FICHA TÉCNICA 2004

 

Carnavalesco     Oswaldo Luís e Carlos André Wendos
Diretor de Carnaval     Marcus Vinícius (Marquinhos Salva Mar)
Diretor de Harmonia     Waltinho
Diretor de Evolução     .............................................................
Diretor de Bateria     Belito (Itamar Benvindo) e Tabáco (Ivanildo)
Puxador de Samba Enredo     Nego Martins
Primeiro Casal de M.S. e P. B.     Carlos Eduardo Júnior (Mosquito) e Jaçanã Oliveira Ribeiro da Silva
Segundo Casal de M.S. e P. B.     Marcelo e Daniele
Resp. Comissão de Frente     Irídio Mendes
Resp. Ala das Baianas     Arlete Cabral
Resp. Ala das Crianças     Adelaine de Oliveira Santos

 

SINOPSE 2004 

Dorival Caymmi, o mar e o tempo nas areias de Copacabana

"Sou uma pedra. Pescar também não sei. Mas isso também não me preocupa. Para a vida ficar mais bonita, você tem que achar coisas do mar até fora do mar. Isto é o que importa".
(Dorival Caymmi)

          Dorival Caymmi tem uma história que chega a se confundir com a nossa cultura musical, com um legado difuso a nossa natureza, em composições que se espargem ao nosso folclore de tão simples e complexas que são, nos revelando um homem do povo, um retrato de brasilidade tenra e poética. Dedicou sua vida à música e a felicidade.
          Caymmi nasceu em Salvador BA em 30 de abril de 1914. Filho de Durval (codinome Ioiô), um mulato charmoso, exímio dançarino de maxixe, Dorival condensa todas as tendências da miscigenação brasileira, ostentando ainda a vitória dessa mesma miscigenação, em sua obra e canto.
          Cresceu em ambiente musical, aprendeu violão sozinho, o pai tocava bandolim e a mãe, Aurelina Cândida Soares (codinome Sinhá), cantava. Caymmi participava ativamente das manifestações de rua, de todos os ciclos de festas do Bonfim, umbigadas, sambas de roda, toadas, carnavais de rua, candomblé, emboladas, ouvindo a música de feira do Sétimo Armazém e Água dos Meninos, enfim, todos os tipos de manifestações musicais que surgissem nas ruas de Salvador. Estreou como compositor aos 19 anos, com "No Sertão", uma toada que falava das asperezas do lugar.
          Em Salvador teve vários trabalhos antes de tentar a sorte como cantor de rádio, e em 1936 - como compositor - ganhou um concurso de músicas de carnaval, onde também participava dos desfiles de corso na folia salvadorense.
          Depois de um flerte com as rádios da Bahia, sua terra, Dorival Caymmi pega um Ita (Itapé) e vem morar no Rio, em 1938. Enfim, lá estava ele, magro, mulato, com 1,66 m de altura, modesto e asseado, uma mala de tamanho médio e um pacote grande e quadrado, onde trazia dentre outras coisas seu violão, devidamente embrulhado para não se passar por vagabundo. E por falar em violão, anos mais tardes, em 1943, Caymmi ganhou dos amigos da Rádio Tupy um "Di Giorgio" que recebeu as mais variadas assinaturas, ao longo de mais de dez anos de sua carreira, onde amigos e artistas, nacionais e internacionais deixaram um marco de carinho. Em 1953 o instrumento foi roubado, mas logo recuperado - desgraçadamente seu tampo havia sido raspado, antes do baiano conseguir reave-lo.
          Sua vinda a então capital do País tinha como finalidade a realização de cursos preparatórios para a faculdade de Direito. E, talvez, arranjar um emprego como jornalista, profissão que já havia exercido em Salvador. Fora até indicado por José Brito Pitanga para trabalhar como desenhista na revista "O Cruzeiro". Mas, incentivado pelos amigos, com seu talento de compositor, poeta e cantor, é estimulado pela efervescência cultural da época - rádios, cafés, cassinos, cinemas espetáculos teatrais e musicais, publicações, etc. - Caymmi, depois da indicação de Assis Valente para trabalhar numa emissora, mesmo sendo recusado, muda seus planos de carreira, enveredando para a música, estreando na Rádio Tupi, em 24 junho de 1938.
          Viveu intensamente a boemia das noites cariocas, projetando-se nacionalmente em menos de um ano, quando, com Carmem Miranda gravou um de seus títulos, incluído na ultima hora no musical "Banana da Terra" no mesmo ano de sua chegada ao Rio, era "O Que É Que a Baiana Tem?", que, em suas próprias palavras, "explicava a um povo estranho ao meu o que era uma baiana", descrevendo seu traje típico, seus jeitos e trejeitos. O primeiro sucesso de Dorival Caymmi contribuiria decisivamente para fazer deslanchar a carreira internacional de Carmem Miranda. Cantou e contou a paisagem baiana como ninguém em seu jogo diferente de ritmos. E através de músicas como "A Preta do Acarajé", "Você já foi à Bahia?" - fez dessa portuguesa uma verdadeira nativa de nossa terra.
          Em 1939 a canção O Mar, composta um ano antes, em ocasião que sequer imaginava seguir a carreira artística, foi incluída na programação do espetáculo beneficente organizado pela Primeira-dama, D. Darcy Vargas, no Teatro Municipal, e filmado pela Cinédia (seu então segundo filme). O próprio Caymmi foi convidado a participar. O título do espetáculo, "Joujoux et Balangandans", uma clara referência à letra da canção "O que é que a baiana tem?", Pretendia assinalar as influências francesa e africana na cultura nacional. Ainda esse ano, compõe com Jorge Amado (seu compadre) e Carlos Lacerda a música "Serenata", que cai em esquecimento por desentendimentos políticos entre Lacerda e Amado.
          Nesta época, o poeta incorpora o candomblé em sua vida e conseqüentemente a Mãe Menininha do Gantois. Filho de santo dessa ialorixá, para quem escreveria posteriormente, em 1972 a canção em sua homenagem:"Oração de Mãe Menininha", gravado por grandes nomes como Gal e Bethânea. Caymmi, filho de Xangô e Iemanjá, torna-se obá de xangô (seu santo de cabeça) sob sua oriantação, e vive intensamente o sincretismo religioso baiano.
          Tranqüilidade seria uma palavra perfeita para descrevermos esse grande contador da vida dos pescadores, muitas vezes trágica, mas contada por ele de forma suave, pura e simples. Marcando nossa música para sempre, quando cantando sua terra: sua vida, seu povo, seu drama, sua luta, seus mistérios, sua poesia e amores; viu na morena de Itapuã, nas rosas de abril, em Iemanjá e o vento do oceano, na jangada e o saveiro, os impactos sócio-comportamentais existentes, também musicado em obras como: "Acontece Que Sou Baiano", "Saudade da Bahia" e "Samba da Minha Terra". Cada música é sua inspiração verdadeira e experiência vivida, é seu sangue é sua carne, é sua verdade. Uma será mais bela, outra mais profunda, aquela mais fácil, mas nenhuma resulta da busca do sucesso ou do aproveitamento de qualquer circunstância.
          Sua adoração pelo mar e pela natureza, acaba por colocar o homem em sua real posição - uma parte integrante dela - sem domínio, sem superioridade, sem controle. É capaz de nos mostrar toda a doçura de viver/morrer no mar, doçura de viver. E ele segue tranqüilo, chegando a levar anos na criação de uma música, contando até nove anos para concluir a saga de "João Valentão", e ganhando a inadequada fama de preguiçoso, da qual tirou proveito malandramente, deitado na rede nos anúncio de TV. Burilando um pouco hoje, descansando amanhã, retornando daqui a anos - é um bom tempo, diz ele, "é um bom tempo".
          O baiano participou, ora atuando ora musicando, nada menos que 12 filmes nacionais, e ainda emprestou sua música ao único personagem brasileiro de Walt Disney, Zé Carioca, no filme "Você já foi a Bahia?"
          Um compositor atemporal, pra quem a moda não existe, Dorival nunca compôs sob pressões externas. Músicas e letras cuidadosamente elaboradas, exibem uma constante atualidade, tal qual as cirandas, estilo folclórico que confessadamente gostaria de compor; esse desejo é bem presente na música "Acalanto", que soa como uma canção de ninar. Mas sua sensibilidade não se limitava a arte da música. Além de pintar, desenhava e lia, a ponto de manter uma conta com um livreiro - cuja livraria ficava no centro da cidade.
          O amor pela pintura é uma constante na vida de Dorival - não fosse ele também pintor. E dos bons, a ponto de nomes da importância de Portinari, Pancetti, Cícero Dias, Augusto Rodrigues e Caribé (seu amigo do peito), cujos quadros estão espalhados pelas três casas do cantor, insistirem para que ele trocasse o violão pelos pincéis. O convívio com artistas como Volpi, Rebolo, Pancetti e Graciano, no Clube dos Artistas e Amigos das Artes (conhecido como "Clubinho"), em São Paulo de 1945, estimulou ainda mais sua crescente atividade nesta arte.
          Na década de 40, o compositor conviveu no Rio com um grupo de intelectuais, do qual faziam parte Otávio Malta, Jorge Amado, Samuel Wainer, Carlos Lacerda (com quem até compôs uma música). Muitos eram esquerdistas - alguns assim continuariam, outros, como se sabe, virariam o disco.
          O pintor Clóvis Graciano, embarcando na simpatia de Caymmi por intelectuais comunistas, convenceu o baiano a realizar o hino da campanha de Prestes, que então se candidatava a senador, juntamente com Jorge Amado, candidato a deputado federal. Jorge e Prestes foram eleitos, já Caymmi passou a ser perseguido pela polícia. Mas, como sua 'envolvência' não era política, e sim de amigo, de admirador do movimento intelectual -que na sua quase totalidade, era composta por partidários comunistas - nada de mal lhe aconteceu.
          Apesar de seu grande amor pelo mar, pela música e pela pintura, nada foi maior que o incomensurável amor pela mineira Adelaide Tostes, ou seja, Stella Maris; a cantora de rádio que despertou em Dorival, uma paixão à primeira vista. O que fez com que o galante Caymmi, pedisse a loira de São Pedro de Pequeri , em casamento. Um casamento que embala esta paixão até os dias de hoje.
          Em seus 90 anos de vida (abril/2004), dos quais, 66 de atividade artística, o 'janeleiro' -que observa o dia a dia através de sua janela, contando e cantando o que vê - completa 60 anos de cidadão de Copacabana. Viveu a boêmia do lugar e fez composições que enalteciam o bairro, representou em peças nos teatros da região e participou de diversos musicais em seus cassinos e caberets. Participou da "era de ouro" do radio e da inauguração das principais redes de televisão do país. Ator e compositor de comerciais, artista do cinema nacional, esteve em vários filmes que mostravam a diversidade da cultura brasileira. Como precursor da "Bossa Nova" compôs músicas, tais como: Sábado em Copacabana e Marina dentre outras; numa fase também chamada de Urbana e/ou Carioca; enturmou-se com um grupo de amigos da zona sul, sustentando com Tom, Vinícius, João Gilberto, Baden Powell e outros, as bases desse novo caminho da musicalidade nacional; ganhando até um presente musical, 'Tarde em Itapoã', composta e gravada por Toquinho e Vinícius. Este movimento musical carioca tornou-se um dos principais da música popular brasileira.
          Até agora Caymmi compôs cerca de 100 músicas em que se destacam as canções praieiras, as de inspiração no folclore da Bahia e os sambas-canções urbanos. Sua discografia é em torno de 20 discos, sem considerar as gravações de outros intérpretes.
          Grandes nomes da música e das artes internacional se curvaram diante da capacidade criativa de Dorival, seja homenageando-o ou cantando suas canções; fizeram de Orson Welles, Sarah Vaughan, Josefine Baker, Amália Rodrigues, Edith Piaf entre outros, personalidades que tiveram a sorte e o prazer de desfrutar de sua amizade.
          A família Caymmi vai além desse desfrute; fazendo jus ao nome, tiraram da melhor fonte a melhor água. Não há quem possa negar a união e sintonia deste Clã musical no palco, além do amor que nutrem pela música. Em 1987, Nana, Dori e Danilo, os três filhos de Dorival estrearam juntos no Scala II com o pai, no aniversário de 44 anos de Dori, o que foi tratado pela crítica, como o acontecimento musical do ano. Talentos que transpõem as gerações e as artes, tomado por exemplo, Stella Caymmi, neta do grande compositor, que vem trabalhando na área cultural como assessora de imprensa dos Caymmis, redatora e editora, com artigos publicados em diversas revistas nacionais, e autora de perfis biográficos para songbooks de vários artistas, além de participar da produção de shows da família no Brasil e no exterior. Lembrando ainda que é a neta Denise quem empresaria toda a família.
          A iconografia que carrega o nome Caymmi, símbolo de intelectualidade, inteligência, ideologia, sabedoria, segurança, carisma e sucesso, resultou até em homenagens que vão desde de Prêmios (Shell), Títulos (Cidadão Honorário do Município do Rio de Janeiro e Doutor Honoris Causa - pela Universidade Federal da Bahia), Comendas (Orde dês Arts et dês Letters e Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho), Medalhas (medalha do Mérito Castro Alves, Medalha Machado de Assis e Medalha Mérito Santos Dumont), Ordem do Mérito da Bahia e um busto (modelado pelo escultor Bruno Giorgi nos anos 50) em Salvador, passando pela praça e avenida Caymmi em Itapoã, sendo campeão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro de 1986 - brilhando como enredo de sua escola (Mangueira), e chegando a universidade Estácio de Sá, que deu o nome de seu campus em Copacabana como Dorival Caymmi - qual será, quem sabe? A Universidade do Samba!
          Caymmi e sua família moram a mais ou menos 27 anos na rua Souza Lima no edifício Noa-Noa, no posto 6 (seis) em Copacabana num apartamento de primeiro andar, a menos de um quarteirão da praia. Vizinho das comunidades do Cantagalo, Pavão e Pavãozinho, onde está situada nossa agremiação, faz com que nossa Escola tenha a honra de apresentar este enredo. Mostrando da Zona Sul para o mundo que Caymmi é o respeito pela vida - é seu ritmo.
          Certa feita, numa entrevista - ou encontro de grandes nomes - para homenagear Dorival em seus 80 anos, idealizada pelo Jornal do Brasil, em Copacabana, João Ubaldo não resistiu e entregou a falta de intimidade do amigo com o mar: "Você não é homem de pescaria, de navegação. Não sabe nadar". Caymmi confessou sem receio, em meio a risos dos amigos: "Sou uma pedra. Pescar também não sei. Mas isso também não me preocupa. Para a vida ficar mais bonita, você tem que achar coisas do mar até fora do mar. Isto é o que importa".
          E nesse apanhado de poesias é que o Alegria da Zona Sul lança o enredo que mostra que "CAYMMI É PEDRA NOVENTA NAS AREIAS DE COPACABANA". Memorando o orgulho de ter esse ilustríssimo baiano como morador adotado pela comunidade do bairro. Bairro, espelho do jeito carioca de ser, que como um postal, leva ao mundo a simpatia e receptividade do povo brasileiro.

Oswaldo Luis (Deco) & Carlos André Wendos
Carnavalescos

Agradecimentos a: Denise, Stella Caymmi, Lucia Gutierrez e ao nosso diretor conselheiro Sr. Lourenço (pela maravilhosa idéia de Dorival Caymmi para o enredo do carnaval 2004).

 

SAMBA ENREDO                                                2004
Enredo     Dorival Caymmi, o mar e o tempo nas areias de Copacabana
Compositores     Gilmar Nogueira, Jorge Madrugada e Pedrinho Cassa

O céu da Bahia está em festa
Dança ioiô, canta sinhá, ô sinhá
O som dos atabaques anuncia
Caymmi vem nos braços de Iemanjá... (rainha do mar)
No Ita naveguei
E vim pro Rio morar
Bateu forte o coração
Copacabana é minha paixão

Amor cadê meu violão, amor
Meu canto é de emoção
A sua obra está gravada na história
90 anos do poeta da canção

Filho de Mãe Menininha do Gantois
Caô meu Pai Xangô
Vem no batuque dos ogãs meus orixás
Carmem Miranda dos balangandãs
Sucesso, Bossa Nova, Malandragem
Boemia na cidade
Zé Carioca vem brilhar no Carnaval

(Eu quero...)
Quero adormecer na praia
Deitar na rede de um pescador
Caymmi é alegria
Nesse mar de fantasia
Zona Sul é paz e amor