FICHA TÉCNICA 2003

 

Carnavalesco     Jefferson Machado
Diretor de Carnaval     ...........................................................
Diretor de Harmonia     ...........................................................
Diretor de Evolução     ...........................................................
Diretor de Bateria     ...........................................................
Puxador de Samba Enredo     ...........................................................
Primeiro Casal de M.S. e P. B.     ...........................................................
Segundo Casal de M.S. e P. B.     ...........................................................
Resp. Comissão de Frente     ...........................................................
Resp. Ala das Baianas     ...........................................................
Resp. Ala das Crianças     ...........................................................

 

SINOPSE 2003

TEM JANGADA NO MAR, HOJE TEM ARRASTÃO

Justificativa:

"Minha jangada de vela,
Que ventos queres levar ?
De dia vento da terra,
De noite vento do mar..."

            O enredo "Tem jangada no mar, hoje tem Arrastão estrutura-se a partir da intenção de contar a trajetória histórica das jangadas e a vida cotidiana dos jangadeiros. A idéia central está baseada na música "Arrastão", de autoria do compositor Edu Lobo em parceria com Vinícius de Moraes, que retrata as jangadas no mar, as lendas e as crendices dos jangadeiros e a sua volta do mar com as redes cheias de peixe, em sinal de benesses alcançadas com o seu labor, de modo a trazer fartura de alimentos para as pessoas simples que vivem deste ofício.
            Três setores compõem a estrutura do enredo:

  1. O histórico, onde será narrado o surgimento da jangada;

  2. A vida cotidiana dos pescadores, seus hábitos e costumes; e

  3. O místico, no qual se elencam as crendices que habitam o imaginário dos jangadeiros e de seu povo e o folclórico, que reúne as lendas, as sabenças, os usos e os costumes do povo do mar.

Sinopse:

"Olha o Arrastão entrando no mar sem fim..."

            Jangada, uma simples embarcação rústica há séculos nas águas banhadas pelo sol no litoral do Nordeste brasileiro. Foi trazida da Índia pela portugueses com o nome de "xanga", que tem o significado de juntar nos fins do século XVI. Sua construção frágil de madeira leve não utiliza pregos entre as toras para formar o piso. Sobre ele encontra-se o banco de vela , a salgadeira, banco de governo, calços de bolinha, espeque, tolete, mastro, tranca, cavilhas e o remo de governo.
            Os pescadores que trabalham na jangada respeitam uma hierarquia, com muita disciplina e solidariedade, constituída com os seguintes postos: mestre-piloto da jangada: é o primeiro pescador, que tem a responsabilidade da navegação, a escolha do pesqueiro e a duração da pesca. Leva o remo de governo na mão para definir o rumo, sentado no banco de governo também conhecido como banco de mestre. Ele é a maior autoridade da jangada, pois quem é mestre deve saber...
            A segunda pessoa da jangada é o proeiro. É quem puxa o peixe na linha do cardume. Substitui o mestre em caso de impossibilidade do comando. Fica sempre à direita das peças da jangada e aí começa a pescar.
            O terceiro pescador é o bico de proa, que substitui o proeiro. O quarto e último homem da jangada é contra-bico, que pesca na proa da embarcação. Esses são os pescadores intrépidos, conhecidos como jangadeiros.
            Percebendo à primeira vista, a jangada pode parecer uma embarcação fabricada às pressas por náufragos; contudo, as aparências enganam... Sem dúvida nenhuma, seu design é simples, porém é forte e tem condições de navegar por muitos dias. Existem jangadas que navegam lado a lado de grandes transatlânticos, que só as águas do oceano registram.

Vida de Jangadeiro

            A vida de jangadeiro não é muito fácil. O sol aparece às 4 horas da madrugada. Mal o dia rompe, a praia começa a encher-se de pescadores e de habitantes do povoado. O mestre piloto, acompanhado dos outros três tripulantes da embarcação, o proeiro, o bico de proa e o contra-bico, içam a vela para lançar a jangada ao mar, empurrando-a sobre os troncos de carnaubeira, o que é tarefa de todos. Uma vez na água, quase que imediatamente a jangada fica encharcada, parecendo que vai afundar. Mas é só impressão... Isso é quase impossível de acontecer, já que o máximo que pode ocorrer é a jangada emborcar. Para resolver o problema e desemborcá-la, só o jangadeiro experiente e bom nadador o pode fazer.
            Pulam para cima da prancha e, ao embalo da onda, lá se vão, pegando o sol com mão na subida, enquanto na terra a família acena, esperando e rezando pela volta, conforme relatam os versos de Dorival Caymmi, numa de suas composições:

"Óh ! Deus, adeus,
Pescador não esqueça de mim
Vou rezar pra ter bom tempo, meu nego,
Pra não ter tempo ruim..."

            Jangada e jangadeiros, em direção ao alto mar e botar pra maré, levando apenas um barrilzinho, a quimanga da comida (quase sempre essa comida é peixe assado, farinha, rapadura e banana), a tapinambaba, o tuaçu (preso na ponta de um cabo forte chamado poita), paus para matar o peixe, um samburá para paiol da pescaria. E, apesar de tudo, como a brisa heróica, esses pescadores enfrentam o alto mar, nessa prancha lisa e sem defesa para ganhar seu pão de cada dia, a cada amanhecer do Nordeste brasileiro.
            Lá se vão esses corajosos homens sob o sol ardente, o tempo todo; vão com seus medos: o terror lendário que vem de remotas tradições, o desventuroso Dragão do Mar, que provoca as grandes vagas e as tormentas. Há ainda outros temores como os tubarões predadores que os seguem, às vezes, na esperança de uma boa presa. Na verdade, contudo, o receio maior dos jangadeiros vem de lendas, tais como as das medonhas sereias ou iaras, seres metade mulher, metade peixe, que seduzem com o seu canto, que faz os navegantes e pescadores se apaixonarem, atirando-se nas águas para reunir-se a elas e nunca mais voltar. Outras ameaças ainda assolam os heróis do mar: arraias gigantes, polvos monstruosos, raios e tempestades.
            Esses homens pescadores que enfrentam o mar sem fim também levam consigo suas crenças e devoções em Santa Bárbara ou Yansan, a protetora dos raios, trovões e tempestades, Nosso Senhor dos Navegantes, Yemanjá ou Janaína, que seria para os jangadeiros a Mãe ou Rainha das águas, protetora das viagens, dona do reino do mar sagrado e de seus tesouros, a quem os navegadores pedem fartura para as suas redes. Esta expressão da fé foi relatada e consagrada nos versos de uma canção de Edu Lobo:

"...Olha o arrastão entrando no mar sem fim
Êh, meu irmão, me traz Yemanjá pra mim..."

            O folclorista Luis da Câmara Cascudo é mais um a retratar a fé desses homens do mar:

"(...) É que, se o mar é o seu melhor amigo, o seu tesouro, o seu amor, a sua vida, é também, quantas vezes, o seu túmulo."

            Daí surge uma crendice em quase todo o Nordeste do Brasil, a famosa Procissão dos Náufragos ou dos Mortos, na qual as almas dos afogados cantam nas alturas, calando o canto de sedução das sereias, nos dias de finados.
            É de costume dar de vela à tarde, quando no horizonte aparecem as velas diminuídas, enquanto na praia as crianças correm alegres, anunciando aos gritos a chegada das jangadas. Logo aparecem as suas mulheres e filhas donzelas, que ficaram orando rezas fortes para abrandar e afugentar os raios e proteger seus homens amados, pois quem nasce no mar morre nele:

"É doce morrer no mar
Nos braços de Yemanjá..."

            Também há as esposas que ficaram à espera de seus maridos, tecendo rendas para ajudar com as despesas da família.
            As velas brancas, esguias e graciosas, molhadas pelos jangadeiros para se tornarem mais resistentes a fim de quebrar o vento que sopra, contrastam com o brilho mar verde e do céu azul. Há jangadeiros que voltam mais na sombra da noite. Vêm as estrelas por cima como seu guia: são o seu roteiro, tal e qual já o foram outrora para outros navegadores.
            Quando chegam às margens, todos estão à sua espera: não só seus familiares como também os marchantes, convocados pelo sopro prolongado e rouco do búzio. O seu samburá cheio de peixes, lulas, polvos, camarões, siris e estrelas ofertados por Yemanjá é um verdadeiro tesouro, junto ao manzuá cheio de lagostas. Depois é hora dos pescadores encalharem a jangada, fazendo-a deslizar sobre rolos de madeira para ficar pronta para outro dia de heroísmo.
            Domingo é o único dia em que os pescadores ficam com suas famílias para descansar. É também o dia de pôr as velas ao sol e deixar as jangadas quietas sobre a areia alva. As lendas e histórias trágicas de sereias e de dragões enchem as horas de descanso, matando a preguiça que o canto do mar espalha no corpo.
            A vida do jangadeiro é dura. É sal, suor e sol, dia após dia...
            História de jangadeiro tem sua beleza exótica, que inspirou poesias e canções famosas como Arrastão, de Edu Lobo e História de Pescador, de Dorival Caymmi.

"Ê, tem jangada no mar
Ê, hoje tem arrastão
Ê, todo mundo pescar
Chega de sombra, João
J´ouviu
Olha o arrastão entrando no mar sem fim
Ê, meu irmão, me traz Yemanjá pra mim
Nhá, Santa Bárbara,
Me abençoai
Quero me casar com Janaína
E, puxa bem devagar
Ê, já vem vindo arrastão
Ê, é a rainha do mar
Vem, vem na rede, João,
Pra mim
Valha-me, meu Nosso Senhor do Bonfim
Nunca jamais se viu tanto peixe assim."

"Minha jangada vai sair pro mar
Vai trabalhar, meu bem querer,
Se Deus quiser
Quando voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros
Também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer."

Rio de Janeiro, agosto de 2002
Jefferson de Oliveira Machado
Carnavalesco

Bibliografia

BETTENCOURT, G. D. Flagrante do folclore no Brasil
CASCUDO, L. C. Jangadeiros
CASCUDO, L. C. Dicionário do folclore brasileiro
LIMA, H. Imagens do Ceará
SANTOS, L. B. Tipos e aspectos do Brasil

Glossário:

Banco de Governo - Tábua sustentada por quatro paus que serve de assento ao mestre.
Banco de Vela - Suporte que sustenta o mastro da jangada.
Botar pra maré - Sair para pescar.
Búzio - Concha usada como buzina ou apito para chamar fregueses, anunciando a chegada da jangada e do peixe fresco.
Calços de bolinha - Prancha de madeira fincada no centro da jangada, próxima ao mastro, que se mergulha no mar à guisa de quilha.
Carnaubeira - Palmeira de carnaúba, cujo colmo serve de rolete para deslizar a jangada na areia.
Cavilha - Tampa de madeira para tapar orifícios; estrutura sulcada na qual se prende uma corda.
Dar de vela - Retornar da pescaria. Ordem para largar, deixar o trabalho.
Encalhar - Botar para cima, arrastar a jangada para a terra enxuta.
Espeque - Esteio, escora, peça de sustentação.
Manzuá - Armadilha feita de bambu e corda de nylon para capturar lagostas
Marchante - Revendedor de pescado.
Poita - Cabo que prende o tauaçu.
Quimanga - Refeição que o jangadeiro leva para o mar; pode ser também a vasilha e o recipiente para se guardar o sal.
Remo de governo - Grande pá de madeira utilizado como leme para a jangada.
Salgadeira - Caixa para se conservar o alimento.
Samburá - Cesto de cipó ou taquara, pequeno , de fundo largo e boca afunilada, destinado a guardar peixe.
Tapinambaba - Novelo das linhas de pesca.
Tolete - Haste pequena de madeira ou metal que se prende verticalmente na borda da embarcação para servir de apoio ao remo.
Tauaçu - Âncora rústica de jangada; pedra presa a uma corda ou cipó.
Tranca - Pedaço pequeno de madeira que serve de trava para apoiar o mastro mediante uma forquilha.

 

SAMBA ENREDO                                                2003
Enredo     Tem jangada no mar, hoje tem Arrastão
Compositores     Marçal, Kakalo, Natal, Cosminho, Kao e Tiãozinho Cruz

Da Índia veio a Xanga como embarcação
Com licença mãe Yemanjá
Pois tem jangada no mar
Hoje tem Arrastão
O vento dos Deuses nos conduz a prosperar
E o sol clareira nosso mestre a singrar
Deixe a prancha embalar
Nossa rede é verde e branco
E o oceano a avenida conquistar

Jangadeiro trás o peixe... De cada dia
A quimanga é fartura... Na pescaria
O Dragão não vai ousar...Me afrontar
Nem as Iaras vão fazer me apaixonar

Mãe Mãe D água a proteção é Janaína
A vida é nosso tesouro
Aos pescadores quem te pede é a família

E os temores vão passar
Nem tubarões nem tempestades
E parrei Iansã
Os seus raios trazem claridade

É doce morrer no mar
No Nordeste a procissão
Contra lendas e mistérios
Mar a dentro lá se vão