a procura do belo, do excitante, do inesquecível, como será o
desfile da nossa Escola neste penúltimo carnaval do milênio.
As primitivas imagens de Buda e Shiva, o primeiro pela tranqüilidade
facial e a segunda pelo exótico, que na maioria das vezes é belo quando
não é grotesco nem agressivo, ainda hoje são reproduzidas por artistas
de diferentes nacionalidades, apreciadores do exótico, também como forma
de beleza.
Terceira Enfermaria:
A cor vermelha sempre mereceu preferência para o realce da beleza facial,
corporal, de roupas e objetos pessoais dos povos antigos, lembrando
os Assírios, Egípcios, Vikings, Romanos, Ciganos e, mais recentemente,
os Incas.
As mulheres pertencentes a esses povos eram demasiadamente vaidosas
e o dever de se manterem belas, dentro das limitações, era uma das obrigações
domésticas. Seus cabelos eram penteados a cada mudança de lua. Algumas
até arriscavam lavar as cabeças quando a quantidade de água disponível
permitia esse luxo.
Essa carência, no entanto, não afetava Cleópatra, a vaidosa Rainha do
Egito, dona da maior coleção de espelhos e que também dispunha de toda
a água do Nilo para hidratar e conservar a sua pele, cor e sabor de
mel, mesmo que tivesse de sacrificar o povo para manter a sua beleza
real.
Mas, a julgar pelas informações e estampas, nenhum povo admirava mais
a cor vermelha do que os índios do Hemisfério Norte. Aparentavam arrogância
mas, na verdade, eram vaidosos, como são os nossos excelentes ritmistas.
Por isso, esse setor da Escola será inteiramente vermelho, inclusive
a nossa Bateria, que vestirá uma fantasia inédita, extremamente vistosa,
como merecem as nossas competentes "chocalhetes ", Marcia,
Dayse, Lazuli, Janaína, Cristina, Elaine, Maria Fernanda e a simpática
Nilza, entre tantas outras bonitas, charmosas e elegantes, escolhidas
para representar o elenco feminino da Caprichosos.
Quarta Enfermaria:
As mulheres africanas, reconhecidamente, são as mais vaidosas, e que
mais procuram realçar a silhueta física exibindo trajes estampados com
seis ou mais cores fortes e variadas. O trato da beleza facial também
exige cuidado máximo e dependendo da região o rosto recebe pintura discreta
ou berrante. De qualquer forma, pelas características dos povos, mesmo
quando a pintura é mais acentuada não deixa de ser admirada.
A imensidão do território africano atravessa inúmeros paralelos geográficos.
Os povos e etnias que habitam essas regiões mantém uma convivência que
resulta na miscigenação das raças, provocando o aparecimento de pessoas
bonitas, diferentes na maioria das vezes, porque combinam a beleza e
a característica física de duas raças e, conseqüentemente, mais um motivo
para a vaidade humana.
Além da vaidade pode-se também constatar a sensibilidade e a espiritualidade
das mulheres africanas quando manifestam devoção por uma entidade feminina
extremamente elegante e orgulhosa de sua beleza, conhecida por Oshun,
e para comprovar que as mulheres da Caprichosos,também são espiritualizadas
e bonitas, desfilarão com a mesma nobreza e beleza dessa entidade, da
maneira que foi reproduzida e exposta por Caribé, num estabelecimento
bancário, em Salvador.
Ao Homem, na condição de Criatura, foi concedido permissão para se cuidar,
conservar-se em bom estado, até mesmo exibir vistosos ornamentos, tudo
isso sem alterar ou agredir o seu corpo - a obra perfeita, máxima e
inigualável do Criador, um santuário, verdadeiramente.
Procurando e exigindo sempre mais, cada uma das Criaturas se sentiu
maravilhosa, incomparável, e passou a se ver mais bela do que as demais,
surgindo, assim, o culto à beleza desmedida, insaciável e presunçosa.
Lenda ou realidade, o fato é que uma delas, que chamaremos Narcizo,
esmerou tanto no apuro e ostentação da aparência física que até as referências
pessoais a respeito do seu aspecto e beleza já não eram mais convincentes.
Precisava de mais garantias, de certeza absoluta, para tranqüilizar
o seu ego.
Obcecado pela vontade de possuir o mais lindo dos rostos, passou a confiar
nas respostas dadas pela imagem que só ele via refletida em um espelho,
quando perguntava: - Sou ou não o mais belo ? Invariavelmente, a voz
que ele imaginava ouvir do interior do espelho, satisfazia a sua vaidade,
e todos os Narcizos, que desfilarão neste Setor da Escola também ouvirão
a voz dos próprios espelhos mágicos, garantindo que cada um é mais belo
dentro de si, comparativamente com a sua dignidade e sensibilidade pessoal.
Quinta
Enfermaria:
Manifestando sua extrema bondade, o Divino Mestre, para satisfazer a
todos, em boa hora, decidiu se fazer presente, através das milagrosas
mãos, competência e conhecimento científico do imortal IVO PITANGUY,
expressão máxima da medicina plástica, brasileiro de nascimento e cidadão
do mundo, por adoção.
Então concedeu ao nosso homenageado o direito de se colocar ao lado
de outros grandes benfeitores da Humanidade com a realização de um trabalho
que será eternamente lembrado por todos os brasileiros e, mesmo que
recuse referências elogiosas, por excesso de modéstia, terá o seu bendito
nome merecidamente registrado na Memória da Humanidade.
Usando dessa Graça Divina, o Emérito Professor, resignadamente executa
a sua missão, na Clínica da Rua Dona Mariana, sem precedente na História
da Medicina, restaurando e devolvendo ao seu semelhante atingido pela
fatalidade ou portador de uma imperfeição congênita, a alegria de se
sentir igual, parte da espécie humana. É dessa forma que a bondade divina,
inspiradora do "Solar da Misericórdia" se manifesta através
do competente credenciado, que na maioria das vezes se afasta, espontaneamente,
do conforto do seu retiro espiritual para restaurar, sempre que necessário,
as criaturas menos afortunadas e humildes e, além de tudo, imperfeitas
e também as vítimas da própria imprudência.
Não é somente através das obras executadas com as mãos que se revela
a versatilidade do nosso Mestre e homenageado.
Distingue-se, também, pela qualidade e quantidade de obras literárias,
de surpreendente beleza e profundidade poética-filosófica. Valiosa contribuição
para o enriquecimento da cultura nacional, bastando atentar para estas
frases, aparentemente simples, mas de incalculável conteúdo, verdadeiras
pérolas que nos obrigam a uma reflexão:
"O Ser Humano é um só na sua procura da identidade com seus
pares, sua tribo, seu grupo".
"A beleza eu não sei definir, mas sempre que a vejo sei percebê-la".
Sexta Enfermaria:
O que antes era embaraçoso e mantido em segredo passou a ser um acontecimento
normal e até saudável. Por isso, a Caprichosos decidiu se submeter ao
toque de embelezamento do consagrado PITANGUY, para comemorar o primeiro
Cinqüentenário de Fundação e se apresentar inteiramente "restaurada"
no Sábado das Campeãs do Carnaval - 99, com a mesma vitalidade e desembaraço
de uma adolescente viçosa.
A gratidão é uma das virtudes humanas e, de certa forma, vem sendo praticada,
e é isso que a Caprichosos pretende mostrar.
Considerando o merecimento por tudo que tem feito e ainda irá fazer,
mesmo contrariando a sua vontade, a Caprichosos de Pilares deflagrará
as homenagens públicas devidas a Ivo PITANGUY, e com isso sairá à frente
de todos.
Essas homenagens, uma verdadeira Consagração, serão prestadas por 4.000
componentes cantando, contando, dançando e agradecendo a honra de conduzir
o seu retrato e ingressar no seleto grupo de seus Amigos.
À Família Pitanguy, aos Acadêmicos de Medicina, à Imprensa Especializada,
aos pacientes que tiveram o privilégio de merecer a dedicação do Mestre
PITANGUY, enfim, ao Universo do Samba e a todos que assistirão, prestigiarão
e comentarão o trabalho executado com incontida emoção, os abraços e
os agradecimentos da Caprichosos de Pilares.
Formulo agradecimentos aos Doutores Fernando e Aldemar Leandro e aos
Membros da Comissão de Carnaval da Caprichosos de Pilares pela acolhida
a um artista iniciante, fato incomum no Universo do Samba, mas próprio
de homens sensíveis com espírito de humanidade e confiança no trabalho
de um semelhante.
Etevaldo Brandão
|